Abedalá ibne Iacine
Abedalá ibne Iacine Aljazuli[1] (em árabe: عبد الله بن ياسين; romaniz.: ‘Abdallāh ibn Yāsīn; m. 1059) foi um teólogo e guia espiritual da corrente maliquita do islamismo que esteve ativo na primeira metade do século XI no norte da África. Por influência de Iáia ibne Ibraim Aljudali, dirigiu-se ao deserto para iniciar atividades missionárias entre os sanhajas do planalto de Adrar, na atual Mauritânia. Foi um dos fundadores do movimento almorávida.
Abedalá ibne Iacine | |
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Morte | 1059 |
Etnia | Berbere |
Religião | Islamismo maliquita |
Vida
editarAbedalá ibne Iacine nasceu em data incerta na primeira metade do século XI. Pertencia aos jazulas, um grupo berbere aparentado com os sanhajas[2] e sua mãe, cujo nome é desconhecido, nasceu na vila de Tamamanaute (Tamāmānāwt), na extremidade do deserto que margeia Gana.[3][4] Fontes posteriores colocam que teria estudado sete anos no Alandalus, mas seu quase contemporâneo Albacri coloca dúvidas sobre seu conhecimento do Alcorão e da lei islâmica. Em data incerta, tornar-se-ia discípulo de Uagague ibne Zalu Alanti, um teólogo maliquita cuja escola (dār al‑murābitūn) estava em Malcus, perto de Sijilmassa. A posição de ibne Iacine dentro da escola é incerta, mas em 1038 foi escolhido por Uagague para acompanhar Iáia ibne Ibraim Aljudali às terras dos sanhajas com o intuito de convertê-los. Ivan Hrbek e Jean Devisse propuseram que isso implica que Uagague tinha consciência das capacidades de ibne Iacine, independente das ressalvas de Albacri, o que está de acordo com o cádi Iade, que ao referir-se a ibne Iacine o chamou de piedoso e sábio.[5]
A atividade missionária de ibne Iacine começou em 1039, e por estar sob proteção pessoal de Iáia ibne Ibraim, logrou resultados. Os judalas, a tribo a qual Iáia pertencia, e os sanhajas em geral, já estavam convertidos ao islamismo nesse momento, mas sua adesão era frouxa e pouco ortodoxa.[6] Ibne Iacine buscou fortalecer ou reformar a fé dos judalas e reuniu junto a si alguns discípulos. Sem que se saiba datas exatas desses eventos, as fontes islâmicas registram que envolveu-se num ataque contra os lantunas, que refugiaram-se no planalto de Adrar, e na fundação da cidade de Arate-ne-ana (Arat‑n‑anna) que, seguindo suas concepções igualitárias, tinha todas as casas da mesma altura. Ibne Iacine era rígido quanto à observância e disciplina dos deveres religiosos, mantinha convicções puritanas e igualitárias e expunha seu desprezo aos valores sociais e tabus entre os sanhajas, o que suscitou um eventual conflito com o alfaqui Jauar ibne Sacane. Por conseguinte, em 1048, no rescaldo da morte de seu protetor Iáia, seu alinhamento com um pretendente malogrado à posição de chefe causou-lhe uma contenda com os nobres judalas Aiar e Intacu e a perda de sua residência em Arate-ne-ana.[7]
Em algum momento antes de 1052/53, em decorrência desses desentendimentos, Ibne Iacine refugiou-se numa ilha marítima com seus discípulos, numa provável emulação consciente da Hégira de Maomé.[8] Seu metre Uagague, que embora não concordasse por completo com a postura de seu discípulo, enviou uma reprimenda formal a todos os que se recusavam a obedecê-lo. Uagague novamente confiou-lhe a tarefa de missionário, mas dessa vez o enviou para junto dos lantunas, cujo líder Iáia ibne Omar Alantuni estava mais inclinado a auxiliá-lo em sua missão. Como consequência, os lantunas tornar-se-iam centrais dentro do nascente movimento almorávida, que nesse ponto perderia seu aspecto reformador e adquiriria um aspecto militante, promovendo a jiade contra os infiéis.[9] Ibne Iacine delegou o comando militar a Iáia ibne Omar, a quem nomeou emir, e os ramos massufa e judala dos sanhajas reconheceram, ao menos por algum tempo, a autoridade suprema dele, com seus chefes locais atuando como chefes tribais agindo sob a bandeira do islã. Ibne Iacine, no entanto, além de seu papel religioso e jurídico, administrava o tesouro público da comunidade e envolveu-se diretamente em campanhas militares.[8]
Desde 1054, os almorávidas iniciaram uma série de campanhas contra os territórios dos zenetas, no vale do rio Drá,[10] antes de marcharem contra Sijilmassa, cuja população reclamou a ibne Iacine da tirania de seu chefe magraua Maçude ibne Uanudine. Após tentativas frustradas de conseguir um compromisso pacífico, os almorávidas invadiram a cidade, mataram Maçude, massacraram os magrauas que ali residiam e instalaram um dos seus como governador.[11] Em 1054/55, os almorávidas voltaram-se para o sul e atacaram Audagoste, cuja população zeneta foi massacrada. Com ambas as cidades asseguradas, o movimento detinha controle sobre dois pontos focais do comércio transaariano. No interim, enquanto os almorávidas ocupavam-se com suas campanhas, os judalas decidiram se rebelar. Iáia ibne Omar foi enviado para combatê-los, mas foi derrotado e morto na Batalha de Tabefarila de 1056. Nenhuma outra campanha foi dirigida contra os judalas, e embora perdurasse a tenção tribal entre os lantunas e os demais ramos dos sanhajas nos anos seguintes, todos são citadas ocasionalmente envolvidos nas campanhas almorávidas.[12]
Em 1056, com a morte de Iáia ibne Omar, ibne Iacine nomeou seu irmão Abu Becre ibne Omar como novo emir. Através de sua ação diplomática, obteve a submissão dos masmudas que residiam na cordilheira do Atlas. Em 1058, a cidade de Agmate e a região de Suz também se submeteriam e Abu Becre cimentou essa aliança desposando Zainabe, uma das filhas do chefe de Agmate. Em 1059, os berguatas, um ramo insubmisso dos masmudas, opôs-se aos almorávidas, que sofreram uma derrota importante nas proximidades de Curifalate, cerca de 40 quilômetros de Rabate. Ibne Iacine pereceu em combate, mas em circunstâncias pouco esclarecidas. O movimento por ele inaugurado sobreviveria à sua morte e seria monopolizado na figura de Abu Becre e seus sucessores, que gradualmente o transformariam num Estado constituído expansionista.[13]
Referências
- ↑ Dias 1940, p. 82.
- ↑ Colin 1991, p. 526-527.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 397, 403.
- ↑ Baers 2022, p. 35, nota 3.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 403, nota 30.
- ↑ El Fasi & Hrbek 2010, p. 81-88.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 404-405.
- ↑ a b Hrbek & Devisse 2010, p. 407.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 405.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 409.
- ↑ Yver 1986, p. 1178.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 408-409.
- ↑ Hrbek & Devisse 2010, p. 409-410.
Bibliografia
editar- Baers, Michael (2022). A History of the Western Sahara Conflict: The Paper Desert. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholar Publishing
- Colin, G. S. (1991). «Djazula». The Encyclopedia of Islam, New Edition, Volume II: C–G. Leida e Nova Iorque: BRILL. ISBN 90-04-07026-5
- El Fasi, Mohammed; Hrbek, Ivan (2010). «Capítulo III. Etapas do desenvolvimento do Islã e da sua difusão na África». História Geral da África. Vol. III: África do século VII ao XI. São Carlos e Paris: UNESCO e Universidade Federal de São Carlos
- Hrbek, Ivan; Devisse, Jean (2010). «Capítulo XIII. Os almorávidas». História Geral da África. Vol. III: África do século VII ao XI. São Carlos e Paris: UNESCO e Universidade Federal de São Carlos
- Dias, Eduardo (1940). Árabes e muçulmanos. 1. Lisboa: Livraria Clássica Editora
- Yver, G. (1986). «Maghrawa». The Encyclopedia of Islam, New Edition, Volume V: Khe–Mahi. Leida e Nova Iorque: BRILL. ISBN 90-04-07819-3