Amazofonia
A amazofonia, ou dialeto nortista,[2] é uma variação sociolinguística regional (ou geolinguística) do português formal brasileiro (não reconhecido oficialmente[2]), que é empregada por boa parte dos habitantes da região amazônica.[3][4][5] A maioria dos habitantes da Região Norte do Brasil,[6] em cinco dos nove estados brasileiros da Amazônia Legal,[7] principalmente nas duas maiores cidades (Manaus e Belém). Apresenta forte influência indígena e nordestina,[2] além de portuguesa como a conjugação em segunda pessoa e "s" chiado.[2][7][8]
Dialeto nortista Amazofonia | ||
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Falado(a) em: | Amazonas Pará Acre Roraima Amapá | |
Região: | Região Norte do Brasil | |
Total de falantes: | aprox. 15 milhões de pessoas[1] | |
Posição: | Não se encontra entre os 100 primeiros | |
Família: | Indo-europeia Língua portuguesa Português brasileiro Dialeto nortista | |
Estatuto oficial | ||
Língua oficial de: | sem reconhecimento oficial | |
Regulado por: | sem regulamentação oficial | |
Códigos de língua | ||
ISO 639-1: | --
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ISO 639-2: | ---
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Cabe ressaltar que a Cabeça do Cachorro amazônica é falante de uma língua própria, o nheengatu, e o sul e sudeste da região amazônica o dialeto da serra amazônica (ou arco do desflorestamento ou sotaque dos migrantes).[9]
Regiões
editarEste dialeto é empregado nas seguintes regiões e estados: Acre; Amazonas; Roraima; Amapá, e; parte do Pará, excluindo-se a região de Carajás.[7]
História
editarA história peculiar da ocupação da Amazônia pelos indígenas, em seguida portugueses e, depois nordestinos, resultou em uma composição própria sociolinguística (regional), o dialeto nortista ou amazofonia.[2] Essa miscigenação histórica contribui para a existência de muitos termos/expressões amplamente usado na região, que formaram a identidade amazônida e a unidade histórico-cultural.[2]
Os dialetos regionais, em especial os dialetos amazônidas, não são oficialmente reconhecidos pelo governo do Brasil, pois durante a história tentou combater as variações linguísticas no país, com a imposição de uma "fala correta", fomentando uns preconceitos linguísticos.[2]
Dialeto tradicional
editarEste dialeto é considerado brando[3][10] (à exceção da letra "s") pois tem poucos vícios de linguagens comparado aos outros dialetos brasileiros,[3][10] modo de falar herdado dos portugueses.[8][10] Dentre as características principais desta variedade, destacam-se:
- o uso adequado da norma culta, a conjugação verbal com o pronome de tratamento na segunda pessoa do singular "tu", por exemplo:[8][11][12][10] "tu fizeste", "tu és", "tu foste", "tu chegaste";[10]
- a realização fonética do "r" e do "s" em coda silábica (rima) que se assemelha àquela observada no dialeto carioca;[3][10][11]
- a palatalização das consoantes dentais (/d/, /l/, /n/ e /t/) diante de [i], [ĩ] (por exemplo, galinha [gaˈʎĩɲɐ], com o l possuindo o som de lh, ou bonito [buˈɲitʊ], com o n possuindo o som de nh);
- em alguns municípios, também ocorre o alçamento da vogal média/tônica /o/ para uma vogal alta [u] (por exemplo, grosso [ˈgɾusʊ]); este alçamento existe também em outros dialetos do português, mas apenas em sílabas átonas e não nas tônicas.
- termos da língua tupi, herança indígena ancestral, como por exemplo "carapanã" e "igarapé";[3]
- modo de falar mais anasalada.[3]
Para pessoas de outras regiões, esse sotaque pode soar como sotaque carioca, porém existem diferenças primordiais, como:
- não há palavras gingadas[carece de fontes][necessário esclarecer];
- quase não existe o emprego de você, salvo as formalidades;[2][3][7]
- não ocorre a substituição da fricativa pós-alveolar em coda ([ʃ] ou [ʒ], ortograficamente s) por uma fricativa velar ([x], o som da letra r em coda), à diferença daquilo que se observa no dialeto carioca (em que, por exemplo, mesmo pode ser pronunciado como mermo);
- as consoantes /l/ e /n/ se palatalizam a [ʎ] e [ɲ] diante de [i], [ĩ];
- a nasal palatal nh /ɲ/ se realiza sempre com uma oclusão completa no ponto de articulação palatal, em contraste a muitos outros dialetos do português, em que comumente ocorre uma realização aproximante da mesma consoante ([j̃]);
- tende-se a usar mais próclises do que ênclises.
- som chiado do S com som de X: como por exemplo nas palavras "mesmo" e "folhas".[3]
A explicação para a composição e a formação desse sotaque é histórica: devido a forte colonização portuguesa na região Norte,[3] em diversas vezes ao longo da história, além de um contato muito forte luso-indígena[13] e a pouca influência linguística de outros povos.[8][14] Sendo um sotaque empregado em quase toda a região amazônica.[8][15] Unido com o dialeto nordestino, formam a base do português brasileiro setentrional.[6]
Variantes
editarSão seis os principais sub-dialetos da amazofonia:
- Cametaês: sub-dialeto utilizado na região da cidade de Cametá, e algumas regiões da Ilha de Marajó;[16]
- Metropolitano amazônico ou dialeto tradicional[10]: falado principalmente nas regiões metropolitanas de Belém e Manaus.[17] Caracterizado principalmente pelo não uso do pronome de tratamento "você", que é substituído por "tu", como por exemplo "tu fizeste" e "tu chegaste", e caracterizado também pela omissão do pronome, como por exemplo "fizeste isso?" e "chegaste bem?".[10]
- Bragantinês: falado nas regiões das cidades de Bragança, Capanema e, Capitão Poço.[18]
- Região sudeste do Pará ou região de Carajás: sub-dialeto da misturas de nordestino, mineiro, capixaba, goiano e, gaúcho.[2]
- Acreanês: sub-dialeto utilizado na zona fronteiriça acreana com a Bolívia, que possui alguma influência do espanhol camba boliviano, do franco-criolo haitiano e, das línguas indígenas; explicitamente, em Brasiléia e Plácido de Castro[19][20]
- Amapaês ou oiapoquês: com mais falantes ao norte do estado, que está sob influência do franco-guianense;[21]
- Roraimês: com influência do espanhol guaianês em função da forte migração venezuelana, sendo a zona de variante mais nova da amazofonia.[22]
Léxicos
editarAlguns termos e expressões, com o respectivo significado:[3][7]
- "Baixa da égua": local distante
- "De bubuia": ficar tranquilo
- "Hum tá cheiroso": de forma alguma
- "Tu é leso, é?": Você tá doido, é?
- Abocorar: ficar acomodado em algum lugar.
- Acocar:: agachar.
- Adubar: colocar muito, quando enche o prato de comida
- Agora lascou-se/Deu busuleta: apareceu um problema
- Aporrinhas: aborrecer.
- Apresentado: atrevido.
- Ardilósa/Taído: pimenta picante, ardída.
- Arredar: afastar-se.
- Arrganhar: abrir demais
- Arremdear/Avacalhar: debochar de uma pessoa.
- Arriado: bem abaixado ou muito doente.
- Baguda: é a farinha de mandioca de grãos (bagos) grossos
- Baixar: descer o rio.
- Bajara: canoa com motor de popa rabeta.
- Barão/Buaido: pessoa rica, com dinheiro.
- Barco-gaiola: embarcação dos rios amazônicos.
- Benjamim: extensão de tomada elétrica.
- Bóia: alimento no prato.
- Bombom: doce.
- Bora logo!: vamos embora depressa
- Boró/dinheiro miúdo: dinheiro trocado ou moedas.
- Breado: suado
- Brocado: fome.
- Bustela: muco/meleca do nariz.
- Caba: marimbondo nativo.
- Carapanã: pernilongo, mosquito.
- Caboquice: algo brega ou interiorano
- Cagribota: cachaça.
- Caixão e vela preta/Levou o farel: morreu
- Canto: esquina.
- Capar o gato: ir embora depressa.
- Caribé: mingau de farinha fina.
- Catita: ratazana e pessoa fofoqueira.
- Chope: raspadinha ou saco com suco congelado / sacolé.
- Chibé: água com farinha de mandioca.
- Cóque: bater na cabeça com os dedos.
- Ralho: chamar a atenção, bronca
- Cuíra: gastura ou impaciência.
- Curuba : ferida coagulada.
- Deu prego/Esbandalhou/Escangalhou: quebrou, parou.
- Descair: soltar linha para elevar a pipa mais alto no céu/ganhar altura.
- Diacho: espanto
- Embrulhar: cobrir com cobertor ou papel.
- Emperiquitado: bem vestido, as vezes de modo exagerado.
- Encarnado: avermelhado.
- Esculhambar/Escrotiar: dar uma bronca.
- Esmgalhar: amassar, desmanchar.
- Espocar: explodir.
- Gita/Gitita: pequena.
- Grafite: carga de lapizeira
- Igarapé: córrego.
- Ilharga: lado e quadris.
- Inháca: fedor.
- Ispía: olhar.
- Jacinta: libélula.
- Jerimum: abóbora.
- Leso/Leseira: faz besteira.
- Mixa: lembranças de alguém que nunca mais apareceu.
- Mucura: gambá nativo.
- Mufino: triste, abatido.
- Muquear: bater.
- Murrinha: preguiça.
- Mutuca: mosca grande
- Onda: confusão.
- Osga: lagartixa pequena.
- PAPA-CHIBÉ: paraense autêntico
- Papagaio: pipa.
- Papudinho: cachaceiro.
- Parrudo: pessoa com ombros largos
- Patetar/Patetice: ficar de bobeira
- Pavulagem: metido
- Pereba: sarna.
- Pirento: alguém acometido de pira ou com baixa qualidade
- Pissica: azar ou torcer contra.
- Pitiú: cheiro típico do peixe.
- Pomba-lesa: pessoa palerma.
- Potóca: mentira.
- Rabióla: pipa de cauda comprida.
- Ralado: difícil, complicado.
- Rapidóla: fazer rapido.
- Sem termo: não possui bons modos
- Sumano: apócope de "seu mano"
- Ta safo!: ok.
- Tapióca/Beju: iguaria.
- Tapurú: larva de mosca.
- Téba: algo é grande.
- TÔ-MA-TE!: bem feito!
- TOPADA: tropeçar, bater o dedo.
- Torado: pessoa forte.
- Toro: chuva forte.
Ver também
editarBibliografia
editar- Martins, Joyce Camila (2018). A nasalização variável de vogais na fala manauara (Dissertação de Mestrado). Manaus: Universidade do Estado do Amazonas. 104 páginas
- Oliveira, Maria Odaisa Espinheiro de (2008). «A terminologia indígena na fala do amazônida.». Informação & Informação (1): 32–47. ISSN 1981-8920. doi:10.5433/1981-8920.2008v13n1p32
- Simas, Ana Augusta de Oliveira (2016). O gerúndio na expressão de tempo futuro na diversidade do português do manauara (Dissertação de Mestrado). Manaus: Universidade do Estado do Amazonas. 126 páginas
Referências
- ↑ «Estimativa populacional para 2019» (PDF). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 28 de agosto de 2019. Consultado em 28 de agosto de 2019
- ↑ a b c d e f g h i Alvarez, Vânia; Cardoso, Joel (3 de junho de 2024). «Literatura Amazônica: estratégias educativas para a formação de leitores». Revista A Palavrada (22). ISSN 2358-0526. Consultado em 27 de novembro de 2024. Resumo divulgativo
- ↑ a b c d e f g h i j PEREIRA, DENISE RODRIGUES; DE OLIVEIRA, JAQUELINE SCARMAGNANI; CARRIEL, LÚCIA MARA; DA COSTA, LÚCIA HELENA LINHARES; DA MOTTA, THIAGO DIAS (2019). Uso da variação sociolinguística (PDF). Col: LICENCIATURA EM LETRAS (PORTUGUÊS E ESPANHOL). [S.l.]: Instituto Federal de São-paulo (IFSP)
- ↑ «Orfandade do trema | Articulista Gisele Leite». Letras Jurídicas. Consultado em 27 de novembro de 2024
- ↑ «Normas» (PDF). www.filologia.org.br. Consultado em 27 de novembro de 2024. Resumo divulgativo
- ↑ a b de Araújo, Ana Paula. «Dialetos brasileiros - Linguística». Portal InfoEscola. Linguística, Português. Consultado em 19 de janeiro de 2017
- ↑ a b c d e «12 dialetos brasileiros que enriquecem a língua portuguesa». Revista da Babbel. Consultado em 21 de novembro de 2024
- ↑ a b c d e Cipro Neto, Pasquale (8 de setembro de 2009). «27º ENAFIT: Curiosidades do Estado do Pará». Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT). 27º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (ENAFIT). Consultado em 19 de janeiro de 2017
- ↑ Fools, The. «Dialetos do Português Brasileiro». The Fools. Consultado em 21 de novembro de 2024
- ↑ a b c d e f g h PLANO ESTADUAL DE SAÚDE DO PARÁ PES-PA 2012 – 2015 -Equipe técnica do Núcleo de Informação em Saúde e Planejamento (Nisplan) (PDF). Belém: SECRETARIA DE ESTADO E SAÚDE PÚBLICA DO PARÁ (Sespa). 2012
- ↑ a b M. C. dos Santos, Bruna Francinetti (2011). «Repetição de nome próprio na família: um velejar pelas águas da lealdade familiar e diferenciação». PUC-SP - Biblioteca Digital Sapientia. Pós-Graduados em Psicologia Clínica. 56 páginas. Consultado em 4 de janeiro de 2017
- ↑ Cipro Neto, Pasquale (26 de agosto de 1999). «Você e tu». Cotidiano - Inculta & bela. Jornal Folha de S.Paulo. Consultado em 19 de janeiro de 2017
- ↑ Pereira, D. R.; Oliveira, J. S.; Carriel, L. M.; Costa, L. H. L.; Mota, T. D. Sociolingúitica. Licenciatura em letras - língua portuguesa e espanhola. Instituto Federal de São Paulo. 2019.
- ↑ «Belém». Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Consultado em 25 de abril de 2015
- ↑ «Variedades da Lingua Portuguesa no Brasil». Centro Universitário Unieuro. Consultado em 27 de dezembro de 2011
- ↑ Letras & Letras, v. 28, nº 1, jan/jun 2012 - Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Letras e Linguística.
- ↑ ARAÚJO, Aluiza Alves de. Rev. de Letras - Vol. 30 - 1/4 - jan. 2010/dez. 2011 - Fortaleza, Universidade Federal do Ceará
- ↑ «Vogais na amazônia paraense». Scielo/Alfa: Revista de Linguística (São José do Rio Preto)
- ↑ Karlberg, Luísa Galvão Lessa. Atlas etnolinguístico do Acre – ALAC: fronteiras léxicas. Rio Branco: Edufac, 2018.
- ↑ [1] - Seringueiros da Amazônia, Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia
- ↑ Professores lançam o Atlas Linguístico do Amapá nesta sexta-feira, dia 4. UFPA. 1 de agosto de 2017.
- ↑ Dialeto roraimense vai ganhar dicionário próprio com expressões típicas. Bom Dia Amazônia – RR. 5 de outubro de 2021.