Andorinha gloriosa
"Andorinha gloriosa" ou "Angelina gloriosa" é um romance do século XVI de origem espanhola, que se disseminou através da tradição oral por todo o mundo ibero-americano, gerando diversas versões utilizadas entre os católicos como orações populares ou esconjuros. O texto constitui uma miscelânea de diferentes temas sacros retirados dos ciclos da Natividade e Paixão de Jesus.
Datação
editarO texto deste esconjuro foi elaborado em Espanha durante a época quinhentista na forma de romance. Contudo, a mais antiga versão conhecida, escrita em castelhano, surge apenas num manuscrito datado de 1609, chamado Cancioneiro de Lazarraga, registado pela mão do basco Martin López Vicuña.[1] A forma e conteúdo do texto indicam que se trata de uma oração de origem popular, semelhante a muitas outras que foram sucessivamente proibidas pelos índices expurgatórios.[2]
É provável que “Angelina gloriosa” tenha sido transmitido a Portugal ainda no século XVI e tenha chegado ao Brasil com os primeiros colonos portugueses.[3] A adaptação portuguesa da oração era já “famosa” em 1646, ano em que Francisco Manuel de Melo a refere brevemente na sua farsa “O Fidalgo Aprendiz”. Na cena em questão, após o pedido de “uma letra nova” pela personagem Brites, Gil Cogominho canta o início dos romances “La Infantina”, “Gavião, gavião branco” e, por fim, “Andorinha gloriosa”:[4]
Brites. | Sabeis alguma ao divino? | |
Gil. | Sei. | |
Brites. | Dizei. | |
Gil. | Pois é famosa: | |
«Andorinha gloriosa…» | ||
— O Fidalgo Aprendiz[4] |
Texto
editarO texto deste esconjuro é uma miscelânea de diferentes temas religiosos sem evidente conexão, retirados da iconografia tradicional cristã dos ciclos da Natividade e da Paixão de Jesus Cristo.[1]
O protagonista é o Arcanjo Gabriel que, após o nascimento de Jesus, desce à terra para anunciar aos pastores o nascimento do seu Salvador (vide Anunciação aos Pastores). Na versão portuguesa proveniente da Figueira da Foz, Gabriel indica-lhes a figura de Santa Maria que se encontra a ler uma oração do seu livro, uma descrição que remete para a iconografia típica da Anunciação, segundo a qual a Virgem Maria é surpreendida por Gabriel enquanto orava com um livro (um dos livros do Antigo Testamento ou um livro de horas). Após estes versos iniciais fundamentais as versões divergem completamente. A versão do Cancioneiro de Lazarraga apresenta uma oração com referências à peregrinação. A versão lusa também era incorporada numa “Oração do Peregrino” segundo Leite de Vasconcelos;[5] contudo, continua com um outro romance chamado “Cristo menino oferece-se no sacrifício da missa”.
Versão do Cancioneiro de Lazarraga (1609) |
Versão da Madeira (1880) |
Versão da Figueira da Foz (1884) |
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"Angelina gloriosa" | "Angelina gloriosa" | "Andorinha gloriosa" |
Angelina gloriosa, |
Angelina gloriosa |
Andorinha gloriosa |
Vi o anjo Gabriel |
Veio o anjo Gabriel | |
Su coraçón vendito, |
Eu vi também os Reis Magos |
"Cristo niño se ofrece en el sacrificio de la misa" Oração do peregrino, |
A versão figueirense acrescenta ainda uma espécie de epílogo: “Quem esta oração disser de dia a dia, poderá ter certo que lhe há de aparecer a Virgem Maria. Ela lhe dirá: “Confessa-te pecador que te há de vir buscar Deus Nosso Senhor para a Santa Glória!” Amém!”.[5]
Música
editarNa peça "O Fidalgo Aprendiz" de Francisco Manuel de Melo existem indicações para que o incipit de "Andorinha gloriosa" fosse cantado pelo ator. Contudo a música com que seria interpretada originalmente é hoje desconhecida.
Uma melodia tradicional proveniente da Figueira da Foz foi recolhida pelo etnomusicólogo português Pedro Fernandes Tomás em 1884 e publicada nas suas Velhas Canções e Romances Populares Portugueses (1913).[5] Esta foi harmonizada por Fernando Lopes-Graça (como "Romance da Andorinha Gloriosa")[4] e por Simão Barreto.[7]
Ver também
editarReferências
- ↑ a b Jesús Antonio Cid (16 de novembro de 2011). Lo Popular en el Cancionero de Lazarraga. Col: 1 (em espanhol). [S.l.]: Instituto Menéndez Pidal - Universidade Complutense. Consultado em 11 de julho de 2015
- ↑ Braga, Teófilo (1902). História da Poesia Popular Portuguesa. Lisboa: Editora de Manuel Gomes. p. 467
- ↑ Neves, Guilherme Santos (2 de abril de 1963). «Gloriosa Angelina». Vitória. A Gazeta
- ↑ a b c d e Juan Perez Lazarraga (2012). Lazarraga eskuizkribua: edizioa eta azterketa: Angelina gloriosa... (PDF). Col: 2.0 (em basco). [S.l.]: UPV/EHU. Consultado em 11 de julho de 2015
- ↑ a b c d e Tomás, Pedro Fernandes (1913). Velhas Canções e Romances Populares Portuguêses 1 ed. Coimbra: F. França Amado, Editor. p. 84
- ↑ a b Azevedo, Álvaro Rodrigues de (1880). Romanceiro do Arquipélago da Madeira 1 ed. Funchal: Typ. da «Voz do Povo»
- ↑ «Obra coral de Simão Barreto I». Fonoteca. 1999
Ligações externas
editar- «Página de "Andorinha gloriosa"». no Lieder Projekt, com partitura, audios e ilustração.
- (em basco) Fac-símile do poema tal como aparece no Cancioneiro de Lazarraga.
- «Interpretação do "Romance da Andorinha Gloriosa" (Lopes-Graça)». gravada pelo Grupo Coral de Queluz.