Antropologia da religião
A Antropologia da Religião envolve o estudo das instituições religiosas em relação a outras instituições sociais, e da comparação de crenças e práticas religiosas em diferentes culturas.
Perspectivas
editarNo século XIX, a Antropologia era dominada por um interesse na evolução cultural; a maioria dos antropólogos assumiu uma distinção simples entre religião considerada "primitiva" e "moderna" e tentou fornecer relatos de como a primeira evoluiu para a segunda.[1][2] No século XX, a maioria dos antropólogos rejeitou essa abordagem.[3][2]
Hoje, a Antropologia da Religião reflete a influência ou o envolvimento de teóricos como Karl Marx, Sigmund Freud, Émile Durkheim, Max Weber, Marcel Mauss, Victor Turner, Clifford Geertz e Talal Asad, dentre outros.[4]
A religião para a Antropologia Evolucionista
editarOs antropólogos evolucionistas postulavam que certas práticas e crenças religiosas eram universais a todas as culturas. Todas as sociedades, em algum momento do seu desenvolvimento, teriam desenvolvido a crença em espíritos ou fantasmas, ou teriam feito uso de magia como um meio de controlar o supernatural; teriam também feito o uso de adivinhação como um meio de descobrir conhecimento oculto; ou ainda, buscariam os resultados de rituais tal como oração e sacrifício como um meio de influenciar o resultado de vários eventos através de uma agência sobrenatural, às vezes sob a forma de xamanismo ou culto aos antepassados.[4]
Por situar-se no entrecruzamento de dois fenômenos caros às sociedades ocidentais, a ciência e a religião, a magia foi uma das primeiras e mais fecundas questões teóricas da Antropologia.[5][2] A primeira teorização da magia na antropologia – feita pela Escola Evolucionista – a concebeu como um estágio anterior à ciência, pelo qual todas as sociedades deveriam passar. James Frazer considerava a magia uma forma de ciência, pelo fato dela pretender agir sobre a natureza; contudo, por oferecer apenas explicações parciais, ela a considerava uma protociência.[6] Para chegar ao estatuto de verdadeira ciência, a magia deveria, antes, transformar-se em religião.[6] Para sustentar esta hipótese, Frazer partiu do princípio de que a magia sustentar-se-ia no temor pelo desconhecido e inexplicável, a religião ensinaria a veneração e a ciência demonstraria o amor à verdade.[6]
Frazer elaborou uma teoria geral da magia para as sociedades primitivas, segundo a qual ela seria regida por dois princípios, o da similaridade e o do contato, que governariam as associações de ideias no espírito humano. A partir destes dois princípios Frazer classificou a magia em dois tipos, a magia imitativa – regida pela lei da similaridade - e a magia contagiosa – regida pela lei do contato.[6] Da mesma forma que Edward Tylor, Frazer concebeu a magia como uma associação de ideias errôneas e, por este motivo, a classificou como “simpática”, ou seja, como algo que estabelece entre as coisas relações que não existem.
A religião para Durkheim: As Formas Elementares da Vida Religiosa
editarEm 1912 Émile Durkheim publicou o livro As Formas Elementares da Vida Religiosa. Baseado no trabalho de Feuerbach, o sociólogo considerou a religião "uma projeção dos valores sociais da sociedade", "um meio de fazer afirmações simbólicas sobre a sociedade", "uma linguagem simbólica que faz afirmações sobre a ordem social"; em suma, "religião é sociedade que se cultua a si mesma".[7]
Geertz e a abordagem hermenêutica da religião
editarClifford Geertz buscou compreender a religião como fato cultural.[8] O antropólogo norte-americano compreendia a cultura como um sistema de códigos simbólicos, construídos pelo próprio processo de desenvolvimento social e decodificados pelos membros que vivem neste sistema (tendo em vista que "a cultura é pública porque seu significado o é".[9] O homem, segundo Geertz, é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo ajudou a tecer. Se cultura é uma teia de significados, mediada por símbolos, portanto a religião é um sistema de símbolos.
Geertz investigou como os símbolos adequam as ações humanas à ordem cósmica, à visão de mundo descrita pela religião.[10] A religião seria a instância que ajustaria as ações humanas a esta ordem cósmica, projetando esta ordem nas próprias ações. O ritual, por sua vez, era compreendido por Geertz como um comportamento consagrado, que reforça a ideia de que as concepções religiosas são verdadeiras e as ações propostas, corretas. É no ritual que acontece a “transformação idiossincrática”, a “fusão simbólica” entre o ethos e a visão de mundo.
De acordo com Clifford Geertz, religião é "(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderoso, penetrante, e modos de longa duração e motivações nos homens por (3) formulação de concepções de ordem geral da existência e (4) vestindo essas concepções com tal aura de factualidade que (5) os humores e motivações parecem singularmente realistas" (Geertz 1966).[8]
A religião como uma categoria antropológica
editarTalal Asad discute a elaboração de teorias que afirmam a especificidade da religião frente a outras esferas sociais. De acordo com o autor, muitas das teorias sobre religião partem de um modelo ocidental moderno, o qual imprime à religião um caráter trans-histórico e transcultural.[11][12] Seu argumento é que “não pode haver uma definição universal de religião, não apenas porque seus elementos constituintes e suas relações são historicamente específicos, mas porque esta definição é ela mesma o produto histórico de processos discursivos".[11]
Neste sentido, o autor propõe que a antropologia da religião assuma como sua tarefa principal a explicitação das condições sociais de produção da religião, descrevendo e analisando os processos sociais que configuram o que é religioso em cada sociedade, ao invés de supor a existência de critérios cognitivos e universais capazes de determinar o que é a religião.[11] Para isso, os antropólogos devem lançar mão da comparação como estratégia metodológica para demonstrar como as religiões são produtos de configurações sociais específicas.[12]
Outras perspectivas tipológicas
editarAnthony F.C. Wallace propõe quatro categorias de religião.[13] Essas são, no entanto, categorias sintéticas e não abrangem necessariamente todas as religiões:
- Individualista: Exemplo: busca da visão.
- Xamanístico: Praticante religioso em tempo parcial, usa a religião para curar, para adivinhar, geralmente em nome de um cliente. Os Tillamook têm quatro categorias de xamã. Exemplos de xamãs: espiritualistas, curadores da fé, leitores da palma da mão. Aquele que adquiriu autoridade religiosa através dos seus próprios meios.
- Comunal: elaborado conjunto de crenças e práticas; grupo de pessoas dispostas em clãs por linhagem, faixa etária ou algumas sociedades religiosas; as pessoas assumem papéis baseados no conhecimento e no culto ancestral.
- Eclesiástico: Incorpora elementos dos três anteriores.
Práticas e crenças religiosas específicas
editar- Amuleto
- Animismo
- Apoteose
- Apotropismo
- Astrologia
- Autoridade
- Culto
- Culto dos mortos
- Daemon
- Demónio
- Deus
- Deusa
- Dor
- Esoterismo
- Exorcismo
- Êxtase religioso
- Fantasma
- Fertilidade
- Fetiche
- Gênio
- Heresia
- Ícone
- Imortalidade
- Intercessão
- Magia
- Magia simpática
- Maldade
- Maldição
- Mana
- Maná
- Máscara
- Medicina
- Milagre
- Mito
- Monoteísmo
- Necromancia
- Nova Era
- Ocultismo
- Oferenda
- Oração
- Peregrinação
- Politeísmo
- Presságio
- Profecia
- Religião de mistérios
- Renascimento
- Ritual
- Salvação
- Sacrifício
- Sobrenatural
- Súplica
- Talismã
- Tarô
- Teísmo
- Totem
- Xamanismo
Ver também
editarNota
editarEste artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em inglês, cujo título é «Anthropology of religion».
Referências
editar- ↑ EVANS-PRITCHARD, Edward (1978). Antropologia Social da Religião. Rio de Janeiro: Campus
- ↑ a b c TAMBIAH, Stanley (1990). Magic, Science, and the Scope of the Rationality. Cambridge: Cambridge University Press
- ↑ CANTÓN DELGADO, Manuela (2001). La Razón Hechizada – Teorías Antropológicas de la Religión. Barcelona: Ariel Antropología
- ↑ a b PALS, Daniel (2019). Nove Teorias da Religião. Petrópolis: Vozes
- ↑ MALINOWSKI, Bronislaw (1984). Magia, Ciência e Religião. Lisboa: Edições 70
- ↑ a b c d FRAZER, James (1991). O Ramo de Ouro. Rio de Janeiro: Guanabara
- ↑ DURKHEIM, Émile (1996). As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes
- ↑ a b C. Geertz, "Religião como Sistema Cultural," em Anthropological Approaches to the Study of Religion , ed. M. Banton (Londres: Tavistock, 1966): 1-46
- ↑ GEERTZ, Cliford (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. pp. p. 22
- ↑ GEERTZ, Clifford (2001). Nova Luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Zahar
- ↑ a b c ASAD, Talal (2010). «A construção da religião como uma categoria antropológica». Cadernos de Campo (19): 264. Consultado em 20 de janeiro de 2020
- ↑ a b ASAD, Talal (2003). Formations of the secular modern: Christianity, Islam, Modernity. Stanford: Stanford University Press
- ↑ «Four Categories of Religion»
Bibliografia
editar- ASAD, Talal. Formations of the secular modern: Christianity, Islam, Modernity. Stanford, California: Stanford University Press, 2003.269 p. ISBN 978-0804747684
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- TURNER, Victor. Dramas Sociais e Metáforas Rituais; Peregrinações como Processos Sociais; Passagens, Margens e Pobreza: Símbolos Religiosos na Communitas. In: Dramas, Campos e Metáforas - Ação Simbólica na Sociedade Humana. Niterói: EDUFF, 2008. 278 p. ISBN 978-8522804191
- VAN GENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Vozes, 2011. 168 p. ISBN 978-8532640826
- WEBER, Max. Rejeições Religiosas do Mundo e suas Direções. In: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1999. 340 p. ISBN 978-8521613213
Ligações externas
editar- «Associação de Cientistas Sociais da Religião do Mercosul (ACSRM)»
- «Antropologia das Religiões»
- Homepage of The Society for the Anthropology of Religion within The American Anthropological Association
- «Anthropology of Religion Page» M.D. Murphy, University of Alabama
- «anpere (Anthropological Perspectives on Religion)»
- Andrew Lang, Anthropology and Religion, The Making of Religion, (Chapter II), Longmans, Green, and C°, London, New York and Bombay, 1900, pp. 39-64.
- ISER - Instituto de Estudos da Religião
- «Anthropology of the African Pygmies religion»