O Appendix Probi ("Apêndice de Probo") é o nome convencional para uma série de cinco documentos que se acredita terem sido copiados no século VII ou VIII em Bobbio, Itália.[1] O seu nome deriva do fato de os documentos terem sido encontrados anexados a uma cópia do Instituta Artium, um tratado que recebeu o nome (mas provavelmente não foi escrito por) do gramático do primeiro século, Marco Valério Probo.[2]

Fotocópia de 1892 do Apêndice

O Apêndice compila os erros mais frequentes na fala latina da época, opondo-os às formas corretas do latim clássico (embora, às vezes, o autor confunda-se e considere incorrecta a forma clássica). O texto foi encontrado num palimpsesto do século VIII[3] intitulado Instituta artium, também conhecido como Ars vaticana por ter sido encontrado na biblioteca do Vaticano.

Foi especificamente o terceiro dos cinco documentos que atraiu a atenção acadêmica, pois contém uma lista de 227 erros de ortografia, juntamente com suas correções, que lançam luz sobre as mudanças fonológicas e gramaticais que o vernáculo local estava desenvolvendo nos estágios iniciais de seu desenvolvimento para linguas românicas, sobretudo a sua semalhança com o italiano. Portanto, é uma obra prescritivista.

Para compreender que exista um texto como o Appendix Probi é preciso considerar que os romanos viviam em situação de diglossia: a língua do dia-a-dia não era o latim clássico (utilizado nos textos literários), senão uma forma distinta, ainda que próxima, chamada de sermo plebeius ("discurso plebeu"). O latim clássico era falado pelas classes sociais elevadas, enquanto que o sermo plebeius era a língua do povo comum, os comerciantes e os soldados. Sem possibilidade de aceder ao status de língua literária, o latim vulgar é por nós conhecido sobretudo graças aos estudos de fonética histórica, às citações e críticas pronunciadas pelos falantes do latim literário, assim como por meio de numerosas inscrições, registros, contos e outros textos correntes. De modo similar, o Satíricon de Petrônio, uma espécie de "romance" escrito provavelmente no primeiro século da era cristã, é um testemunho importante desta diglossia: segundo a sua categoria social, as personagens expressam-se numa língua mais ou menos próxima ao arquétipo clássico.

O texto sobrevive apenas num manuscrito danificado por água, transcrito descuidadamente, do século VII ou VIII,[4] que se encontra na Biblioteca Nazionale Vittorio Emanuele III[5] como MS Lat. 1 (anteriormente Vindobonensis 17).

Fenômenos visíveis nos erros ortográficos

editar

Observe que o formato é "[grafia correta] non [grafia incorreta]".[6] As abreviações dos escribas foram expandidas.

Desenvolvimento de aproximante palatal a partir de vogais anteriores em hiato

editar

Mudança de /ŭ/ para [o]

editar

Redução do pretônico /au̯/ a [o]

editar

Perda do /m/ final

editar

Perda de /h/

editar

Redução de /-ns-/ para /-s-/

editar

Perda do /β/ intervocálico antes de uma vogal posterior

editar

Confusão de /b/ e /β/

editar

Confusão entre não-geminados e geminados

editar

Eliminação de substantivos imparissilábicos

editar

Adaptação de adjetivos de 3ª declinação para 1ª classe

editar

Adaptação de substantivos de 4ª declinação femininos a 1ª decl

editar

Adaptação da 3ª/4ª decl. femininas a 1ª decl. via sufixo diminutivo

editar

Adaptação do plural neutro à primeira declinação

editar

Eliminação do ablativo

editar

Alteração de nominativo -es (na terceira declinação) para -is

editar

Redução das terminações -es e -is para -s

editar

Perda da flexão masculina -us

editar

Ver também

editar

Referências

  1. Quirk 2006
  2. Powell 2007: §1
  3. «Os Appendix Probi da língua portuguesa. António da Costa Pereira. Universidade do Minho». Consultado em 8 de novembro de 2009. Arquivado do original em 23 de novembro de 2009 
  4. Rohlfs 1969: 16
  5. Quirk 2006
  6. Elcock 1960: 28–34

Fontes

editar
  • Barnett, F. J. 2007. The sources of the "Appendix Probi": A new approach. The Classical Quarterly 57(2). 701–736. doi:10.1017/s000983880700064x.
  • Elcock, William Dennis. 1960. The Romance Languages. London: Faber & Faber.
  • Rohfls, Gerhard. 1969. Sermo Vulgaris Latinus: Vulgarlateinisches Lesebuch. 2nd edn. Tübingen: Max Niemeyer Verlag.
  • Leppänen, V., & Alho, T. 2018. On The Mergers Of Latin Close-Mid Vowels. Transactions of the Philological Society. doi:10.1111/1467-968x.12130
  • Powell, Jonathan G. F. 2007. A new text of the "Appendix Probi". The Classical Quarterly 57(2). 687–700. doi:10.1017/S0009838807000638.
  • Quirk, Ronald J. 2005. The “Appendix Probi” as a compendium of Popular Latin: Description and bibliography. The Classical World 98(4). 397–409. doi:10.2307/4352974
  • Quirk, Ronald J. 2006. The Appendix Probi: A scholar's guide to text and context. Newark: Juan de la Cuesta.
  • Quirk, Ronald J. 2017. Hypercorrection in the Appendix Probi. Philologus 161(2). 350–353. doi:10.1515/phil-2016-0119

Ligações externas

editar