Ascensão das igrejas evangélicas na América Latina

A ascensão das igrejas evangélicas na América Latina se refere ao ativismo e à influência política crescentes da comunidade evangélica na região.[1][2][3] O fenômeno está associado a uma mais ampla onda conservadora que se espraiou pelo continente na década de 2010.

Igreja evangélica no Brasil.

De início marginal, o movimento chamou a atenção da imprensa e de diversos analistas políticos devido à crescente influência que tal comunidade exercia e ao seu impacto na política eleitoral, tendo inclusive ajudado candidatos conservadores a vencerem eleições.[2][4][5]

O movimento é geralmente caracterizado por seu firme conservadorismo cultural, com uma forte oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, direitos LGBT, legalização do aborto, liberação das drogas, "ideologia de gênero", políticas identitárias, controle da posse de armas e ao globalismo.[2][5]

Alguns movimentos evangélicos foram também descritos como apoiadores da pena de morte, do criacionismo (em oposição ao ensino da teoria da evolução e do Big Bang nas escolas),[6][7] de punições corporais para crianças, de leis mais duras contra delinquentes juvenis e de mais severidade no combate à criminalidade de modo geral.[8] Os oponentes mais críticos do movimento acusam-nos de terem ideias direitistas, fundamentalistas, teocráticas, antidemocráticas e autoritárias, querendo substituir a democracia por uma teocracia.[9][10]

A Igreja Católica na América Latina tende a estar mais alinhada à esquerda no campo da economia[11][12] devido aos ensinamentos tradicionais de sua doutrina social e da democracia cristã.[5] As igrejas evangélicas, ao contrário, pertencem majoritariamente à denominação neopentecostal, portanto, creem na teologia da prosperidade, o que justifica a maior parte de suas ideias economicamente liberais.[5]

História

editar

Grupos missionários protestantes, principalmente do Movimento Carismático, originários do Sul Profundo dos Estados Unidos, foram introduzidos deliberadamente como uma estratégia de Washington, particularmente durante as administrações republicanas, como uma forma de reduzir a influência dos movimentos sociais católicos romanos de esquerda, como a teologia da libertação (que era popular entre muitos partidos políticos de extrema esquerda e guerrilhas) e os partidos socialistas cristãos e democratas cristãos mais moderados.[13][14] O arcebispo guatemalteco Próspero Penados também culpou os EUA por encorajar e patrocinar o evangelicalismo na Guatemala, segundo ele, por razões mais políticas do que religiosas, argumentando que: "A difusão do protestantismo na Guatemala é mais parte de uma estratégia econômica e política" para se opor à doutrina católica de justiça social ".[15] Entretanto, alguns católicos conservadores culparam a prevalência generalizada da teologia da libertação entre o clero na América Latina pelo êxodo de crentes para o protestantismo evangélico e criticaram os proponentes da teologia da libertação pela falta de foco em Jesus Cristo em favor da doutrina social de esquerda.[16][17]

Nas últimas décadas, a Igreja Católica sofreu uma perda de seguidores, alguns dos quais se tornaram irreligiosos, agnósticos ou ateus. Alguns também foram para outras religiões alternativas, como o budismo, o islamismo e novos movimentos religiosos ; mas um grande segmento de ex-católicos, particularmente aqueles de origens mais humildes e classes mais baixas, foram para as igrejas evangélicas, com movimentos neopentecostais e carismáticos se mostrando populares entre os convertidos.[18] O pentecostalismo também se popularizou entre as classes de menor renda e os setores mais abandonados da sociedade, especialmente aqueles de áreas muito pobres e periféricas, que veem as ideias das Igrejas de crescimento econômico por meio da fé como uma oportunidade de mobilidade social.[18] Em todo o caso, o crescimento dos evangélicos foi rapidamente seguido pelo seu recém-descoberto peso político e eleitoral, com novas formas de activismo político e até mesmo a criação de partidos políticos específicos ligados às suas comunidades.[19] O ditador guatemalteco Efraín Ríos Montt foi um dos primeiros cristãos evangélicos a chegar ao poder na história da América Latina.[19][20]

Alguns exemplos desses movimentos incluem o apoio da comunidade cristã evangélica a Jimmy Morales (ele próprio um evangélico) na Guatemala,[21] Juan Orlando Hernández em Honduras,[21] Mauricio Macri na Argentina, Sebastián Piñera no Chile.[22] A oposição evangélica no referendo do acordo de paz colombiano é considerada por muitos fundamental na sua rejeição, [23] assim como o apoio dos partidos evangélicos ao impeachment de Dilma Rousseff no Brasil. Os países com notórios candidatos conservadores de direita apoiados por evangélicos incluem a Venezuela, onde o pastor Javier Bertucci foi o terceiro candidato mais votado, a Costa Rica, onde o pregador e cantor gospel Fabricio Alvarado foi para o segundo turno eleitoral[21] e o Brasil, onde os cristãos evangélicos foram fundamentais no triunfo de Jair Bolsonaro.[21][24][25][26]

Contudo, em alguns países a aliança foi com a esquerda. A Organização Renovação Autêntica é um partido político evangélico venezuelano e membro do Grande Pólo Patriótico oficial do presidente Nicolás Maduro. Daniel Ortega também foi apoiado por pastores evangélicos na Nicarágua[27] e sua esposa e vice-presidente Rosario Murillo tem ligações com os evangélicos.[28] O Partido do Encontro Social no México também está extraoficialmente ligado à comunidade evangélica mexicana (já que a Constituição mexicana proíbe a existência de partidos confessionais) e é membro da coligação Juntos Haremos Historia que apoiou o esquerdista Andrés Manuel López Obrador,[29] um movimento que gerou críticas por ser uma coligação com dois partidos de esquerda.[30]

Diferenças com a outros monoteísmos

editar
  • Conservadorismo social: Apesar de a Igreja Católica ser contra o aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo, os católicos na América Latina tendem a ser menos conservadores que os protestantes (entre eles os evangélicos) nesse tipo de questões sociais. [31]
  • Evolução: Católicos no continente têm uma receptividade maior à teoria da evolução do que protestantes.[32][33]
  • Liberalismo econômico: Católicos também tendem a ser mais progressistas no campo da economia, tendo uma tradição de apoiar governos mais à esquerda e o estado de bem-estar social em graus variados, desde a teologia da libertação, de extrema-esquerda, até os mais moderados socialismo cristão e democracia cristã[11][12][5] Evangélicos, ao contrário, tendem a ser fortemente anticomunistas e a favor da economia liberal[5][11][12]
  • Classe social: Na América Latina, a maioria dos neopentecostais e outros evangélicos são da classe trabalhadora e grupos de menor renda, enquanto o catolicismo ainda é prevalente entre as classes médias e altas e entre profissionais e a elite política.[31]
  • Sionismo cristão: A posição católica em relação ao conflito árabe-israelense pode variar enormemente. Porém, apesar de fortes apoiadores de Israel não serem incomuns entre católicos, o antissionismo é também prevalente, tanto na extrema-esquerda (especialmente católicos da teologia da libertação) e a extrema-direita (católicos tradicionalistas,[34] sedevacantistas,[35] entre outros). A Santa Sé tem sua representação diplomática no Estado de Israel em Tel Aviv ao mesmo tempo em que reconhece o Estado da Palestina, defendendo a coexistência de ambos.[36][37] Por isso, muitos católicos centristas seguem essa linha. De outro lado, os evangélicos tendem a ser majoritariamente pró-Israel e apoiam reconhecer Jerusalém como sua capital.[2]
  • Diferenças com católicos espíritas. A maioria dos espíritas de classe média priorizam o assistencialismo à justiça social, são mais neutralistas em disputas burocráticas e recomendam aconselhamento psicológico aos seus adversários políticos.[38] Apesar disso existe uma esquerda irredutível que defende o espiritismo, a sua teologia baseada na ciência social, criticam parcialmente a doutrina da predestinação, defendem os direitos humanos e a autoridade médica diante de pandemia.[39]
  • Relação com o islamismo: O Islã na América Latina está dividido sobre governos conservadores, peculiarmente no Brasil, principalmente na periferia onde existe uma forte e influente minoria contra o Estado policial e pautas conservadoras apoiadas por outros seguimentos desta fé onde o único consenso é a rejeição a Israel, ao contrário dos evangélicos que são mais pró-Trump e pró-Bolsonaro.[40]

Ver também

editar

Referências

  1. Allen, John (18 de agosto de 2006). «The dramatic growth of evangelicals in Latin America». National Catholic. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  2. a b c d Pointu, Tupac (6 de outubro de 2018). «Evangelicals wield voting power across Latin America, including Brazil». The Times of Israel. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  3. Puglie, Frederic (19 de fevereiro de 2018). «Evangelicals' newfound political clout in Latin America unnerves politicians, Catholic Church». Washington Times. Consultado em 25 de março de 2019 
  4. Corrales, Javier (17 de janeiro de 2018). «A Perfect Marriage: Evangelicals and Conservatives in Latin America». The New York Times. Consultado em 2 de junho de 2018 
  5. a b c d e f Lissardy, Gerardo. «"La fuerza política más nueva": cómo los evangélicos emergen en el mapa de poder en América Latina». BBC. Consultado em 2 de junho de 2018 
  6. Brateman, Paul (novembro de 2013). «Rebutting Creationism in Brazil». paulbraterman.wordpress.com. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  7. Lazacano, Antonio (16 de março de 2016). «Evolution in Mexico». ncse.com. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  8. Polimédio, Chayenne (24 de janeiro de 2018). «The Rise of the Brazilian Evangelicals». The Atlantic. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  9. Freston, Paul (2004). «Evangelical protestantism and democratization in contemporary Latin America and Asia». Democratization. 11 (4): 21–41. doi:10.1080/1351034042000234512 
  10. Smith, Dennis (29 de maio de 2015). «Changing religious landscapes and political communication in Latin America». WACC. Consultado em 1 de novembro de 2018. One additional comment about the political theology often embraced by these groups is needed. In the 1980s, a new movement known as Dominion Theology or the Reconstructionist Movement surfaced among conservative Evangelicals. This group interpreted the Bible – especially the Old Testament – as commanding believers “to restore” each nation according to theocratic principles and to promote Evangelical moral paradigms. Reconstructionists affirm an eschatological and political vision founded on the belief that Christians were destined to govern the world. Many prominent Evangelical politicians in Latin America have embraced this ideology. They seek to bring others to their faith not only because of their propensity for proselytism but also because of their conviction that, once a nation reaches a critical mass of believers, the Spirit will pour out God’s justice and prosperity upon the population (Smith & Campos, 2012). Undoubtedly, this ideology is present, in one form or another, in other contexts and people need to be aware of its presence. It is worth noting that nowhere that the Reconstructionists have held power or influence – in Guatemala, Brazil, Nicaragua, El Salvador or Peru, for example – have they been able successfully to model sound public governance nor successfully resolve such issues as systemic corruption and violence. But they are present, they have money, and they often have access to media and to opinion leaders. 
  11. a b c Young, Julia (31 de março de 2013). «The Church in Latin America». Commonweal Magazine. Consultado em 2 de junho de 2018 
  12. a b c «Christianity and Conflict in Latin America». Pew Research Center. 6 de abril de 2006. Consultado em 2 de junho de 2018 
  13. Sabanes Plou, Dafne. «Ecumenical history of Latin America». Overcoming Violence. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  14. Arsenault, Chris (26 Mar 2012). «Evangelicals rise in Latin America». Al Jazeera. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  15. Keeley, Theresa (October 2015). «Medellín Is "Fantastic": Drafts of the 1969 Rockefeller Report on the Catholic Church». The Catholic Historical Review. 101 (4): 809–834. doi:10.1353/cat.2015.0216. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  16. Campos Lima, Eduardo (13 January 2020). «Leonardo Boff in twitter war on liberation theology with Brazilian foreign minister». Crux. Consultado em 19 January 2022  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  17. Musa Cavallari, Marcelo (17 August 2023). «Former liberation theologian says movement fueled decline of Catholicism in Brazil». Catholic News Agency. Consultado em 18 August 2023  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  18. a b «Religion in Latin America». Pew Research Center. 13 November 2014. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  19. a b Davis, Joseph (1991). «Evangelical Growth and Politics in Latin America». First Thing. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  20. Severo, Julio (10 de janeiro de 2018). «The Religious War between CIA and KGB in Latin America». Consultado em 1 November 2018. Arquivado do original em 28 August 2018  Verifique data em: |acessodata=, |arquivodata= (ajuda)
  21. a b c d Lissardy, Gerardo (17 April 2018). «"La fuerza política más nueva": cómo los evangélicos emergen en el mapa de poder en América Latina». BBC. Consultado em 2 June 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  22. «Macri hace un guiño a los evangélicos y los exime de registrarse en la IGJ». La Política Online. 2016. Consultado em 2 June 2018  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  23. Cosoy, Natalio (5 October 2016). «El rol de las iglesias cristianas evangélicas en la victoria del "No" en el plebiscito de Colombia». BBC. Consultado em 2 June 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  24. Schipani, Andres; Leahy, Joe (19 October 2018). «Jair Bolsonaro courts Brazil's evangelical Christians». Financial Times. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  25. Warren, Steven (29 October 2018). «How Evangelical Christians Helped Elect Brazil's New President». CBN. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  26. Polimédio, Chayenne (24 January 2018). «The Rise of the Brazilian Evangelicals». The Atlantic. Consultado em 1 November 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  27. Ortega Ramírez, Pedro (4 August 2016). «Iglesias evangélicas respaldan candidatura a la vicepresidencia de la compañera Rosario Murillo». 19 Digital. Consultado em 2 June 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  28. Ducca, Isabel (1 May 2018). «¿Habrá algo que una a Daniel Ortega con Rony Chaves y Fabricio Alvarado? II». El País. Consultado em 2 June 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  29. Lissardy, Gerardo (17 April 2018). «"La fuerza política más nueva": cómo los evangélicos emergen en el mapa de poder en América Latina». BBC. Consultado em 2 June 2018  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  30. Camhaji, Elías (13 December 2017). «López Obrador se alía con el conservador Encuentro Social para las elecciones de 2018». El País. Consultado em 13 December 2017  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  31. a b «Religion in Latin America». Pew Research Center. 13 de novembro de 2014. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  32. «Religion in Latin America -Chapter 8: Religion and Science». Pew Research Center. 13 de novembro de 2014. Across the region, Catholics, Protestants and people who are not affiliated with any religion generally have similar views on whether there is a conflict between faith and science. But Protestants are less accepting of evolution than are Catholics or the religiously unaffiliated. 
  33. Morales, Manuel (28 de julho de 2015). «Evolution and Christianity in Latin America: Context, History and Challenge». The BioLogos Foundation. Considering that the Latin American social imaginary does not generally include science, and Christians generally do not reflect systematically on science and religion, how we can explain their acceptance of evolution? A possible answer could be uncomfortable for Christians who try to build fruitful initiatives to discuss these issues: many Roman Catholics, who belong to a centralized religion—and who are very devoted to this religious tradition in Latin America—basically follow whatever their church officially establishes at the Vatican, which accepts evolution. On the other hand, many Protestants who accept evolution do so mainly as a reaction to evangelical fundamentalism—which has generally been seen as contrary to evolution— but not as a consequence of taking science seriously in their reflections about faith and natural world. Unfortunately, this makes sense given the uses and abuses of science among Protestants in Latin America. Many Latin American Protestants are suspicious of any attempt to generate dialogue between science and faith, or they are just apathetic about these issues. But what is more problematic is that among Protestants interested in science, it is often for apologetic and opportunistic purposes, rather than as a way to generate an honest discussions about big questions or to re-examine their worldview in the context of science. 
  34. Berich, Heidy. «Radical Traditionalist Catholics Spew Anti-Semitic Hate, Commit Violence Against Jews». Southern Poverty Law Center. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  35. «Zionism». Catholic Scripture. 10 de agosto de 2017. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  36. «Israel, Palestine needs two-state solution, Pope Francis says in Christmas message». ABC. 25 de dezembro de 2017. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  37. «Middle East: Holy See Affirms Two-State Solution in Palestine». Zenit. 22 de outubro de 2018. Consultado em 1 de novembro de 2018 
  38. Cláudia Laurindo, Ana (7 de agosto de 2018). «Texto aos espíritas eleitores de Bolsonaro». Reporter Nordeste. Consultado em 1 de novembro de 2020 
  39. Félix, Franklin (26 de maio de 2020). «Manifesto de espíritas progressistas pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão». CartaCapital. Consultado em 1 de novembro de 2020 
  40. «Apoio a Bolsonaro divide comunidade islâmica no Brasil». Folha de S.Paulo. 13 de novembro de 2018. Consultado em 1 de novembro de 2020