Bicudo-verdadeiro
O bicudo-verdadeiro[3] ou bicudo-preto (nome científico: Sporophila maximiliani), por vezes chamado apenas de bicudo, é uma ave passeriforme da família dos traupídeos (Thraupidae)[4] de ampla distribuição, do sul da América Central até o Brasil, com exceção da Região Sul. Seus habitats naturais são matagais úmidos tropicais ou subtropicais, pântanos e florestas secundárias altamente degradadas. São encontrados em duas populações gerais separadas, uma no norte da floresta amazônica e outra no Cerrado. Vivem em áreas alagadas com ninhos baixos. Os adultos expressam forte dimorfismo sexual. Os machos são pretos com coberturas brancas sob as asas e bicos brancos marfim, e as fêmeas são geralmente marrom-claro com coberturas brancas sob as asas e bicos pretos. Tanto o macho quanto a fêmea têm bicos muito grandes e grossos. Possui um canto melodioso, que o tornou um alvo para armadilhas. Embora a população esteja diminuindo rapidamente devido à captura e perda de habitat, pouco se sabe sobre seu comportamento e ecologia.
Bicudo-verdadeiro | |||||||||||||||||
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Estado de conservação | |||||||||||||||||
Em perigo crítico (IUCN 3.1) [1] | |||||||||||||||||
Classificação científica | |||||||||||||||||
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Nome binomial | |||||||||||||||||
Sporophila maximiliani (Cabanis, 1851) | |||||||||||||||||
Distribuição geográfica | |||||||||||||||||
Distribuição do bicudo-verdadeiro na América do Sul
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Sinónimos | |||||||||||||||||
Oryzoborus maximiliani Cabanis, 1851[2] |
Taxonomia
editarO bicudo-verdadeiro foi chamado de Fringilla crassirostris quando uma fêmea foi coletada na costa leste do Brasil em 1815 pelo príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied.[5] Vinte anos após a publicação de sua descrição, foi incluído no recém proposto gênero Oryzoborus por Jean Louis Cabanis (1851).[6] Os tentilhões já foram categorizados no gênero Oryzoborus.[7] São um grupo de seis espécies: curió (Oryzoborus angolensis), bicudo-do-norte (Oryzoborus crassirostris), bicudo-de-bico-preto (Oryzoborus atrirostris), papa-capim-de-bico-grosso (Oryzoborus funerea), bicudo-verdadeiro (Oryzoborus maximiliani) e papa-capim-da-nicarágua (Oryzoborus nuttingi).[8]
As fêmeas dos tentilhões são muito semelhantes em morfologia. A taxonomia é, portanto, quase exclusivamente baseada nas plumagens masculinas.[9] A categorização dos tentilhões foi historicamente baseada no padrão de plumagem masculina com grupos de cores como cinza e castanho.[10] Outras análises moleculares e morfológicas das aves levaram o gênero Oryzoborus a ser incluído no gênero Sporophila.[5] O bicudo-verdadeiro inclui duas subespécies. A primeira é a S. m. maximiliani, encontrada principalmente no Cerrado, leste da Bolívia, e nos estados brasileiros de Goiás, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.[5] A segunda é a S. m. parkesi, encontrada no sudeste de Sucre até Elta Amacuro, norte da América do Sul, leste da Venezuela, norte de Bolívar, oeste da Guiana e no extremo norte do Brasil.[5][1]
Descrição
editarO bicudo-verdadeiro é sexualmente dimórfico. Possui bico extremamente grande e grosso, branco como giz nos machos e preto nas fêmeas.[11] O volume do bico é de cerca de 840 milímetros cúbicos.[12] Os machos são pretos com branco ou branco e preto sob as coberturas das asas. [11] As fêmeas possuem um ventre marrom claro com coberturas brancas sob as asas.[11] São muito semelhantes a outras fêmeas adultas do gênero Sporophila.[9] Tanto o macho quanto a fêmea são muito semelhantes em aparência ao bicudo-do-norte macho e fêmea.[11] É um tentilhão de tamanho médio, tendo em torno de 14,5-16,5 centímetros de comprimento.[11] O mais jovens são semelhantes em aparência às fêmeas.[11] O dimorfismo sexual se apresenta nos machos quando começam a cantar.[13] O jovem macho eventualmente muda suas penas pretas, tendo uma aparência irregular por vários meses até ficar totalmente preto.[11] Devido à sua semelhança com outras espécies, dimorfismo sexual e aparência juvenil, o bicudo-verdadeiro pode ser muito difícil de identificar morfologicamente.[14] Os ovos são branco-acinzentados com manchas pretas e manchas marrom-claras.[15] Quanto ao canto e a cor do bico, ocorrem variações regionais e individuais.[16]
Distribuição e habitat
editarO bicudo-verdadeiro existe em duas populações separadas na América do Sul.[17] A população do sul é encontrada no Cerrado e nos enclaves do Cerrado nas zonas de transição da Mata Atlântica. A população do norte é encontrada no norte da floresta amazônica. Consegue viver em ambientes úmidos e é frequentemente associado a áreas alagadas e bordas pantanosas.[5]
Ecologia e comportamento
editarAlimentação
editarO bicudo-verdadeiro é predominantemente granívoro e se alimenta principalmente de sementes de muitas espécies de ciperáceas (Cyperaceae). Geralmente são encontrados em pares.[18] Aprecia principalmente as sementes de capim-navalha (Hypolytrum pungens), navalha-de-macaco (Hypolytrum schraerianum) e tiririca (Cyperus rotundus).[16]
Reprodução
editarA época de reprodução geralmente começa por volta de novembro ou dezembro durante a primavera e o verão no centro e sul do Brasil e se estende até o final de fevereiro ou início de março. A reprodução é estimulada pelas primeiras chuvas torrenciais da primavera. As chuvas da primavera causam a frutificação das espécies de ciperáceas, que produzem sementes maduras no meio da estação chuvosa. Durante a época de reprodução, é especialmente territorial e agressivo.[5] Seus ninhos possuem forma de taça e têm de um a três metros de altura. Sua ninhada é de dois a três ovos que são incubados pela fêmea.[15]
Relacionamento com humanos
editarO bicudo-verdadeiro foi caçado por caçadores de pássaros e, portanto, teve declínio severo e constante na população, pois é procurado por sua música melodiosa.[5] A espécie também está enfrentando declínio na população devido à perda de habitat. As pastagens nativas onde nidifica estão sendo convertidas em campos agrícolas.[15] Incêndios provocados pelo homem para fins de agricultura e pecuária, bem como pesticidas aéreos, também afetam sua população.[19]
Conservação
editarÉ raro a incomum.[11] O tamanho da população está diminuindo e estima-se que haja entre mil e 2 499 indivíduos. A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN / IUCN) considera a espécie ameaçada de extinção globalmente.[1] No Brasil, como criticamente em perigo na Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna do Estado de Minas Gerais de 2010;[20] como em perigo no Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção no Estado de São Paulo;[21] como criticamente em perigo na Lista Oficial das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção do Estado da Bahia de 2017;[22] como criticamente em perigo no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio);[23] e como criticamente em perigo no anexo dois (aves) na Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção da Portaria MMA N.º 148, de 7 de junho de 2022.[24][25]
Estudos feitos por ornitólogos mostram que a espécie é extremamente rara na maior parte de sua distribuição geográfica (F. Ubaid in litt. 2017).[17] É considerado extinto em várias regiões onde ocorria. Em 2020, um bicudo-verdadeiro foi avistado em Minas Gerais, sendo a primeira vez em pelo menos oitenta anos que houve o registro da espécie no estado.[26] Em 2022, foi estimado que haviam menos de 100 indivíduos em vida livre no Brasil. De acordo com o biólogo Flávio Kulaif Ubaid, "devido ao canto que lembra o som de uma flauta, o bicudo (Sporophila maximiliani) passou a ser uma ave comercializada e, consequentemente, muito caçada. Por isso, sofreu severo declínio populacional, seguido de extinção em grande parte da área de ocorrência original."[27]
Referências
- ↑ a b c «Great-billed Seed-finch (Sporophila maximiliani)» (em inglês). IUCN. 2017. 1 páginas. Consultado em 14 de dezembro de 2022
- ↑ «Oryzoborus maximiliani Cabanis, 1851» (em inglês). Global Biodiversity Information Facility (GBIF). 1 páginas. Consultado em 14 de dezembro de 2022. Cópia arquivada em 15 de dezembro de 2022
- ↑ Paixão, Paulo (Verão de 2021). «Os Nomes Portugueses das Aves de Todo o Mundo» (PDF) 2.ª ed. A Folha — Boletim da língua portuguesa nas instituições europeias. p. 316. ISSN 1830-7809. Consultado em 13 de janeiro de 2022. Cópia arquivada (PDF) em 23 de abril de 2022
- ↑ «Bicudo». Confederação Brasileira dos Criadores de Pássaros Nativos. 2023. Consultado em 15 de abril de 2023. Cópia arquivada em 16 de abril de 2023
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- ↑ «Portaria MMA N.º 148, de 7 de junho de 2022» (PDF). Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente (MMA). Consultado em 14 de abril de 2023. Cópia arquivada (PDF) em 1 de março de 2023
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- ↑ Thaís Pimenta (10 de junho de 2022). «Criticamente ameaçados: Brasil tem menos de 100 bicudos em vida livre». Terra de Gente. G1. Consultado em 15 de abril de 2023. Cópia arquivada em 16 de abril de 2023