Calano (em grego clássico: Καλανός,[1] Kalanós; em latim: Calanus) (c. 398 – 323 a.C.), foi um antigo gimnosofista indiano[2][3][4][5] e filósofo de Taxila[6] que acompanhou Alexandre, o Grande a Pérsis e, mais tarde, autoimolou-se, após adoecer, entrando em uma pira, na frente de Alexandre e seu exército. Diodoro Sículo o chamou de Carano (em grego clássico: Κάρανος).[7]

A Morte de Calamo por Jacques-Antoine Beaufort, 1779, Museu do Prado.

Segundo fontes gregas, ele não vacilou enquanto seu corpo queimava. Ele se despediu de alguns soldados gregos que eram seus alunos, mas não de Alexandre. Calano comunicou a Alexandre que o encontraria na Babilônia e curiosamente Alexandre morreu exatamente um ano depois na Babilônia.[8] Foi por meio de Calano que Alexandre soube de Dandamis, o líder do grupo, que Alexandre mais tarde foi encontrar na floresta.[9]

Vida pregressa

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Plutarco indica[10] que seu nome verdadeiro era Sphínēs e que ele era de Taxila, mas como ele cumprimentava as pessoas com a palavra "Kalē!" — talvez kallāṇa (mitta) "Saudações (amigo)" — os gregos o chamavam de Calano.[6][11][12] Calano era um sábio brâmane[13][14][15] ou budista[6] que vivia em Taxila e levava uma vida religiosa austera.[16]

Alguns estudiosos alegaram que Calano era um jainista,[2][6][3] mas os estudos atuais rejeitam essa noção, pois os ascetas jainistas são proibidos de usar fogo e automutilação intencional devido às suas convicções sobre Sallekhana. Além disso, não há evidências de ocupação jainista em Taxila na época de Alexandre.[17]

Considerando a presença bramânica dominante em Taxila, é provável que os ascetas que Alexandre conheceu, incluindo Calano, fossem bramânicos. Johannes Bronkhorst afirma que é altamente improvável que budistas ou jainistas estivessem presentes nas áreas visitadas por Alexandre.[18][17]Georgios Halkias considera que Calano era budista, pois crescia a presença deles em Taxila na época e há registro de que antigos budistas realizavam suicídio ritual em situações análogas de debilidade física, bem como relatos de autoimolação feita por outros xrâmanas. O historiador Nearco, almirante de Alexandre, afirmara explicitamente que Calano não era brâmane.[6]

Encontro com Alexandre

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Plutarco registra que, quando foi convidado pela primeira vez para conhecer Alexandre, Calano "ordenou-lhe rudemente que se despisse e ouvisse o que ele dizia nu, caso contrário, ele não lhe diria uma palavra, embora viesse do próprio Júpiter".[10] Calano recusou os ricos presentes oferecidos por Alexandre, dizendo que o desejo do homem não pode ser satisfeito por tais presentes.[19] Os gimnosofistas acreditavam que mesmo que Alexandre os matasse, "eles seriam libertados do corpo de carne agora afligido pela idade e seriam transladados para uma vida melhor e mais pura".[19]

O representante de Alexandre, Onesícrito,[20] teve uma discussão com vários gimnosofistas e Alexandre foi atraído pelos seus pensamentos sobre a filosofia grega, que eles geralmente aprovavam, mas criticavam os gregos por preferirem o costume ao invés de a natureza e por se recusarem a abrir mão das roupas.[16] Calano foi descrito como um filósofo por Onesícrito e provavelmente foi visto por outros que o louvaram como a epítome de um filósofo indiano.[21]

Alexandre persuadiu Calano a acompanhá-lo até Pérsis[11] e ficar com ele como um de seus professores. Alexandre até sugeriu o uso da força para levá-lo ao seu país, ao que Calano respondeu filosoficamente: "o que valerei para você, Alexandre, por exibir aos gregos se for obrigado a fazer o que não desejo fazer?"[22] Calano viveu como um professor para Alexandre e representou a "honestidade e liberdade orientais".[22]

Morte e profecia

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Alexandre, o Grande, recebendo a notícia da morte por imolação do gimnosofista indiano Calano (1672) - Jean-Baptiste de Champaigne

Ele tinha setenta e três anos de idade na época de sua morte.[23] Quando o clima persa e as viagens árduas o enfraqueceram, ele informou a Alexandre que preferia morrer a viver como inválido. Ele decidiu tirar a própria vida por autoimolação.[24] Embora Alexandre tenha tentado dissuadi-lo desta linha de ação, por insistência de Calano a tarefa de construir uma pira foi confiada a Ptolomeu.[23] Calano é mencionado também pelos almirantes de Alexandre, Nearco e Carés de Mitilene.[25] A cidade onde esta imolação ocorreu foi Susa no ano 323 a.C.[26] Calano distribuiu todos os presentes caros que recebeu do rei ao povo e usou apenas uma guirlanda de flores e cantou hinos.[27][28][3] Ele apresentou seu cavalo a um de seus alunos gregos chamado Lisímaco.[29] Ele não vacilou enquanto queimava, para o espanto daqueles que assistiam.[19][30][31] Embora Alexandre não estivesse pessoalmente presente no momento da sua imolação, as suas últimas palavras a Alexandre foram: "Encontrar-nos-emos na Babilônia".[24][32][33] Diz-se que ele profetizou a morte de Alexandre na Babilônia, embora na época da morte de Calano, Alexandre não tivesse planos de ir para a Babilônia.[34][35]

Um concurso de bebidas foi realizado em resposta à sua morte. Segundo Plutarco, citando Carés de Mitilene, Prômaco da Macedônia bebeu o equivalente a 13 litros de vinho puro e ganhou o primeiro prêmio de uma coroa de ouro no valor de um talento. Ele morreu três dias depois e outros quarenta e um concorrentes supostamente morreram também de intoxicação alcoólica.[36]

Legado

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Uma carta escrita por Calano a Alexandre foi preservada por Fílon.[37]

Halkias considera que o relato sobre Calano se soma às evidências de que Pirro de Élis teria se inspirado na filosofia budista para formular sua doutrina do pirronismo, e que o filósofo grego provavelmente teria tido grande contato com Calano e outros indianos.[6]

Na literatura antiga, Calano foi afirmado algumas vezes como sendo um "pitagórico" indiano. Na literatura árabe, possivelmente tem origem no Pseudo-Amônio a afirmação de que Calano fora um discípulo direto de Pitágoras, como forma de desacreditar o antropomorfismo indiano como uma perversão do monoteísmo pitagórico.[38]

Uma pintura c. 1672 de Jean Baptiste de Champaigne retrata "Alexandre, o Grande, recebendo a notícia da morte por imolação do gimnosofista Calano" e está em exposição no Chateau de Versailles et de Trianon, Versalhes.[39]

Ver também

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Referências

  1. Plutarco, Vidas Paralelas, "Vida de Alexandre" 8
  2. a b Wheeler, James Talboys (1973). The History of India: India from the earliest ages: Hindu, Buddhist, and Brahmanical revival (em inglês). [S.l.]: Cosmo Publications. pp. 171–72 
  3. a b c Hunter, W.W. (2005). The Indian empire : its people, history, and products (1886). New Delhi: Asian Educational Services. ISBN 9788120615816 
  4. Hunter, William Wilson (1887). The Imperial Gazetteer of India (em inglês). [S.l.]: Trübner & Company. 173 páginas 
  5. Classica Et Mediaevalia (em inglês). [S.l.]: Librairie Gyldendal. 1975. pp. 271–76 
  6. a b c d e f Halkias, Georgios (2015). «The Self-immolation of Kalanos and other Luminous Encounters Among Greeks and Indian Buddhists in the Hellenistic World». Journal of the Oxford Centre for Buddhist Studies. 8: 163–186 
  7. Diodoro Sículo, Biblioteca, 17.107.1
  8. Bar-Kochva, Bezalel (2010). The image of the Jews in Greek literature: The Hellenistic Period. Berkeley: University of California Press. pp. 60–63. ISBN 9780520253360 
  9. Stoneman, Richard (2012). The Legends of Alexander the Great. [S.l.]: Bloomsbury Academic. pp. 43–47. ISBN 9781848857858 
  10. a b Plutarco, Vidas Paralelas, "Vida de Alexander" 65
  11. a b M'Crindle, J.W. (2004). The invasion of India by Alexander the Great. Whitefish, Montana: Kessinger Pub. pp. 46, 315, 388–9, 346. ISBN 9780766189201 
  12. MacMullen, Ramsay (1992). Enemies of the Roman order: treason, unrest, and alienation in the empire By Ramsay MacMullen. [S.l.]: Routledge. ISBN 9780415086219 
  13. Vasunia, Phiroze (16 de maio de 2013). The Classics and Colonial India (em inglês). [S.l.]: OUP Oxford. 61 páginas. ISBN 978-0-19-920323-9 
  14. Worthington, Ian (10 de julho de 2014). Alexander the Great: Man and God (em inglês). [S.l.]: Routledge. ISBN 978-1-317-86644-2 
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  16. a b Sastri, Kallidaikurichi Aiyah Nilakanta (1988). Age of the Nandas and Mauryas. Delhi: Motilal Banarsidass. pp. 105–106. ISBN 9788120804654 
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  19. a b c Chatterjee, Suhas (1998). Indian civilization and culture. New Delhi: M.D. Publications. ISBN 9788175330832 
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