Carta de Aristeias
A Carta de Aristeias, ou Carta a Filócrates é uma obra helenística do século II a.C., incluída entre os livros apócrifos, e trata da elaboração da Septuaginta, tradução em grego dos livros da Bíblia hebraica.
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Flávio Josefo, que faz uma paráfrase de dois quintos da carta em suas Antiguidades Judaicas, atribui sua autoria a um certo Aristeias, membro da corte de Ptolomeu II Filadelfo, e dirigida a um tal Filócrates. A obra descreve o processo de tradução para o grego antigo da Torá judaica por setenta e dois sábios enviados ao Egito por Jerusalém a pedido do bibliotecário de Alexandria. O trabalho resultaria na tradução conhecida como Septuaginta. Embora o relato tenha sido considerado fictício,[1] e portanto seu autor recebe o nome de pseudo-Aristeias, este é o primeiro texto que menciona a Biblioteca de Alexandria.
Conservam-se hoje vinte cópias manuscritas antigas dessa carta, além das citações em Flávio Josefo, Eusébio de Cesareia e Filo de Alexandria.[2]
Conteúdo da carta
editarA obra conta como o rei do Egito, supostamente Ptolomeu II, teria recebido de seu bibliotecário Demétrio de Faleros um pedido para traduzir a Bíblia hebraica, o Pentateuco, e seus comentários (a Torá) para o grego, aumentando a coleção de obras da Biblioteca de Alexandria com os conhecimentos do povo hebreu. O rei dá apoio à iniciativa de Demétrio, liberta os judeus escravizados por seus antecessores e envia presentes para o Templo de Jerusalém. O sumo sacerdote elege seis sábios de cada uma das doze tribos, em um total de setenta e dois tradutores. Eles viajam para Alexandria, onde o rei os recebe e, durante setenta dias, formula a eles perguntas de caráter filosófico, cujas respostas são dadas de forma extensa. Os 72 tradutores terminam sua tarefa em exatamente 72 dias. Quando os judeus de Alexandria descobrem que a lei hebraica havia sido traduzida para o grego, pedem cópias e rogam uma maldição a todo aquele que deturpar a tradução do texto. O rei dá presentes aos tradutores e os envia de volta à sua terra.[3]
Um dos objetivos principais do autor parece ser o de estabelecer a superioridade do texto grego da Septuaginta sobre qualquer outra versão da Bíblia hebraica. O autor é notoriamente pró-grego: retrata Zeus como outro nome de Yahveh e, embora critique a idolatria e a ética sexual grega, não se trata de um ataque direto, mas sim de um pedido de mudança. A forma com que o autor se concentra em descrever o judaísmo, e em particular o Templo de Jerusalém, pode ser vista como uma tentativa de proselitismo.[4]
Crítica à autoria
editarO humanista Juan Luis Vives, escrevendo no século XVI, faz uma análise filológica em sua obra XXII libri de Civitate Dei Commentaria (1522), afirmando que a carta seria uma falsificação. A carta teria sido escrita por um autor que havia vivido 50 anos após a morte de Ptolomeu II, e apresentaria diversas inconsistências e anacronismos, reforçados por Humphrey Hody alguns séculos depois, em sua obra Contra historiam Aristeae de LXX interpretibus dissertatio. Hody argumentava que a obra era uma falsificação feita por um judeu helenizado, entre 170 e 130 a.C., escrita para dar autoridade à Septuaginta. Embora Isaac Vossius (1618-1689), bibliotecário da rainha Cristina da Suécia, tenha publicado uma refutação a essa teoria no apêndice da sua edição de Pompônio Mela,[5] os estudiosos modernos se posicionam unanimemente com Vives e Hody.
Referências
- ↑ TCHERIKOVER, Victor. The ideology of the letter of Aristeas. Harvard Theological Review, v. 51, n. 2, p. 59-85, 1958.
- ↑ RIOS, Cesar Motta. A alegorese no judaísmo de língua grega: Fílon e outros. Oracula, v. 11, 2011.
- ↑ FRENKEL, Diana. Una visión del Egipto Ptolemaico según la Carta de Aristeas a Filócrates. Circe de clásicos y modernos, n. 10, p. 157-175, 2006.
- ↑ VARGAS, Otavio Z. Literatura helenística com roupagem judaica: o caso da carta de Aristeas a Filócrates. Revista Nearco, vol. 12, 2008, p. 194-207
- ↑ Jellicoe, Sidney.The Septuagint and Modern Study, 1993, p.31.
Bibliografia
editar- ALESSO, Marta. La Carta de Aristeas. In: SAEZ, Carlos & CASTILLO, Gomes. La Correspondencia em la Historia: Modelos y Prácticas de Escritura. Buenos Aires: Calambur, 2002.
- HADAS, Moses. Aristeas to Philocrates. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2007.
- HONIGMAN, Sylvie. The Septuagint and Homeric Scholarship in Alexandria – A Study in the Narrative for the Letters of Aristeas. London: Routledge, 2003.
- PÓRTULAS, Jaime. La Carta de Aristeas. In: Revista de Historia de La Traducción. Barcelona: Departamiento de Filologia Griega de La Universidad de Barcelona, 2007.
- ROST, L. Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudopígrafos do Antigo Testamento e aos Manuscritos de Quram. São Paulo: Paulinas, 1980.
Ligações externas
editar- Jaume Pòrtulas. «La carta de Aristeas a Filócrates» (em espanhol)
- «Online Critical Pseudepigrapha» (em grego)