Censo (Roma Antiga)

O censo (em latim: census), na Roma Antiga, era uma lista de cidadãos e de seus bens elaborada pelos censores. Com o tempo, contudo, o termo passou a designar somente uma lista de bens adquiridos, o que influenciaria para a criação do voto censitário, que reconhecia o direito político com base no próprio censo, ou seja, na riqueza possuída.

História

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Sérvio Túlio
 
Baixo-relevo do Altar de Domínio Enobarbo representando uma operação de recenseamento: um empregado registra a declaração de um cidadão, enquanto o censor, colocando a mão no ombro de um cidadão, atribui-lhe uma centúria militar.[1]

Segundo a tradição, o rei Sérvio Túlio (r. 578–535 a.C.) realizou a primeira reforma timocrática dos cidadãos romanos, dividindo-os por herança, dignidade, idade, profissão e função e inserindo estes dados nos registros públicos.[2] Esta reforma foi essencial, a fim de determinar quais cidadãos tinham de cumprir serviço militar (obrigados a armar-se à sua própria custa e, portanto, chamados adsíduos).[3] Eles foram divididos em cinco classes (seis se incluído os proletários[4]) com base no censo.[5][6]

Fora estas havia quatro classes complementares: seniores (mais de 46 anos) e juniores (17-46 anos), ou seja, capazes ou não de lutar; crianças (menores de 17 anos) e infantes (menores de 8 anos), ou seja, ainda não capazes de combater.[7] Nesse novo sistema, a primeira classe, a dos ricos, podia arcar com o equipamento completo dos legionários, enquanto as demais eram gradualmente mais leves. Assim, as primeira três foram infantaria pesada, e as últimas foram infantaria leve.[3]

A estratificação social definida pelo censo se refletiu, consequentemente, na organização militar da seguinte forma:

  1. A primeira classe era formada de 80 centúrias de infantaria,[8] que podia ter uma renda maior de 100 000 asses. Era a classe majoritária que constituía a falange hoplítica do Reino de Roma; a primeira linha.[9]
  2. A segunda tinha 20 centúrias e uma renda entre 75 000 e 100 000 asses. Constituía a segunda linha.[8][9]
  3. A terceira, de mais de 20 centúrias de infantaria leve, tinha renda entre 50 000 e 75 000 asses.[8][9]
  4. A quarta, também com mais de 20 centúrias de infantaria leve, possuía renda entre 25 000 e 50 000.[9][10]
  5. A quinta era formada por 30 centúrias de infantaria leve e tinha uma renda de apenas 11 000-25 000 asses.[9][10][11]

Aqueles que recebiam uma renda inferior a 11 000 asses eram organizados numa centúria e dispensados das obrigações militares (cujos membros foram chamados proletários),[9][12][13] exceto nos casos onde havia perigos especiais à Roma.[14] E a partir das Guerras Púnicas, também implicou em serviço naval.[15]

Com o fim da Segunda Guerra Púnica, houve uma nova redução do censo mínimo necessário para passar da condição de proletário para adsíduo, ou seja, para o serviço militar dentro das cinco classes segundo estabelecido por Sérvio Túlio. De fato, ao longo de três séculos, o valor caiu de 11 000 asses para 4 000 nos anos 214-212 a.C.[16] (equivalendo aos 400 dracmas de prata de Políbio no final do século III a.C.[15]) e então para 1 500 para os anos 133-123 a.C.,[17] como relatado por Cícero.[18] Isso indica uma proletarização lenta e gradual do exército romano em meio a busca de homens armados em função das novas conquistas no mar Mediterrâneo. Neste ponto, por conseguinte, é claro que muitos dos trabalhadores tinham sido admitidos nominalmente permitidos entre os adsíduos.[19]

Com a reforma de Mário do exército romano, aboliu-se a conscrição pela riqueza, de modo que a partir daquele momento os cidadãos menos abastados foram mantidos pelo Estado, recebendo estipêndio, alimentação, alojamento e equipamentos, enquanto os soldados veteranos enviados em licença, obtiveram uma pensão sob a forma dotações de terras em suas colônias e, mais tarde, também da cidadania romana.[20]

Valores dos censos

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Os censos romanos conhecidos pelos cronista são 37 em número e variaram entre 508 e 28 a.C., com um número teórico de 96 censos em períodos de 5 anos. As incertezas são possível por erros de transcrição em manuscritos. Karl Julius Beloch corrigiu vários valores que claramente afastaram a tendência geral.[21] Os valores descritos foram dados por Peter Astbury Brunt:[22]

 
Busto de Sula. Atualmente na Gliptoteca de Munique
 
Augusto com a coroa cívica. Na Gliptoteca de Munique
Recenseamentos romanos conhecidos
Data Valor Fonte Comentários
508 a.C. 130 000 Dionísio de Halicarnasso, V.20
503 a.C. 120 000 Jerônimo de Estridão Ol, 69.1
498 a.C. 150 700 Dionísio de Halicarnasso, V.75
493 a.C. 110 000 Dionísio de Halicarnasso, VI.96
474 a.C. 103 000 Dionísio de Halicarnasso, IX.36
465 a.C. 104 714 Tito Lívio, III.3 « Sem viúvas e órfãos »
459 a.C. 117 319 Tito Lívio, III, 24
Eutrópio, I.16
393−2 a.C. 152 573 Plínio, o Velho , História Natural, XXX.10.16
340 a.C. 165 000 Eusébio de Cesareia, Ol, 110.1
323 a.C. 150 000 Orósio, V, 22, 2
Eutrópio, V.9
294−3 a.C. 262 321 Tito Lívio, X.47
289−8 a.C. 272 000 Tito Lívio, Periocas, XI
280−79 a.C. 287 222 Tito Lívio, Periocas, XIII
276−75 a.C. 271 224 Tito Lívio, Periocas, XIII
265−4 a.C. 292 234 Eutrópio, II, 18 382 233 nas Periocas, XVI
252−51 a.C. 297 797 Tito Lívio, Periocas, XVIII
276−75 a.C. 241 712 Tito Lívio, Periocas, XIX
241−40 a.C. 260 000 Jerônimo de Estridão, Ol, 134.1
234−33 a.C. 270 713 Tito Lívio, Periocas, XX
209−08 a.C. 137 108 Tito Lívio, XXVII, 36 Retificado em 237 108
204−03 a.C. 214 000 Tito Lívio, XXIX, 37
194−93 a.C. 143 704 Tito Lívio, XXXV, 9 Retificado em 243 704
189−88 a.C. 258 318 Tito Lívio, XXXVIII, 36
179−78 a.C. 258 794 Tito Lívio, Periocas, 41
174−73 a.C. 269 015 Tito Lívio, XLII, 16 267 231 nas Periocas, 42
169−68 a.C. 312 805 Tito Lívio, Periocas, 45
164−63 a.C. 337 022 Tito Lívio, Periocas, 46
Plutarco, Aem., 38
159−58 a.C. 328 316 Tito Lívio, Periocas, 47
154−53 a.C. 324 000 Tito Lívio, Periocas, 48
147−46 a.C. 322 000 Eusébio de Cesareia, Ol., 158.3
142−51 a.C. 322 442 Tito Lívio, Periocas, 54
136−35 a.C. 317 933 Tito Lívio, Periocas, 56
131−30 a.C. 318 823 Tito Lívio, Periocas, 59
125−24 a.C. 394 736 Tito Lívio, Periocas, 60 ou 294 336 ?
115−114 a.C. 394 336 (?) Tito Lívio, Periocas, 73
86−85 a.C. 463 000 Jerônimo de Estridão, Ol, 173.4 ou 963 000 ?
70−69 a.C. 910 000 Tito Lívio, Periocas, 98
Flégon de Trales, fr. 12, 7
28 a.C. 4 063 000 Augusto, Os Feitos do Divino Augusto, 8.2
8 a.C. 4 233 000 Augusto, Os Feitos do Divino Augusto, 8.3
14 d.C. 4 937 000 Augusto, Os Feitos do Divino Augusto, 8.4[a]
47 d.C. 5 984 000

O salto quantitativo de 70 a.C. marca a extensão da cidadania para os italianos. A pausa por mais de uma geração advém da censura imposta por Sula e a retomada pelo imperador romano Augusto (r. 27 a.C.–14 d.C.). Um novo salto quantitativo em 28 a.C. deve-se a uma alteração da contagem, por pessoa, incluindo mulheres e crianças (provavelmente com mais de um ano), e não apenas homens e cidadãos adultos. Devido às lacunas do censos, os números são reduzidos, talvez até 20%.[23]

[a] ^ No mesmo ano um fragmentos dos Fastos Ostienses (Ano Epigráfico, 1946, p. 169) apresenta apenas 4 100 900.[24]

Referências

Bibliografia

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  • Deniaux, Élisabeth (2001). Rome, de la Cité-État à l'Empire, Institutions et vie politique. Paris: Hachette. ISBN 2-01-017028-8 
  • Dodson, Brian (2012). Connolly, P., ed. Greece and Rome at war. [S.l.]: Frontline Books. ISBN 1848326092 
  • Gabba, Emilio (1973). Esercito e società nella tarda Repubblica romana. [S.l.]: La nuova Italia 
  • Nicolet, Claude (1988). «VII - Contrôle de l'espace humain : les recensements». L'inventaire du monde : géographie et politique aux origines de l'Empire romain. Paris: Fayard 
  • Nicolet, Claude (2001). Rome et la conquête du monde méditerranéen 264–27 av. J.-C. Col: Nouvelle Clio, l'Histoire et ses problèmes 10 ed. Paris: PUF. ISBN 2-13-051964-4