Cerco de Siracusa (877–878)
O Cerco de Siracusa em 877-878 levou a queda da cidade de Siracusa, a capital da Sicília romana e bizantina, para o Emirado Aglábida. Os aglábidas tentaram e falharam em tomar a cidade logo após seu desembarque inicial na ilha 50 anos antes, com o cerco de 827-828. Apesar da derrota, gradualmente tomaram as porções ocidental e central da ilha, e em agosto de 877, o comandante muçulmano Jafar ibne Maomé Altamini liderou uma grande força contra Siracusa.[1]
Cerco de Siracusa | |||
---|---|---|---|
Conquista muçulmana da Sicília | |||
Iluminura do Escilitzes de Madri retratando a tomada da cidade | |||
Data | 877-878 | ||
Local | Siracusa, perto de Amório | ||
Desfecho | Vitória aglábida | ||
Beligerantes | |||
| |||
Comandantes | |||
|
A cidade foi deixara amplamente sem apoio pelo imperador Basílio I, o Macedônio (r. 867–886) durante o cerco, e ela caiu em 20/21 de maio de 878. Apenas alguns entrepostos permaneceram nas mãos dos bizantinos depois disso, e a conquista muçulmana da Sicília foi completada com a queda de Taormina em 902. O cerco e captura de Siracusa é narrada em detalhe pela testemunha ocular Teodósio, o Monge.[1]
Antecedentes
editarOs aglábidas tentaram sem sucesso tomar a cidade logo após seu desembarque inicial na ilha em 827. Apesar de serem repelidos, gradualmente conseguiram tomar as porções ocidental e central da ilha.[2] Esforços sucessivos depois disso para capturar a capital provincial bizantina em 868, 869 e 873, falharam.[3] Em 875, o emir aglábida pacífico e amante dos prazeres Maomé II (r. 864–875) morreu e foi sucedido por seu irmão mais energético, Ibraim II (r. 875–902).[4] O novo emir estava determinado a finalmente capturar Siracusa e nomeou um novo governador para a ilha, Jafar ibne Maomé, bem como enviou uma frota da Ifríquia para assistir as tropas sicilianas locais.[5][6]
Cerco
editarJafar começou sua campanha em 877 ao invadir os territórios bizantinos a leste da ilha e ocupar alguns fortes em torno de Siracusa. O cerco da cidade começou em agosto, com os árabes bloqueando-a por mar e terra. Os eventos do cerco são descrito com alguma detalhamento pela testemunha ocular Teodósio, o Monge, que incluiu um relato dele numa carta escrita durante seu cativeiro subsequente.[5][7] A resistência da cidade foi liderada por um patrício de nome desconhecido, enquanto os árabes foram liderados inicialmente por Jafar até seu retorno para Palermo e sua concessão do comando do cerco para seu filho, Abu Ixaque.[8]
Os muçulmanos, bem supridos com armas de cerco, incluindo um tipo novo de manganela, lançaram incessantes ataques contra os defensores da cidade dia e noite. Teodósio focou muito de seu relato no sofrimento dos habitantes, "reduzidos pela fome e doença", e os "preços hiperinflacionados pagos para quantidades insignificantes de alimentos básicos", como descrito por Alex Metcalfe. Um alqueire de trigo custou 150 nomismas de ouro, um alqueire de farinho 200 nomismas e um boi 300 nomismas, enquanto a cabeça dum cavalo ou burro 15 a 20 nomismas. Após vários meses de cerco, os habitantes esgotaram seus suprimentos de óleo, frutas, queijo, peixe e vegetais; eles passaram a comer grama, pele de animais, osso moído como água e até mesmo, alega Teodósio, aderiram ao canibalismo, comendo os mortos e as crianças.[9][10]
Apesar da importância de Siracusa, as fontes relatam esforços escassos dos bizantinos para ajudá-la. Ibne Alatir relata que alguns navios bizantinos apareceram diante da cidade e foram derrotados sem dificuldade, mas a principal frota bizantina parece ter estado ocupada com o transporte de materiais de construção para a edificação da Igreja Nova do imperador Basílio I, o Macedônio (r. 867–886) em Constantinopla. Quando a frota posteriormente velejou, sob o comando de certo Adriano, foi tão atrasada pelos ventos contrários em Monemvasia que as notícias da queda da cidade chegaram até lá.[11][12] Incontestados em seu controle do mar, os árabes foram capazes de destruir as fortificações que protegiam os dois portos da cidade: o bombardeio incessante conseguiu colapsar uma das torres das fortificações marítimas, junto com o trecho adjacente das muralhas, formando uma brecha onde os árabes concentraram seus ataques. No entanto, o patrício da cidade reuniu os defensores e por dois dias conseguiu proteger a brecha contra os números inimigos superiores de modo que a área circundante foi ocupada com os corpos dos mortos e feridos.[13]
A cidade finalmente caiu na manhã de 21 de maio de 878, após nove meses de cerco. Os defensores retiraram-se para os muros para descansar e tomar café, deixando uma pequena guarda para proteger a brecha sob cerco João Patriano, quando os árabes lançaram um ataque surpresa, disparando todos as suas armas de cerco de uma vez e atacando a brecha. No momento que o patrício chegou para auxiliar na defesa, os árabes mataram os defensores da brecha e invadiram a cidade. Um destacamento que tentou bloquear o caminho próximo da Igreja do Salvador provavelmente foi aniquilado; os árabes entraram na igreja, onde boa parte da população refugiou-se, e mataram todos. O patrício permaneceu numa torre isolada com aproximados 70 homens, até sua rendição no dia seguinte.[14] Teodósio, o Monge estava assistindo a liturgia na catedral quando as notícias da queda da cidade chegaram, e ele foi levado prisioneiro junto do arcebispo. Diferente do ocorrido na Igreja do Salvador, os soldados árabes não maltrataram-os, mas forçaram o arcebispo a revelar a localização da sacristia onde os objetos litúrgicos preciosos eram guardados.[15]
Boa parte da população foi massacrada durante o saque; Teodósio escreve que somente entre os notáveis, mais de 4 000 foram mortos. O comandante árabe, Abu Ixaque, ordenou a execução de patrício uma semana depois, enquanto os 70 homens que permaneceram com ele e outros prisioneiros foram relatadamente levados para fora da cidade e espancados com pedras e tacos. Um dos defensores, Nicetas de Tarso, que durante o cerco diariamente insultou Maomé, foi torturado até a morte. Apenas alguns mardaítas do Peloponeso e alguns soldados da guarnição foram capazes de escapar e, alcançando a Grécia, informaram o almirante Adriano dos eventos.[16] A cidade foi pilhada e praticamente destruída. Segundo ibne Alatir, os árabes permaneceram lá por aproximados dois meses após o saque, antes de retornarem para sua base, deixando a cidade em ruínas. Ibne Alatir também alegou que um esquadrão bizantino apareceu diante da cidade, mas foi afugentado após uma batalha na qual os bizantinos perderam quatro navios.[17]
Rescaldo
editarJafar não gozou por muito tempo sua vitória; no mesmo ano foi morto por dois de seus escravos,[6] por instigação de seu tio e seu irmão, que então usurparam o governo. Isso prenunciou um período de conflito interno entre os muçulmanos sicilianos. A guerra continuou através da década de 880, com os árabes tentando subjugar as fortalezas bizantinas remanescentes no terço nordeste da ilha, mas com sucesso limitado: os raides produziram butim para pagar o exército, mas nenhum forte foi tomado.[18] O mesmo período também viu um ressurgimento do poder bizantino na península Itálica, onde generais como Nicéforo Focas, o Velho conseguiram angariar várias vitórias contra os muçulmanos.[19]
A falta de sucesso exacerbou as tenções entre os muçulmanos, levando à rebelião dos palermitanos em 886 e novamente em 890, com múltiplas divisões — entre os árabes e berberes, entre os sicilianos e ifriquianos, e entre os palermitanos e agrigentinos — vindo à tona. Uma guerra civil de larga escala entre "árabes" e "berberes" eclodiu em 898 e não terminou até o filho de Ibraim II, Abedalá II, capturar Palermo em 900.[20] Abedalá também conseguiu vitórias contra os bizantinos, até ser reconvocado para a Ifríquia para substituir seu pai; Ibraim então foi para a Sicília com um grupo de voluntários e capturou a última grande fortaleza bizantina, Taormina, em agosto de 902.[21][22] Embora algumas fortalezas no nordeste permaneceram não conquistadas e em mãos cristãs até a queda de Rometta em 965,[23][24] a queda de Taormina marcou o fim efetivo da Sicília bizantina e a consolidação do controle muçulmano sobre a ilha.[25]
Referências
- ↑ a b Kazhdan 1991, p. 1892; 1997.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 10–15.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 70.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 66, 70.
- ↑ a b Vasiliev 1968, p. 71.
- ↑ a b Lilie 2013, Ǧa‘far b. Muḥammad (#22050).
- ↑ Kazhdan 1991, p. 1996–1997; 2053–2054.
- ↑ Lilie 2013, Abū Isḥāq (#20067); Ǧa‘far b. Muḥammad (#22050).
- ↑ Vasiliev 1968, p. 71–72, 73–74.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 27.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 72–73.
- ↑ Lilie 2013, Adrianos (#20122); Ǧa‘far b. Muḥammad (#22050).
- ↑ Vasiliev 1968, p. 74–75.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 75.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 76–77.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 76, 77.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 77–78.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 28.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 29.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 29–30.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 30–31.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 143–147.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 55.
- ↑ Vasiliev 1968, p. 147.
- ↑ Metcalfe 2009, p. 31.
Bibliografia
editar- Kazhdan, Alexander Petrovich (1991). The Oxford Dictionary of Byzantium. Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press. ISBN 0-19-504652-8
- Lilie, Ralph-Johannes; Ludwig, Claudia; Zielke, Beate et al. (2013). Prosopographie der mittelbyzantinischen Zeit Online. Berlim-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften: Nach Vorarbeiten F. Winkelmanns erstellt
- Metcalfe, Alex (2009). The Muslims of medieval Italy. Edimburgo: Edinburgh University Press. ISBN 978-0-7486-2008-1
- Vasiliev, A.A. (1968). Byzance et les Arabes, Tome II, 1ére partie: Les relations politiques de Byzance et des Arabes à L'époque de la dynastie macédonienne (867–959) (em francês). Bruxelas: Éditions de l'Institut de Philologie et d'Histoire Orientales