Comando Operacional do Continente
O Comando Operacional do Continente (COPCON) foi um comando das Forças Armadas Portuguesas, criado com o objetivo de criar condições para que aquelas pudessem garantir o cumprimento dos objetivos do seu programa, apresentado à Nação no 25 de abril de 1974, tendo como área territorial de responsabilidade o teatro de operações de Portugal continental. O COPCON existiu durante o período que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974, sendo associado à chamada "esquerda revolucionária" e consequentemente extinto após o golpe de 25 de novembro de 1975.[1][2]
Comando Operacional do Continente | |
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Datas das operações | 1974 – 1975 |
Líder(es) | Otelo Saraiva de Carvalho |
Área de atividade | Portugal |
O COPCON foi formalmente criado em 8 de julho de 1974 por decreto-lei assinado pelo Presidente da República António de Spínola, com o objetivo de fazer cumprir as novas condições criadas pela Revolução dos Cravos, através da "manutenção e restabelecimento da ordem, em apoio das autoridades civis e a seu pedido", e intervir "quando se verifiquem situações internas de ameaça à paz e tranquilidade públicas", situações cuja necessidade de intervenção do COPCON nominalmente competiria ao Presidente da República,[3] o que não se veio a verificar em eventos chave, dadas as divergências do Movimento das Forças Armadas (MFA) com Spínola.
Como comando, o COPCON não era uma força, mas sim um quartel-general. Tinha um peso sobre a parte de operações e de informações, especificamente do continente, detendo a possibilidade de comando operacional de todas as forças do Exército, mas especialmente de forças de intervenção.[4] Dependendo do continuado aval do seu comandante nominal, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), para lhe serem atribuídas forças, tinha a possibilidade de recorrer a forças especiais militares (como os fuzileiros, paraquedistas, comandos e polícia militar), ou a regulares, como os regimentos de Infantaria Operacional de Queluz e de Artilharia de Lisboa (RALIS).
O seu comandante era o major Otelo Saraiva de Carvalho (graduado para o efeito em brigadeiro)[5][6], que acumula com o comando da Região Militar de Lisboa, assumindo-se como um dos dinamizadores do Processo Revolucionário em Curso, apoiando as ações da "esquerda revolucionária".[7]
Este comando veio a ganhar protagonismo após a tentativa de golpe de 11 de março de 1975 e, durante quase todo o período do PREC, o seu comandante Otelo fez parte dos órgãos dirigentes do Conselho da Revolução instituído em 14 de março de 1975.[8]
Precedentes
editarNo seio do Movimento das Forças Armadas (MFA), o que viria a ser o COPCON foi constituído a seguir ao 25 de Abril, com o nome de Comando de Coordenação e Controlo Operacional (CCCO), integrada na Junta de Salvação Nacional de Spínola, tendo comando referente à manutenção da ordem do novo regime, que incluiria a captura de membros da então extinta polícia política PIDE/DGS.[4][9][10]
Actuação
editarSegundo Otelo, o COPCON era um comando-chefe que, usando a experiência da Guerra do Ultramar, congrega as todas as forças do Exército e algumas forças de intervenção da Marinha e Força Aérea. Destinava-se a fazer cumprir o programa do MFA e a ordem pública por ele ditada, podendo colaborar congregando a GNR e PSP se necessário.[11]
Durante o PREC, o COPCON ficou associado à defesa do "poder popular", tendo apoiado as ocupações de casas pelos moradores de barracas[12] e de empresas pelos seus trabalhadores.
"Começa a haver uma grande desresponsabilização de quem exerce outras funções, sobretudo governativas, e começam-nos a chegar problemas gravíssimos, laborais, sociais, às vezes até pessoais e de saúde. Por exemplo, começam a fugir empresários, que fecham as empresas e levam o dinheiro, os trabalhadores vão ao Ministério do Trabalho e de lá mandam-nos para o COPCON! E eu, nós, assumimos isso. Talvez não o devêssemos ter feito, o que me teria livrado de uma grande carga de trabalhos"[13] - Otelo Saraiva Carvalho
Uma das partes mais controversas da sua ação foi a emissão de vários mandados de captura em branco nas imediações e no seguimento da manifestação da Maioria silenciosa no 28 de setembro, contra figuras de direita e/ou associadas ao antigo regime, ou com acusações de sabotagem económica, mas sem que existisse qualquer acusação formal.[14] Prisões que, apesar das críticas, se revigoraram após 11 de março.[15][16]
O seu quartel no Forte do Alto do Duque era um dos seguintes alvos militares da Intentona de 11 de Março de 1975, mas não sofreu mais do que "voos de intimidamento", aos quais os operacionais do COPCON reagiram com disparos.[17][18]
A 12 de março, na embaixada alemã que albergava temporariamente golpistas da GNR, o seu embaixador Fritz Caspari ao sair do edifício é forçosamente travado por uma “multidão em fúria”, que lhe revista o carro. Os militares do COPCON presentes não só não impedem o desacato diplomático, como mantém os passageiros do carro sob mira das suas pistolas-metralhadoras. Sobre o comportamento das tropas do COPCON, o governo viria em tom de desculpa confessar ao embaixador a sua incapacidade de garantir "a obediência das tropas".[19][20]
No mesmo dia, um entrevistador pergunta a Otelo conspirativamente se um "certo senhor ligado ao imperialismo internacional" que tem "agravado as crises portuguesas" e realizado "ataques frontais ao MFA", com veladas referências ao que teria "feito pelos países onde andou", deveria ser deixado actuar livre e "impunemente".[nota 1] Otelo concorda e declara que o governo deveria aconselhar Frank Carlucci, embaixador estado-unidense, a "abandonar o país, até para segurança pessoal", que não a poderia "garantir".[21][22]. Mais tarde, o governo viria a desculpar-se pelas afirmações de Otelo,[23] mas este confirmaria a sua sinceridade em conversa com o próprio embaixador. De seguida, relembrado pelo estado-unidense do seu dever de garantir a segurança pública, destacaria homens do COPCON para a residência de Carlucci.[24]
Famosa, ficou também a prisão de cerca de 400 militantes do MRPP, a 28 de Maio de 1975.[25]
Em agosto de 1975, surge o chamado “Documento dos Nove” também conhecido como "Documento Melo Antunes". Em resposta, com autoria de Mário Tomé, os oficiais do COPCON, ainda com a intervenção, entre outros, de Carlos Antunes e Isabel do Carmo publicaram o documento “Autocrítica revolucionária do Copcon/Proposta de trabalho para um programa político”.[26][27] Este propunha um modelo assente no poder popular basista e viria a ter o apoio do PRP/BR, do MES e da UDP.[28][29]
Cessação de actividade
editarEm setembro de 1975 é esvaziado de funções com a criação do AMI (Agrupamento Militar de Intervenção)[5][30] e em 20 de Novembro, Otelo é substituído no comando da Região Militar de Lisboa por Vasco Lourenço.[31][29]
Além de Otelo, fizeram parte desta organização João Pedro Tomás Rosa (mais tarde administrador da RTP e ministro do Trabalho do VI Governo Provisório)[32] e Eurico Corvacho (comandante da Região Militar do Norte e representante do COPCON no Norte)[33].
Ver também
editarNotas
editar- ↑ Esta teoria fazia alusão às muito remorejadas e então recentemente confirmadas intenções da CIA de assassínio do líder Lumumba no Congo que, vindo de facto a ser eliminado, numa acção que culpabilizou mais tarde com maiores certezas os EUA, a Bélgica e o Reino Unido, foi então rapidamente substituído por Cyrille Adoula, com quem Carlucci tinha feito amizade no seu serviço na embaixada do Congo. Alude também ao facto de haverem membros da CIA a trabalharem na embaixada portuguesa ao serviço de Carlucci, e aos rumores de acordos dos conspiradores com a embaixada e CIA estado-unidenses.
Referências
- ↑ «Cria o Comando Operacional do Continente (COPCON) e define a sua missão». Diário do Governo. 8 de julho de 1974. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ Ramos, Rui (25 de novembro de 2020). «O 25 de Abril só foi em Novembro?». Observador. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ Centro de Documentação 25 de Abril
- ↑ a b «4 — O COPCON será realmente uma «força de choque» ou é antes o braço armado do MFA?». www.marxists.org. Consultado em 12 de novembro de 2024
- ↑ a b «Nomes, siglas e casos para entender um ano decisivo». www.dn.pt. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Graduação de Otelo Saraiva de Carvalho». Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ Comando Operacional do Continente (COPCON), Politipedia, 2012
- ↑ «| Cc | Arquivos». casacomum.org. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Instruções relativas ao processamento militar do pessoal da ex-DGS ou com ela relacionado - Metrópole». 8 de Maio de 1974
- ↑ «O Madeirense Virgílio Varela». DNOTICIAS.PT. Consultado em 12 de novembro de 2024
- ↑ «Declarações de Otelo Saraiva de Carvalho». Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ Carmo, Isabel do (31 de julho de 2021). «Uma rapariga no meio de um velório». PÚBLICO. Consultado em 18 de maio de 2023
- ↑ Matos, Albano (27 de agosto de 2021). «De comandante da revolução a terrorista amnistiado. A vida do mais polémico militar de Abril». www.dn.pt. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ Ferreira, Cristina (16 de abril de 2000). «11 de Março: a economia na mão dos sindicatos». PÚBLICO. Consultado em 22 de julho de 2024
- ↑ «Otelo: uma espécie de Moulinex». Jornal Expresso. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Relatório das Sevícias — Instituto +Liberdade». Mais Liberdade. Consultado em 5 de julho de 2024
- ↑ Noronha, Ricardo (30 de dezembro de 2016). «Anatomia de um golpe de Estado fracassado: 11 de março de 1975». Ler História (69): 71–87. ISSN 0870-6182. doi:10.4000/lerhistoria.2487. Consultado em 3 de outubro de 2023
- ↑ «Boletim Informativo do Movimento das Forças Armadas» (PDF). Rua das Trinas, nº 49, Lisboa: Instituto Hidrográfico. Boletim Informativo do Movimento das Forças Armadas (16). 23 de abril de 1975
- ↑ Louçã, António (2021). «Lisboa, 1975. A correspondência da Embaixada alemã sobre o refúgio concedido a quatro oficiais golpistas». Universidade de Coimbra. Revista Estudos do Século XX (21). Resumo divulgativo
- ↑ Portugal, Rádio e Televisão de (20 de janeiro de 2021). «Como um general golpista se refugiou na Embaixada alemã». Como um general golpista se refugiou na Embaixada alemã. Consultado em 22 de julho de 2024
- ↑ «Conferência de imprensa de Otelo Saraiva Carvalho». Consultado em 11 de julho de 2024
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- ↑ Szulc, Tad (1975). «Lisbon & Washington: Behind the Portuguese Revolution». Foreign Policy (21). 3 páginas. ISSN 0015-7228. doi:10.2307/1148052. Consultado em 11 de julho de 2024
- ↑ «Frank Carlucci (1930-2018): "Se os comunistas têm sido mais inteligentes, teriam conquistado o poder"». Jornal Expresso. Consultado em 11 de julho de 2024
- ↑ «Presos 400 militantes do MRPP». www.cmjornal.pt. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Documento dos Nove | Memórias da Revolução | RTP». Memórias da Revolução. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ Matos, Helena (1 de outubro de 2014). «Sons de Abril». RTP Arquivos. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Documento do COPCON | Memórias da Revolução | RTP». Memórias da Revolução. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ a b Bruno Vieira do Amaral, Judite França, Nelson Ferreira,. «Sabia que existiu um "2.º COPCON"?». Observador. Consultado em 12 de outubro de 2022
- ↑ «Fundação Mário Soares | Aeb | Crono | Id». www.fmsoares.pt. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Vasco Lourenço nomeado para o comando da RML | Memórias da Revolução | RTP». Memórias da Revolução. Consultado em 28 de março de 2022
- ↑ «Eu! Enforcava-os já!», Relatos da prisão, Abril ,,,prisões milǃ, por José Manuel Santos Costa
- ↑ Morreu Eurico Corvacho, antigo militar de Abril, DN, Lusa, 22 de Dezembro de 2011
Bibliografia
editar- Redacção QuidNovi, com coordenação de José Hermano Saraiva, História de Portugal, Volume X, Ed. QN-Edição e Conteúdos,S.A., 2004