Crócota
O crócota (ou corócota, crocuta, leucrócota ou iena), é um cão-lobo mítico da Índia ou da Etiópia, associado à hiena e que, segundo as lendas, era inimigo mortal dos homens e dos cães.
Menções antigas
editarEstrabão, que usa a palavra crocuttas (vertido como "crócutas"), descreve a fera como a cria entre um lobo e um cão (Geografia, XVI.4.16).
Plínio, em História Natural (VIII.72 e 107), teoriza o crócota como um híbrido do cão com o lobo, ou da hiena com o leão. Da hiena, Plínio escreve que "entre o povo, acredita-se que é bissexual, e torna-se macho e fêmea em anos alternados, que quando fêmea pode gerar prole sem intercurso com um macho" e que "espreita os casebres de pastores para aprender a imitar a fala humana, e depois finge ser um deles, a fim de chamar um dos outros porta afora para despedaçá-lo; também emula os enfermos, para atrair os cães selvagens e assim atacá-los; também é dito que esse animal só escava cadáveres; que fêmeas raramente caem nas armadilhas; que têm olhos com míriades de cores; que, além disso, emudece os cães quando sua sombra cai sobre eles; e que conhece certas artes mágicas para fazer com que todos os animais que o olharem três vezes fiquem enraizados no local. Quando se cruza com este gênero de animais, a leoa etíope dá à luz o corócota, que imita a voz em semelhança a de homens e animais. Tem uma crista óssea contínua em cada maxilar, formando um dente contínuo sem gengiva."
Plínio (VIII.72-73) também tece sobre outra criatura parecida com uma hiena, o leucrócota, que descreve como "o mais rápido de todos os animais, com o tamanho de um burro, pernas de veado, pescoço, cauda e peito de leão, cabeça de texugo, cascos fendidos, bocarra de ouvido a ouvido e uma placa óssea no lugar de fileiras de dentes — diz-se que consegue emular as vozes do gênero humano."
O estudioso bizantino Fócio, sintetizando uma obra antiga do grego Ctésias (Indica, L), escreve: "Na Etiópia, há um animal chamado crócota, chamado pelos locais de cinolico [gr. 'kynolykos', "cão-lobo"], cuja força é inacreditável. Diz-se que imita o voz do homem para ludibriá-lo, chamando-o pelo nome durante a noite e devorando-o quando se aproxima. É valente qual um leão, rápido qual um cavalo e forte qual um touro. Não pode ser vencido por qualquer arma de aço."
Cláudio Eliano (ou simplesmente Eliano), no tratado Sobre as Características dos Animais (VII.22), associa especificamente a hiena com o corócota e, mais uma vez, registra a capacidade lendária da criatura de imitar a fala humana. Porfírio, no tratado Sobre a Abstinência de Alimento Animal (III.4), escreve que "a hiena da Índia, chamada de crócota pelo indiano, fala com a mais humana das vozes, sem nunca ter professor, e entiça, para dentro do covil, todo homem a quem sabe que pode facilmente dominar."
Conta-se que crócotas tenham sido usados mais de uma vez para entreter o povo nas arenas romanas: segundo a História Augusta (Pio, X.9), o imperador Antonino Pio financiou um espetáculo com um corócota, provavelmente em comemoração à sua decenácia no ano de 148 d.C. O historiador Dião Cássio (LXXVII.1.3-5), anos depois, credita ao imperador Septímio Severo a proeza de apresentar o crócota a Roma, dizendo que essa "espécie indiana... foi, pois, introduzida em Roma pela primeira vez, até onde sei; tem as cores do leão e do tigre, e as feições de ambas feras, e ainda do cão e da raposa, curiosamente misturados."
Mais tarde, bestiários da Idade Média confundiram estas diversas mênçãos, de modo que a criatura mítica acabou ganhando diferentes nomes e variadas características, tanto reais e inventadas. Dentre essas características nunca encontradas em fontes antigas, estava a ideia de que os olhos do crócota se tornavam pedras preciosas quando arrancados e que davam poderes oraculares a quem as colocasse sob a língua.
Semelhanças com a hiena
editarO nome científico da hiena-malhada (Crocuta crocuta) é inspirado no crócota mitológico, e também há algumas semelhanças na forma como é descrita. Hienas têm dentes e mandíbulas fortíssimas, um metabolismo capaz de digerir ampla gama de alimentos, e são infames por escavar sepulturas atrás de corpos humanos para se alimentar e pelas enervantes vocalizações semelhantes às humanas (como a famosa risada). Folclores locais sobre as hienas muitas vezes dão-lhes poderes, como a mudança de gênero (pois é difícil distinguir delas machos e fêmeas), metamorfose e emulação da voz humana.
Tudo o que embasa as crenças folclóricas em torno da hiena podem ter contribuído para o surgimento do mito do crócota.
Cultura popular
editarO episódio Long Distance Call (terceira temporada, episódio 14) da série de televisão Supernatural, apresenta um crócota de dentes afiados, que se disfarça de ser humano e que utiliza os meios modernos de comunicação (telefones, computadores, etc.) para imitar a voz de pessoas falecidas e convencer os entes queridos delas a se matarem, devorando-lhes a alma logo em seguida.
O escritor argentino Jorge Luis Borges, no Livro de Seres Imaginários, cita e explana sobre o crócota e o leucrócota.