Currículo oculto
O currículo oculto é um conjunto de lições "que são aprendidas, mas não abertamente pretendidas"[1] ensinadas na escola. São normas, valores e crenças transmitidas tanto na sala de aula quanto no ambiente social.[2]
Qualquer tipo de experiência de aprendizado pode incluir lições indesejadas.[1] No entanto, o conceito de currículo oculto geralmente se refere ao conhecimento adquirido especificamente em contextos de escolas primárias e secundárias. Nesses cenários, a escola busca o desenvolvimento intelectual igualitário entre seus alunos,[3] e o currículo oculto refere-se ao reforço das desigualdades sociais existentes por meio da educação de acordo com a classe e a condição social dos alunos. A distribuição do conhecimento entre os alunos é espelhada na distribuição desigual do capital cultural.[4]
O intervalo recreativo entre as aulas é uma parte importante do currículo oculto na escola.[5]
Aspectos da aprendizagem
editarVários aspectos da aprendizagem contribuem para o sucesso do currículo oculto, incluindo práticas, procedimentos, regras, relacionamentos e estruturas sociais.[1] Esses aspectos de aprendizagem específicos da escola podem incluir, mas não estão limitados as estruturas sociais da sala de aula, o exercício de autoridade do professor, o uso da linguagem pelo professor, regras que regem o relacionamento entre professores e alunos, atividades padrão de aprendizado, livros didáticos, recursos audiovisuais, mobiliário, arquitetura, medidas disciplinares, horários e prioridades curriculares.[1] As variações entre esses elementos podem criar as disparidades encontradas ao comparar os currículos ocultos em várias classes e status sociais. "Toda escola é ao mesmo tempo expressão de uma situação política e uma professora de política".[6]
Embora o material real que os alunos absorvem por meio do currículo oculto seja de extrema importância, as pessoas que o transmitem suscitam uma investigação especial. Isso se aplica particularmente às lições sociais e morais transmitidas pelo currículo oculto, pois as características e ideologias morais dos professores e outras figuras de autoridade são traduzidas em suas aulas, embora não necessariamente de propósito.[7]
Heteronormatividade
editarDe acordo com Merfat Ayesh Alsubaie, o currículo oculto da heteronormatividade resulta no apagamento das identidades LGBT no currículo por meio do privilégio das identidades heterossexuais.[8] Para Gust Yep, a heteronormatividade é a "presunção e suposição de que toda experiência humana é inquestionável e automaticamente heterossexual".[9] Leis que proíbem a menção ou o ensino de identidades LGBT são consideradas como reforçadoras do currículo oculto da heteronormatividade.[10][11] Segundo Mary Preston, a falta de educação sexual nas escolas também retira identidades LGBT do currículo explícito e contribui para o currículo oculto da heteronormatividade.[12]
Dependendo da norma cultural da escola, quando alunos estão fora da norma heterossexual, outros alunos e professores podem policiá-los de acordo com as expectativas heteronormativas.[13] C. J. Pascoe disse que o policiamento ocorre por meio do uso de comportamentos de intimidação, como o uso de palavras como "viado, bicha ou sapatão", que são usadas para envergonhar os alunos com identidades desviantes. Pascoe disse que o uso de calúnias LGBT forma um "discurso bicha", sendo que o "discurso bicha" nas escolas defende a heteronormatividade como sagrada, trabalha para silenciar as vozes LGBT e incorpora ideais heteronormativos no currículo oculto[14]
Autismo
editarO termo currículo oculto também se refere ao conjunto de normas e habilidades sociais que os autistas precisam aprender explicitamente, mas que as pessoas neurotípicas aprendem automaticamente, como a teoria da mente.[15] Outro aspecto do currículo oculto frequentemente ensinado a alunos autistas é o de rotular suas emoções em um esforço para ajudar os alunos a evitar a alexitimia.[16]
Função
editarEmbora o currículo oculto transmita muito conhecimento aos alunos, a desigualdade promovida pela disparidade entre classes e status sociais muitas vezes invoca uma conotação negativa. Por exemplo, Pierre Bourdieu afirma que o capital relacionado à educação deve ser acessível para promover o desempenho acadêmico. A eficácia das escolas torna-se limitada quando essas formas de capital são distribuídas de maneira desigual.[17] Visto que o currículo oculto é considerado uma forma de capital relacionado à educação, ele promove essa ineficácia das escolas em decorrência de sua distribuição desigual. Como meio de controle social, o currículo oculto promove a aceitação de um destino social sem promover a consideração racional e reflexiva sobre ele.[18]
De acordo com Elizabeth Vallance, as funções do currículo oculto incluem "a inculcação de valores, a socialização política, o treinamento em obediência e docilidade, a perpetuação das funções tradicionais da estrutura de classe que podem ser caracterizadas geralmente como controle social".[19] O currículo oculto também pode ser associado ao reforço da desigualdade social, evidenciado pelo desenvolvimento de diferentes relações com o capital a partir dos tipos de trabalho e atividades laborais atribuídas aos alunos, variando conforme a classe social de cada um deles.[20]
Embora o currículo oculto tenha conotações negativas, ele não é inerentemente negativo, e os fatores tácitos envolvidos podem potencialmente exercer uma força de desenvolvimento positivo sobre os alunos. Algumas abordagens educacionais, como a educação democrática, buscam ativamente minimizar, tornar explícito e/ou reorientar o currículo oculto de forma que tenha um impacto positivo no desenvolvimento dos alunos. Da mesma forma, nas áreas de educação ambiental e educação para o desenvolvimento sustentável, tem havido alguma defesa do currículo oculto para tornar os ambientes escolares mais naturais e sustentáveis, de modo que as forças tácitas de desenvolvimento que esses fatores físicos exercem sobre os alunos possam se tornar fatores positivos em seu desenvolvimento como cidadãos.[21][22]
Ensino superior e acompanhamento
editarEnquanto os estudos sobre o currículo oculto se concentram principalmente no ensino fundamental e médio, o ensino superior também sente os efeitos desse conhecimento latente. Por exemplo, preconceitos de gênero tornam-se presentes em campos de estudo específicos; a qualidade e as experiências associadas à educação anterior tornam-se mais significativas; e as diferenças de classe, gênero e raça tornam-se mais evidentes nos níveis mais altos de educação.[23]
Referências
editar- ↑ a b c d Martin, Jane. "What Should We Do with a Hidden Curriculum When We Find One?" The Hidden Curriculum and Moral Education. Ed. Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 1983. 122–139.
- ↑ Giroux, Henry and Anthony Penna. "Social Education in the Classroom: The Dynamics of the Hidden Curriculum." The Hidden Curriculum and Moral Education. Ed. Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 198 100–121.
- ↑ Cornbleth, Catherine. "Beyond Hidden Curriculum?" Journal of Curriculum Studies. 16.1(1984): 29–36.
- ↑ Apple, Michael and Nancy King. "What Do Schools Teach?" The Hidden Curriculum and Moral Education. Ed. Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 1983. 82–99.
- ↑ Kaggelaris, N. - Koutsioumari, M. I. (2015), "The breaktime as part of the hidden curriculum in Public High School", Pedagogy theory & praxis 8 (2015): 76-87 .
- ↑ Great Atlantic and Pacific School Conspiracy (Group) (1972). Doing your own school: a practical guide to starting and operating a community school. [S.l.]: Beacon Press. ISBN 978-0-8070-3172-8. Consultado em 26 de maio de 2013
- ↑ Kohlberg, Lawrence. "The Moral Atmosphere of the School." The Hidden Curriculum and Moral Education. Ed. Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 1983. 61–81.
- ↑ Alsubaie, Merfat Ayesh (2015). «Hidden Curriculum as One of Current Issue of Curriculum» (PDF). Journal of Education and Practice
- ↑ Yep, Gust (2002). «From homophobia and heterosexism to heteronormativity». Journal of Lesbian Studies. 6 (3–4): 163–76. PMID 24804596. doi:10.1300/J155v06n03_14
- ↑ Chesir-Teran, Daniel (2009). «Heterosexism in high school and victimization among lesbian, gay, bisexual, and questioning students». Journal of Youth and Adolescence. 38 (7): 963–975. PMID 19636739. doi:10.1007/s10964-008-9364-x
- ↑ «"No Promo Homo" Laws». GLSEN (em inglês). Consultado em 23 de abril de 2018
- ↑ Preston, Mary (2016). «They're just not mature right now': teachers' complicated perceptions of gender and anti-queer bullying». Sex Education. 16: 22–34. doi:10.1080/14681811.2015.1019665
- ↑ Puchner, Laurel (2011). «The right time and place? Middle school language arts teachers talk about not talking about sexual orientation». Equity and Excellence in Education. 44 (2): 233–248. doi:10.1080/10665684.2011.563182
- ↑ Pascoe, C.J. (2005). «'Dude, you're a fag': Adolescent masculinity and the fag discourse». Sexualities. 8 (3): 329–346. doi:10.1177/1363460705053337
- ↑ Endow, Judy (2010). «Navigating the Social World: The Importance of Teaching and Learning the Hidden Curriculum» (PDF). Autism Advocate. Autism Society. Consultado em 3 de março de 2020
- ↑ Ishaq, Muhammad. «4.1.3 Teaching labeling emotions to label their own». Teaching of Hidden Curriculum to Children with Autism Spectrum Disorder (PDF) (Master's)
- ↑ Gordon, Edmumd W., Beatrice L. Bridglall, and Aundra Saa Meroe. Preface. Supplemental Education: The Hidden Curriculum of High Academic Achievement. By Gordon, Edmumd W., Beatrice L. Bridglall, and Aundra Saa Meroe. Lanham, Maryland: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2005. ix–x.
- ↑ Greene, Maxine. Introduction. The Hidden Curriculum and Moral Education. By Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 1983. 1–5.
- ↑ Vallance, Elizabeth. "Hiding the Hidden Curriculum: An Interpretation of the Language of Justification in Nineteenth-Century Educational Reform." The Hidden Curriculum and Moral Education. Ed. Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 1983. 9–27.
- ↑ Anyon, Jean. "Social Class and the Hidden Curriculum of Work." The Hidden Curriculum and Moral Education. Ed. Giroux, Henry and David Purpel. Berkeley, California: McCutchan Publishing Corporation, 1983. 143–167.
- ↑ Orr, D. (2004). Earth in mind: On education, environment, and the human prospect. Covelo, CA: Island Press
- ↑ Sterling, S. (2001). Sustainable education: Re-visioning learning and change. Devon, UK: Green Books
- ↑ Margolis, Eric, Michael Soldatenko, Sandra Acker, and Marina Gair. "Peekaboo: Hiding and Outing the Curriculum." The Hidden Curriculum in Higher Education. Ed. Margolis, Eric. New York: Routledge, 2001.