Afonso Sanches
D. Afonso Sanches de Portugal (Cerva,[1] antes de 1289[2][3] ou em 24 de maio de 1289 – Escalona, Espanha, 2 de novembro de 1329) foi um nobre trovador, filho bastardo (depois legitimado em 8 de maio de 1304) e predilecto de Dinis I de Portugal, havido de Aldonça Rodrigues de Telha.[4]
Afonso Sanches | |
---|---|
Nascimento | 24 de maio de 1289 Entre Douro e Minho |
Morte | 2 de novembro de 1329 Escalona |
Cidadania | Reino de Portugal |
Progenitores |
|
Filho(a)(s) | João Afonso de Albuquerque |
Irmão(ã)(s) | Constança de Portugal, Afonso IV de Portugal, Pedro Afonso, conde de Barcelos |
Ocupação | trovador, poeta |
Foi senhor de Cerva e de Alburquerque na Estremadura espanhola, sendo seu o castelo onde mais tarde D. Inês de Castro viveu vários anos. Deve-se-lhe a ele e à sua esposa, D. Teresa Martins, a fundação do Convento de Santa Clara de Vila do Conde, onde ambos estão sepultados.[5] Em 1722, foi aberto o processo de beatificação deste casal. Na altura, o frade franciscano Fernando da Soledade escreveu um livro intitulado Memória dos Infantes, a atestar as suas virtudes.
Conflito com D. Afonso IV
editarA Rainha Santa Isabel chamara para a corte todos os filhos do rei, mesmo os bastardos, proporcionando-lhes igual qualidade de educação, tendo por tutor Pero Afonso[2]. Por esta proximidade, e com certeza por outras razões, D. Dinis dedicava a D. Afonso Sanches uma estima especial, a ponto de lhe entregar em 1312 o cargo de mordomo da coroa,[6] quase o equivalente ao cargo de primeiro-ministro na política actual.
Essa relação provocou o violento desagrado do legítimo herdeiro do trono, o infante D. Afonso. O resultado foi uma guerra civil (1322-1324) entre pai e filho. Apesar das várias escaramuças, o ponto máximo deste conflito foi a batalha de Alvalade, que acabou por nunca ocorrer por intervenção da rainha, segundo contam as lendas.
Com a subida ao trono de Afonso IV de Portugal, este exilou o meio-irmão em Castela.[6] O infante trovador ainda tentou manobras políticas e militares para tomar o trono. Depois de várias tentativas de invasão falhadas, uma das mais importantes sendo a de 1326, os irmãos assinaram um tratado de paz.
Faleceu durante o certo de Escalona.
Trovadorismo
editarComo o seu pai, D. Afonso Sanches distinguiu-se também como trovador. O espólio poético que dele chegou até nós encontra-se no Cancioneiro da Biblioteca Nacional e no Cancioneiro da Vaticana, e compõe-se de 15 poemas: uma paralelística perfeita, uma outra cantiga de amigo constituída por uma só estrofe, nove cantigas de amor, uma tenção[nota 1] e três cantigas de escárnio. Várias destas cantigas são muito fragmentárias.
No entanto, não tem sido muito valorizado como trovador e já se escreveu, por exemplo, que só poetava «para alardear prendas de corte»[carece de fontes]. Além disso, o trabalho dos copistas prejudicou-o bastante, como se pode verificar pela comparação das versões das cantigas que possuímos. Mas foi recentemente alvo de uma apreciação francamente positiva:
«A obra poética de Afonso Sanchez apresenta características das mais singulares dentro do âmbito da lírica galaico-portuguesa.»[7] «As nove líricas d’amor inscrevem-se, quanto à textura formal, no número das mais requintadas do género, como exemplos de cantigas de mestria à maneira provençal. Com efeito, os temas, a estrutura métrico-estrófica e a retórica revelam um poeta culto e conhecedor da tradição poética, embora capaz de variações por meio do registo irónico que, na última cantiga, adquire um aberto carácter de troça do formalismo trovadoresco.».[7]
Várias cantigas de amor de Afonso Sanches são agora consideradas de grande qualidade, realçando-se a perfeição da sua tenção com Vasco Martins de Resende, um dos seus escárnios de amor e a paralelística que traz a sua assinatura.
O seu tema quase único era o amor. Um amor no geral sem correspondência, apesar da grande coita (dor de amar e não ser correspondido) que provoca, da sinceridade e empenho com que o vive o trovador. Compreensivelmente, o núcleo principal da sua obra foi constituído pelas cantigas de amor.
A cantiga de amor era uma forma bastante fixa, em certo sentido comparável ao soneto, até no tamanho. Mas ao contrário deste, muito fixo ao nível de versificação e muito livre em relação ao tema, esta cantiga era bastante fixa relativamente ao tema e oferecia certa margem de liberdade ao nível da versificação.
Afonso Sanches tem várias cantigas dentro do esquema da cantiga de amor ao modo provençal; mas tem outras, ditas fragmentárias, que com bastante clareza se afastam dele. As primeiras são em três estrofes de versos decassilábicos, de mestria ou de refrão, de ata-finda ou não, com finda ou sem ela. O trovador mostra saber tirar partido do enjambement, do dobre, dos paralelismos e outras repetições, denotando notável versatilidade, nascida do seu domínio da técnica da cantiga e duma assinalável cultura poética.
Tematicamente, estas cantigas insistem no serviço amoroso. Como é da convenção, o poeta assume uma atitude de grande humildade frente à senhora que, no seu caso, parece ser sempre solteira — refere uma vez «huna donzela que ey por Senhor», outra vez «a donzela/ por que trobei» e, numa cantiga fragmentária de amigo, menciona-se «a donzela por que sempre trobou» certo apaixonado. Tece-lhe o elogio, mas um elogio genérico, sem particularização nem sequer ao nível psicológico-moral, quanto mais a nível físico, como era da norma. O trovador pode dirigir-se à senhora, declarar-lhe a sua «coita mortal», pode defender-se de «muitos» que lhe assacam que ele está a receber favores da amada, mas é sempre uma retórica à volta de uma paixão que não se consuma.
Estes poemas originalmente seriam de grande perfeição formal; nas versões em que chegaram até nós, apresentam às vezes falhas que desmotivam a leitura. As cantigas a que chamam fragmentárias — apesar de, em termos temáticos, terem um evidente fechamento e de as suas estrofes obedecerem, quase sem excepções, ao mesmo esquema rimático e métrico — são, em certo sentido, mais convincentes.
Casamento e descendência
editarDo seu casamento (antes de 1306) com D. Teresa Martins de Meneses (†1350[8]), 5.ª senhora de Alburquerque, Medellín, La Codosera, Jarmelo, etc, filha de D. João Afonso Teles de Meneses,[9] 1.º conde de Barcelos, e de D. Teresa Sanches, filha bastarda do rei Sancho IV de Castela, nasceram três filhos[3], dos quais apenas um atingiu a maioridade:
- D. João Afonso de Albuquerque (circa 1305 – 28 de setembro de 1354), "o do Ataúde" que foi 6.º senhor de Alburquerque, etc.[10]
Notas
- ↑ Composição poética constituída por um diálogo ou discussão entre dois trovadores
Referências
- ↑ Lopes, Eduardo Teixeira (2000). «Mondim de Basto - Memórias Históricas». p. 142
- ↑ a b Pizarro, José Augusto de Sottomayor (1997). Linhagens medievais portuguesas : genealogias e estratégias 1279-1325. Porto: [Edição do Autor]
- ↑ a b SOUSA, António Caetano de (1846). História Genealógica da Casa Real Portuguesa (Tomo I). Coimbra: Atlântida - Livraria Editora, Lda. p. 150
- ↑ Sotto Mayor Pizarro 1997, p. 189, Vol. I.
- ↑ Sotto Mayor Pizarro 1997, p. 192, Vol. I.
- ↑ a b Sotto Mayor Pizarro 1997, p. 190, Vol. I.
- ↑ a b Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Organização e coordenação de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani, Editora Caminho, Lisboa, 1993
- ↑ Cawley, Charles. «Medieval Lands». Foundation for Medieval Genealogy. Consultado em 18 de Abril de 2020
- ↑ Sotto Mayor Pizarro 1997, p. 191, Vol. I.
- ↑ Sotto Mayor Pizarro 1997, p. 193, Vol. I.
Bibliografia
editar- Sotto Mayor Pizarro, José Augusto (1997). Linhagens Medievais Portuguesas: Genealogias e Estratégias (1279-1325. Porto: Tese de Doutoramento, Edição do Autor
- Nicoletta Longo, Dom Afonso Sanchez - Le Poesie, Edizione critica con note e glossario, Bagatto Libri, Roma, 2002