Denunciante (ou delator) é toda pessoa, grupo ou organização que, tendo informações sobre um perigo, risco, má conduta ou atividade ilegal de pessoas, grupos ou organizações expõe publicamente essas informações, esperando iniciar um processo de regulação, controvérsia ou mobilização coletiva. Essa exposição pode ser efetuada para a sociedade civil e a opinião pública, bem como diretamente para as autoridades públicas. A má conduta denunciada pode ser desde a inobservância de uma lei ou outro tipo de norma jurídica ou regulamento, como fraudes, violações à saúde e à segurança de outrem, e corrupção, até ameaças ao interesse público e a valores morais. Os denunciantes podem apresentar as suas denúncias internamente (isto é, para pessoas dentro da organização acusada) ou externamente (aos órgãos públicos reguladores, fiscalizadores e policiais, aos meios de comunicação ou a um grupo da sociedade civil comprometido com o assunto).

O conceito de 'denunciante' não se confunde com o de 'informante' ou delator. O denunciante, na maioria das vezes, age de boa fé e boas intenções: não é movido por interesses pessoais e age para divulgar um fato, uma ameaça ao bem comum, ao interesse público ou geral. Muitas vezes, o denunciante assume riscos reais, em nome da causa que pretende defender e difundir, além de muitas vezes enfrentar prejuízos financeiros, ameaças ou mesmo atentados à sua integridade física ou à de sua família, difamação e manobras jurídico-legais (lawfare), entre outras, por ação da organização ou grupo denunciado. O termo 'denunciante' tem sido usado como tradução mais aproximada do inglês whistleblower, que se refere ao cidadão que faz a denúncia sobre fato criminoso havido em ambiente organizacional - público ou privado - e não observado pelas autoridades fiscalizadoras, seja por negligência ou mesmo envolvimento das próprias autoridades no delito. [1]

Portanto uma 'denúncia' pode ser baseada, no todo ou em parte, em delação, porém a delação e a denúncia não se confundem. A denúncia refere-se a algo que se sabe ser ilegal ou nocivo à sociedade, a uma organização, grupo ou mesmo a um indivíduo. Para denunciar, não é necessário que se esteja infiltrado entre criminosos. Já a delação pode ser precedida de infiltração de um indivíduo entre criminosos, com a finalidade de buscar provas e testemunhar contra os infratores. Porém, comumente, o delator integra de fato a organização criminosa e, posteriormente, vem a delatar seus pares, a fim de defender interesses pessoais, inclusive em processos judiciais, quando a delação pode ser usada como uma estratégia de defesa, a fim de obter redução da pena ou condições mais brandas de detenção, tais como (substituição do encarceramento pela prisão domiciliar etc.). Nesse caso, trata-se da chamada delação premiada, que alguns juristas equiparam às confissões obtidas mediante tortura.[2] No Brasil, tende a se fixar a jurisprudência de que uma denúncia não pode ser fundamentada exclusivamente em delação premiada. [3] Questões sobre a legitimidade das denúncias, a responsabilidade moral das denúncias e a apreciação das denúncias pelas instituições fazem parte do campo da ética do Direito.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, em outros países são comuns as ofertas de grandes recompensas, baseadas tanto na recuperação de ativos quanto na aplicação de multas, em troca de denúncias. O Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, criou o Whistleblower Program, [4] livremente traduzido como 'Programa do Denunciante',[5] em 21 de julho de 2010, através da seção 922 do ato Dodd-Frank. Tal programa chegou a anunciar, em julho de 2017, dois prêmios, sendo um de 1,7 milhão e outro de 2,5 milhões de dólares, para o servidor público que oferecesse, à Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos, denúncia capaz de suscitar uma investigação.

Também a Commodity Futures Trading Commission (CFTC),[6] agência federal norte-americana que regula o mercado de commodities, oferece ao denunciante que der ensejo a uma ação que resulte em mais de 1 milhão de dólares, em multas, uma quantia correspondente a até 30% sobre o valor de cada sanção penal aplicada. O capítulo 165 - Regras do denunciante, da norma 17 do Código de Regulamentos Federais, regulamenta o Commodity Exchange Act.

No Brasil

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No Brasil, são aplicáveis normas internacionais que protegem o trabalhador público ou da iniciativa privada contra represálias de seus superiores por atos de denúncia. Trata-se da Convenção de Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, firmada em 1997 e promulgada no Brasil em 2000, e da Recomendação Anticorrupção do Conselho para o Combate à Corrupção em Transações Comerciais Internacionais, de 2009.[7]

Outras normas internacionais aplicáveis no Brasil são a Convenção Interamericana contra a Corrupção (ou Convenção de Caracas), de 1996 (Organização dos Estados Americanos), e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ou Convenção de Mérida), de 2003 (Organização das Nações Unidas).[7]

Além disso, a Lei de Acesso à Informação - LAI, de 2011, alterou o estatuto dos servidores públicos federais para isentá-los de qualquer punição pelo ato de fazerem denúncia de crimes ou de atos de improbidade administrativa. Há controvérsias a respeito das alterações promovidas pela LAI, no entanto, e o especialista em inteligência estratégica Jacinto Murowaniecki, autor do indexador Duraverum[8] e, ele próprio, um denunciante, tendo sido vítima de assédio moral por tal atuação, considera esses mesmos dispositivos legais como uma armadilha. Outros diplomas legais brasileiros que se referem ao dever de denunciar e à proteção do denunciante são os seguintes: Código de Processo Penal, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa, Lei da Ação Popular, Lei do Abuso de Autoridade, Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e Lei de Proteção às Testemunhas.[9][7]

Alguns denunciantes famosos

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Alemanha

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Austrália

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Bielorrússia

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Canadá

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Estados Unidos

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Mark Felt (Deep Throat), whistleblower do caso Watergate.

Federação Russa

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Filipinas

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Israel

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Japão

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  • Aaron Westrick

Polónia

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Portugal

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Reino Unido

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Suiça

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Referências

  1. Whistleblower - O cidadão que tantos temem
  2. Jusbrasil. Aceitar a delação premiada como prova legaliza a tortura cometida por juízes. Acesso em 26 de outubro de 2017.
  3. STJ: Denúncia não pode ser fundamentada exclusivamente em colaboração premiada. Por Rogério Sanches Cunha. Meu site jurídico, 23 de abril de 2019.
  4. The Whistleblower Program
  5. O termo whistleblower significa, literalmente, 'tocador de apito', no sentido de 'aquele que dá o alarme'.
  6. U.S. Commodity Futures Trading Commission
  7. a b c Mota Junior, João Francisco da (2012). «A Proteção do Servidor Público Denunciante (Whistleblower): Um enfoque na recente tutela jurídica brasileira» (PDF). La Molina, Lima, Peru. Derecho y Cambio Social (30). ISSN 2224-4131. Consultado em 30 de julho de 2014 
  8. Murowaniecki, Jacinto. «Indexador Dura Verum, Sed Verum». Indexador Dura Verum. Consultado em 23 de setembro de 2017 
  9. Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.
  10. «Edward Snowden: the whistleblower behind the NSA surveillance revelations». The Guardian 
  11. Smith, David (2 de abril de 2022). «'They called her crazy': Watergate whistleblower finally gets her due». The Guardian (em inglês). ISSN 0029-7712 
  12. Kohn, Stephen (2017). «RULE 17 Beware of "Hotlines"». The New Whistleblower's Handbook. [S.l.]: Lyons Press 
  13. Gillam, Carey (12 de setembro de 2021). «'The harm to children is irreparable': Ruth Etzel speaks out ahead of EPA whistleblower hearing». The Guardian (em inglês). ISSN 0261-3077 
  14. «Top dissident Iranian cleric dies». BBC News (em inglês). 20 de dezembro de 2009 

Bibliografia

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  • Sanjour, William (2013) - From the files of a whistlerblower: Or how EPA was captured by the industry it regulated - Center for Health, Environment & Justice

Ver também

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Ligações externas

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