Direção de ajuste

O termo técnico direção de ajuste ( ) é usado para descrever as distinções que são oferecidas por dois conjuntos relacionados de termos opostos.
O conjunto mais geral de "Mente-ao-Mundo" (ie, "mente-se-ajusta-para-mundo", não "da-mente-para-mundo") versus "Mundo-a-Mente" (isto é, "mundo-se-ajusta-para-mente") usado pelos filósofos da mente, e o conjunto, mais específico, a "palavra-ao-mundo" (ie, "palavra-se-ajusta-para-mundo") versus mundo a palavra (ou seja, "mundo-se-ajusta-para-palavra") usada pelos defensores da teoria dos atos da fala.[1]
[2][3]

Searle defende que todos estados intencionais que tem uma direção-de-ajuste são representações de suas condições de satisfação. As crenças, desejos, esperanças, medos e intenções são todos representações de suas condições de satisfação e atraves delas que a mente humana se relaciona com o mundo exterior. Os estados mentais intencionais representam condições de satisfação.[4]

Na filosofia da mente, uma crença tem uma direção de ajuste "Mente-ao-Mundo". Uma crença (que "p", por exemplo) descreve o mundo como estando em uma situação de tal modo que "p" é verdadeiro. Crenças, alguns filósofos têm argumentado, têm por objetivo serem verdadeiras e assim visam se ajustarem o mundo. A crença é satisfeita quando ele se adapta e reflete a realidade no mundo.

Um desejo, por outro lado, normalmente expressa um estado intencional das coisas ainda a serem concretizadas e por isso tem um sentido de ajuste "Mundo-a-Mente". Um desejo que "p", ao contrário de uma crença, não descreve o mundo como sendo o estado "p", mas sim, expressa um desejo que o mundo seja tal que "p" é verdadeiro. O desejo é um estado mental que é satisfeito quando o mundo se ajusta a ele.[5]

Não somente na Filosofia da mente a direção de ajuste é um conceito importante, também na Filosofia da linguagem a direção de ajuste é importatíssima para se entender a essência e natureza dos fenômenos lingüísticos, pois a direção de ajuste dos atos ilocucionários[6] refere-se à relação entre a linguagem e a realidade, as palavras e o mundo por elas referido.[7][8]

Segundo John Searle, os atos ilocucionários com propósito declaratório têm esse duplo ajuste e atos ilocucionários têm direção de ajuste nula. Em síntese, Searle diz, que há quatro e tão-somente quatro direções de ajuste:

  • direção de ajuste palavra-mundo — a proposição tem de corresponder a um independente estado de coisas no mundo, são seus exemplos relatos, descrições, hipóteses, predições, promessas;
  • direção de ajuste mundo-palavra — o mundo é alterado para se ajustar ao conteúdo da proposição, sendo seus exemplos ordens, comandos, súplicas, pedidos;
  • direção de ajuste dupla — o mundo é alterado para se ajustar ao conteúdo proposicional que por sua vez representa o mundo como sendo alterado, são seu exemplo declarações;
  • direção de ajuste nula — não há intenção de realizar nenhum ajuste porque o propósito do ato é simplesmente expressar a atitude do falante em relação ao estado de coisas representado pela proposição ou suspender a relação entre linguagem e realidade, em comum acordo com o ouvinte. Exemplos dessa direção são as expressões de felicidade ou de raiva, ou as ficções.[9] [10]

Um exemplo constantemente citado por Searle foi escrito por Elizabeth Anscombe[11]:

Suponhamos que um homem vá ao supermercado com uma

lista de compras feito por sua esposa, onde estão escritas as palavras “feijão, manteiga, toucinho e pão”. Suponhamos que, enquanto anda pelo supermercado com seu carrinho, selecionando esses itens, seja seguido por um detetive, que anota tudo que ele pega. Ao saírem da loja, comprador e detetive terão suas listas idênticas.
No entanto, a função das duas listas será bem diferente. No caso do comprador, o propósito da lista é, por assim dizer, levar o mundo a corresponder às palavras; ele deve fazer com que a lista se ajuste às ações do comprador.
Isso também pode ser demonstrado através da observação do papel do “erro” nos dois casos. Se o detetive chegar em casa e de repente se der conta de que o homem comprou costeletas de porco em vez de comprar toicinho, poderá simplesmente apagar a palavra “toicinho” e escrever “costeletas de porco”.

Entretanto, se o comprador chegar em casa e a esposa lhe chamar a atenção para o fato de ter comprado costeletas de porco em vez de toucinho, ele não poderá corrigir o erro apagando “toucinho” da lista e nela escrevendo “costeletas de porco”.

Nesse exemplo, Searle demonstra que ambas as listas são o conteúdo proposicional, porém, de diferentes atos ilocucionários.[12] A forma pela qual esse conteúdo se relacionará com a realidade dependerá da força ilocucionária, e a diferença é quanto à direção-de-ajuste.
A lista do detetive tem a direção-de-ajuste palavra-ao-mundo, e a lista do comprador tem a direção-de-ajuste mundo-a-palavra.[13][14][15]

Ver também

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Referências

  1. Austin, J.L., "How to Talk: Some Simple Ways", Proceedings of the Aristotelian Society, Vol.53, (1953), pp.227–246.
  2. Anscombe, G.E.M., Intention (Second Edition), Basil Blackwell, (Oxford), 1963 (first edition 1957).
  3. Austin, J.L., "How to Do Things With Words": The William James Lectures Delivered at Harvard University in 1955, Oxford University Press, (Oxford), 1962.
  4. "Intencionalidade" - ISBN 85-336-0425-4, 85-336-1723-2 (Intentionality: An Essay in the Philosophy of Mind - 1983)
  5. Humberstone, I.L., "Direction of Fit", Mind, Vol.101, No.401, (January 1992), pp.59–83.
  6. Atos de Fala e Ações Sociais: sobre a distinção entre Ilocuções e Perlocuções na Teoria do Agir Comunicativo' por Marina Velasco
  7. AUSTIN, J. L., How to do things with words, Oxford UP, 1986.
  8. BAURMANN, Michael, "Understanding as an Aim and Aims of Understanding", in SEEBASS, G.& TUOMELA, R., Social Action, Dordrecht, Reidel Publishing Company, 1985.
  9. CAMPOS, Maria Henriqueta Costa (2004), “A Modalidade Apreciativa: Uma Questão Teórica”, em Fátima Oliveira / Isabel Margarida Duarte (orgs.) Da língua e do Actos Ilocutórios Expressivos em Português 126 discurso. Porto: Campo das Letras, pp. 265-282.
  10. CASANOVA, Isabel (1990), Actos Ilocutórios Directivos: A Força do Poder ou o Poder da Persuasão. Tese de Doutoramento. Lisboa: Universidade de Lisboa.
  11. "On Practical Inference" G. E. M. Anscombe (1963, §32).
  12. ALONSO-CORTÉS, Ángel (1999), “Las construcciones exclamativas. La interjección y las expresiones vocativas”, in Ignácio Bosque e Violeta Demonte, Gramática descriptiva de la lengua española. Publicação Madrid: Editorial Espasa Calpe, pp: 3993-4050.
  13. “These three dimensions – illocutionary point, direction of fit and sincerity condition – seem to me the most important, and I will build most of my taxonomy around them” Seale, (1979: 5)
  14. SEARLE, John R. (1979), Expression and Meaning. Studies in the Theory of Speech Acts. Cambridge: Cambridge University Press.
  15. VALENTIM, Helena (2007), “Modos gramaticais e modalidades. Algumas particularidades do Português Europeu”, in Diálogos com a Lusofonia, Colóquio comemorativo dos 30 anos da secção Portuguesa do Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Universidade de Varsóvia (10 e 11 de Dezembro de 2007, Universidade de Varsóvia, Livro das Actas), pp. 472-490, disponível em http://iberystyka-uw.home.pl/pdf/Dialogos-Lusofonia/Coloquio_ISIiIUW_34_VALENTIM-Helena_Modos-gramaticais-e-modalidades.pdf[ligação inativa] (consulta em 14-9-2011)
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