Escândalo de Hwang
O Escândalo de Hwang ou Hwanggate foi uma fraude científica com ampla repercursão internacional, envolvendo o veterinário sul-coreano Hwang Woo-suk, que teve artigos científicos revisados, aceitos e publicados pela revista Science em 2004 e 2005, em que afirmara ter clonado células-tronco embrionárias humanas.[1][2][3]
Antes da fraude ter sido descoberta, Hwang era tido como um herói nacional devido a suas supostas descobertas revolucionárias,[4][5] recebendo fama e prestígio internacionais,[6][7] a revista Time listando-o como uma das pessoas de maior destaque no ano de 2004.[8][9] O escândalo veio a tona no final de 2005, quando surgiram questionamentos sobre a origem dos ovócitos usados na pesquisa. Denúncias e investigações subsequentes demonstraram que Hwang e seu grupo de pesquisa haviam forjado os dados, fato que ele admitiu ao final de 2006, momento em que a revista Science retraíu as publicações.[10]
Em 2009, Hwang foi sentenciado a dois anos de prisão por fraude e corrupção.[11] O escândalo Hwang foi um dos casos de fraude científica mais noticiados no mundo, relatado à época como "uma das fraudes mais decepcionantes da história da ciência".[3][12] Cumprida a pena, Hwang segue trabalhando na área com parceria de um laboratório chinês, mas não se envolve mais com clonagem humana.[13]
História
editarAntecedentes
editarHwang Woo-suk era um veterinário que em 1993 realizou a primeira fertilização in vitro de vacas.[14] Em 1999, tornou-se notório por afirmar ter clonado uma vaca leiteira chamada Yeongrong-i, e, alguns meses mais tarde, uma vaca coreana chamada Jin-i ou Yin-i.[5] No ano seguinte, anunciou estar preparando a clonagem de um tigre siberiano.[5] Apesar do tigre não ter sido clonado, Hwang recebeu ampla cobertura midiática pela tentativa. Em 2002, anunciou ter criado porcos modificados geneticamente,[3] e em 2003 anunciou que teria clonado um bovino resistente à doença da vaca louca.[15] Céticos questionaram os anúncios de Hwang devido a ausência de artigos científicos para suportar suas alegações.[14]
Artigo de 2004
editarEm 2004, Hwang afirmou ter clonado um embrião humano,[8][16] escrevendo um artigo científico detalhando esse feito que foi revisado por pares e publicado pela revista Science, em 12 de março, sob o título "Evidence of a pluripotent human embryonic stem cell line derived from a cloned blastocyst."[17] A clonagem de um embrião humano era um fato relevante devido ao potencial das células tronco extraídas dele para reparar tecidos danificados.[18] O time de Hwang teria desenvolvido um novo método de transferir o conteúdo de células somáticas para o núcleo de ovócitos que se assemelhava ao uso de hashis coreanos,[19] e atribuiu o suposto sucesso de sua pesquisa ao ambiente cultural e ao amplo financiamento público de sua pesquisa.[20][21][17] Teria sido o primeiro clone de um embrião humano.[21]
Artigo de 2005
editarEm 2005 Hwang e seu time escreveram um novo artigo que foi aceito pela revista Science após revisão por pares.[22] Nele, o método de clonagem teria sido ainda mais eficiente do que no artigo publicado no ano anterior, reduzindo o número de ovócitos necessários. O artigo também afirmava que os ovócitos teriam sido doados voluntariamente por mulheres, não havendo compensação financeira.[23][22]
Descoberta da fraude
editarEm maio de 2004, a revista Nature questionara a natureza voluntária da doação dos ovócitos pelas mulheres que participaram da pesquisa.[24] Investigações subsequentes descobriram que Hwang havia coagido subordinadas do trabalho a doarem ovócitos e pagado pela doação de outras mulheres. A partir disso e de denúncias anônimas na internet, descobriu-se que os dados publicados pela revista Science foram simplesmente fabricados por Hwang e seu time, com fotos de células tronco presentes no artigo tendo sido copiadas, rotacionadas, e coladas, para aumentar o número de células obtidas. Em dezembro de 2005, um painel montado por uma universidade sul-coreana determinou que todas células publicas no artigo foram forjadas a partir de células não clonadas.[25] A revista Science retraiu ambos artigos de Hwang após as investigações.[26][27]
Após a fraude
editarEm 2009, Hwang foi sentenciado a dois anos de prisão por fraude e corrupção.[11] O escândalo Hwang foi um dos casos de fraude científica mais noticiados no mundo, relatado à época como "uma das fraudes mais decepcionantes da história da ciência".[3][12]
Apesar da fraude envolvendo embriões humanos, o time de Hwang foi comprovadamente o primeiro a clonar um cachorro, chamado Snuppy.[28]
Cumprida a pena, Hwang segue trabalhando na área com parceria de um laboratório chinês, mas não se envolve mais com clonagem humana.[13]
Referências
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