Feminismo analítico
O feminismo analítico é uma linha do corrente filosófica que aplica conceitos e métodos analíticos a questões e percepções feministas. Como todas as formas de feminismo, o seu objectivo é reconhecer e contestar o sexismo e androcentrismo.[1] É considerada uma subcategoria da filosofia analítica.
História
editarO termo “feminismo analítico” remonta ao início da década de 1990, quando a Sociedade para o Feminismo Analítico (Society of Analytical Feminism) foi criada na Universidade de Massachusetts Lowell,[2] tendo sido cunhado com o propósito de se criar uma vertente onde era possível explorar, discutir e examinar questões relativas ao feminismo de forma analítica, em parte para contrastar as influências mais prevalecentes do pós-modernismo e do pós-estruturalismo, para além de demonstrar que a filosofia analítica não é inerentemente ou irremediavelmente tendenciosa pelos e para os homens. As feministas analíticas tentam assim reabilitar certos conceitos-chave, como verdade, razão, objectividade, agência e autonomia, tanto porque são normativamente convincentes como, de certa forma, libertadores e empoderadores. Não se limitando a estes conceitos, o feminismo analítico contribuiu para a arena histórica da filosofia analítica, como a filosofia da linguagem, a epistemologia, a metafísica e a filosofia da ciência.[3]
Em 1995, a revista filosófica norte-americana Hypatia publicou uma edição especial,[4] esclarecendo o significado do feminismo analítico no contexto analítico anglo-americano dominante e no campo de posições filosóficas feministas. Nessa edição, autoras como Ann Cudd, então membro da Universidade de Kansas, Ann Garry, da California State University Los Angeles, e Lynn Hankinson Nelson, da Universidade de Washington, exposeram a problemática que o feminismo analítico não era geralmente reconhecido, sendo até depreciado, não apenas pelos analistas filósofos, mas também pela agenda acadêmica, inclusive pela secção feminista.[5] Considerado uma subcategoria da filosofia analítica e do feminismo, o feminismo analítico reconhece as tradições filosóficas de ambos os campos, ao mesmo tempo que aborda questões proeminentes dentro desses campos.
Abordagem filosófica
editarO feminismo analítico, conforme definido por Ann E. Cudd, "sustenta que a melhor forma de combater o sexismo e androcentrismo é através da formação de uma concepção clara e da busca pela verdade, consistência lógica, objetividade, racionalidade, justiça e o bem, ao mesmo tempo que reconhece que essas noções foram frequentemente pervertidas pelo androcentrismo ao longo da história da filosofia." (1996: 20), fazendo uso não só da literatura tradicionalmente considerada como filosofia analítica, mas também de outras tradições filosóficas, bem como do trabalho de feministas que exploram campos científicos, como a sociologia e a biologia. A grande maioria dos filósofos analíticos, valoriza a clareza e a precisão no argumento, tendendo a usar análises lógicas e linguísticas mais rigorosamente estruturadas para chegar às suas conclusões e posições em comparação com outras abordagens filosóficas.
Neste campo, existe quase sempre um esforço acrescido e consciente para usar a palavra "analítico" ou "analítica", devido ao falso pressuposto de que em alguns campos filosóficos o trabalho feminista está ligado a outros tipos e métodos de filosofia, ao passo que, após revisão, grande parte do trabalho no feminismo está na realidade mais próximo do método das convenções analíticas.[6]
De acordo com os seus estudiosos, o melhor método para se combater o sexismo e o androcentrismo nas suas respectivas áreas de investigação é formar uma concepção clara e praticar a consistência lógica e neutral.[7]
Conceitos
editarEmbora o feminismo analítico retenha apenas alguns conceitos tradicionais, não é doutrinário. Existe, no entanto, a partilha de um "desejo central" em vez de um princípio fundamental, isto é, a necessidade de se apegar a um número suficiente das noções normativas essenciais da tradição europeia moderna para ajudar no tipo de normatividade, o que é necessário tanto para a teoria política feminista quanto para a filosofia.[8]
Parte do seu estudo, baseia-se, também, na concepção de uma filosofia apoiada pela construção de "pontes" entre diferentes tipos de estudos e filosofias, sejam tradicionais, científicos ou sociais.[9]
Um princípio do feminismo analítico sustenta que, se as posições dos filósofos são aplicáveis universalmente, estas devem ser utilizáveis tanto por homens como por mulheres, e numa série de situações sociais. Esta é a base para o que pode ser considerado a reconstrução da filosofia através do feminismo analítico. Esta abordagem tenta assim limitar a criação de áreas ou categorias de filosofia que se apliquem a apenas um determinado género, tornando-se na tentativa de se criar algo que se aplique a “todos” (homens e mulheres) em vez de apenas “alguns”, utilizando exemplos específicos de tópicos como a ética feminina, ética ginocêntrica ou a ética lésbica. A base desta abordagem universal resultaria numa ética feminista analítica, cuja metafísica criaria e estabeleceria um novo critério de adequação para os campos da ética e da metafísica. O objetivo de Miranda Fricker e Jennifer Hornsby, editoras do The Cambridge Companion to Feminism in Philosophy, é incluir esta posição na corrente principal da disciplina (Fricker e Hornsby 2000).
Sem se basear na abordagem de quaisquer características “essenciais”, sejam elas experiências, interesses ou antecedentes, o feminismo analítico permite manter o nível de importância de uma variedade de perspectivas, ao mesmo tempo que elabora uma teoria “funcional”.
Há uma variedade de abordagens em relação à reconstrução da filosofia dentro do feminismo analítico. Alguns filósofos, como Bailey (Bailey 2010) e Gary (Garry 2012), incluem o uso da interseccionalidade na sua abordagem. Miranda Fricker (2007) e Kristie Dotson (2011) fazem uso do conceito de Privilégio (desigualdade social) nos seus, particularmente no que diz respeito à ignorância epistêmica e à injustiça epistêmica.[10] Em 2018, Alice Crary criticou algumas dessas tendências recentes do feminismo analítico.[11]
Referências
editar- ↑ Ann E. Cudd. «One Woman's Attempt at a Definition». Arquivado do original em 24 de março de 2012
- ↑ Norco College - Riverside Community College District. «Society for Analytical Feminism»
- ↑ Monash University Publishing. «History of Analytical Feminism»
- ↑ «Hypatia-Special Issue: Analytic Feminism-August 1995». Hypatia. 10 (3). 1995. doi:10.1111/hypa.1995.10.issue-3
- ↑ Alessandra Allegrini. «THE NATURALISM QUESTION. HOW TO RE-THINK THE ANALYTIC – CONTINENTAL DICOTHOMY FROM A FEMINIST EPISTEMOLOGICAL PERSPECTIVE». Consultado em 14 de junho de 2011. Arquivado do original em 28 de setembro de 2011
- ↑ Brennan, Samantha J.; Superson, Anita M. (2005). «Hypatia». Hypatia: A Journal of Feminist Philosophy (Indiana University Press): 1–9. ISSN 0887-5367
- ↑ bookrags. «Analytic Feminism»
- ↑ Nelson, Jack; Nelson, Lynn Hankinson (2003). Feminist Interpretations of W. V. Quine 2003 ed. [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-271-02295-6
- ↑
Moulton, Janice (1989). Women, knowledge, and reality: explorations in feminist philosophy 1996 ed. [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-415-90712-5 Verifique o valor de
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(ajuda) - ↑
Garry, Ann (September 2010). «Analytic Feminism». The Stanford Encyclopedia of Philosophy Spring 2011 ed. [S.l.: s.n.] ISBN 978-1-158-37777-0 Verifique data em:
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(ajuda) - ↑ Crary, Alice. "The methodological is political: What’s the matter with ‘analytic feminism’?" Radical Philosophy RP 2.02, June 2018