Figuras de cogumelos de Tassili
As popularmente chamadas figuras de cogumelos de Tassili são petróglifos e pinturas rupestres do neolítico descobertos em Tassili n'Ajjer, Argélia, que contém características que se assemelham a cogumelos. Com hipótese de datarem até a 7000–5000 a.C., são consideradas por alguns pesquisadores figuras que contém conotação xamânica e uma das evidências mais significativas para dados etnomicológicos.[3] É possivelmente o mais antigo exemplo de arte rupestre utilizado para a alegação do uso ritual de fungos na pré-história, com Tassili sendo o primeiro sítio que pode provavelmente conter representações do gênero Psilocybe (o segundo exemplo é no sítio arqueológico espanhol de Selva Pascuala).[4] No entanto, as interpretações dos desenhos de Tassili são contestadas e não se sabe se representam de fato cogumelos, nem elementos naturais ou culturais específicos.
História e interpretação
editarA descoberta de arte rupestre pré-histórica no sítio arqueológico de Tassili n'Ajjer ocorreu durante as décadas de 1910, 1930 e 1960.[5] O popularizador dessas figuras em específico foi Henri Lhote (em publicações de 1968, 1973), que as associou a cerimônias xamânicas especializadas, na hipótese de que suas cavernas serviam de santuários sagrados.[3][6] Porém elas já haviam sido descobertas por tuaregues locais e pelo tenente francês Charles Brenans, que documentou algumas das pinturas entre 1933 e 1938. Lhote era membro da equipe de Brenans e reuniu suas anotações. Depois, Lhote retornou ao sítio em novas expedições, entre 1956 e 1962; Jean-Dominique Lajoux foi um fotógrafo das expedições de Lhote no Saara.[6][7] A abordagem descritiva de Lhote foi criticada por reduzi-las a uma interpretação religiosa e por popularizar entre os arqueólogos termos como "marcianos" ou "Grandes Deuses" para se referir às figuras de cabeça redonda em Tassili.[7]
O tipo de silhueta semelhante a cogumelo foi interpretada de várias formas por pesquisadores, como ponta de flecha, remo (segundo o etnógrafo Fabrizio Mori, 1975), um vegetal (provavelmente uma flor, segundo Henri Lhote) ou um símbolo enigmático indefinido.[1] Em um dos painéis, várias figuras antropomórficas mascaradas parecem estar dançando e segurando cogumelos.[1][3][8] Uma publicação pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos reconheceu que "o mais antigo petróglifo conhecido representando o uso de cogumelos psicoativos vem dos abrigos rochosos em Tassili n'Ajjer" e que "Postula-se que os cogumelos representados no “xamã do cogumelo” são cogumelos Psilocybe".[9][10] Outros desenhos com características no formato de cogumelos aparecem em petróglifos da região.[1][3]
O etnobotânico[11] Giorgio Samorini caracterizou-as como provavelmente a evidência física mais antiga de práticas enteomicológicas (o uso de cogumelos psicodélicos), refletindo estados alterados de consciência e rituais de dança, conforme a postura de certas figuras. O micologista Gastón Guzmán considera que os cogumelos da figura são da espécie PsiIocybe mairei, mas também se assemelham a outros cogumelos africanos da região, como P. cubensis, P. aquamarina and P. natalensis.[3][12]
No entanto, há estudos recentes de acadêmicos da arte rupestre que questionam o paradigma xamanístico e as supostas interpretações de que determinadas características das imagens ilustrariam categorias antropológicas preexistentes, supondo uma aplicação universal para culturas diferentes.[7] O etnomicólogo Brian Akers (PhD) diz que não é certo se as figuras de Tassili são as mais antigas a representar cogumelos, nem quanto à datação e revisão por pares científicos, nem em relação ao estilo, que está longe de ser naturalista e pode ser abstrato. Ele afirma que as artes de Tassili se tornaram ícones da psicodelia da década de 90 na cultura popular e foram objetos de teorias marginais como a "Teoria do Antigo Psiconauta" e a dos antigos astronautas.[13]
Referências
- ↑ a b c d e Samorini, Giorgio (1992). «The oldest representations of hallucinogenic mushrooms in the world (Sahara Desert, 9000-7000 BP)». Integration (2 e 3). Cópia arquivada em 21 de julho de 2023
- ↑ McKenna, Terence (1992). Food Of The Gods: The Search for the Original Tree of Knowledge (em inglês). [S.l.]: Ebury Publishing. p. 72.
The bee-faced mushroom shaman of Tassili-n-Ajjer. Drawing by Kat Harrison-McKenna
- ↑ a b c d e Winkelman, Michael (1 de junho de 2019). «Introduction: Evidence for entheogen use in prehistory and world religions». Journal of Psychedelic Studies (em inglês). 3 (2): 43–62. doi:10.1556/2054.2019.024
- ↑ Akers, Brian P.; Ruiz, Juan Francisco; Piper, Alan; Ruck, Carl A. P. (17 de fevereiro de 2011). «A Prehistoric Mural in Spain Depicting Neurotropic Psilocybe Mushrooms?». Economic Botany (2): 121–128. ISSN 0013-0001. doi:10.1007/s12231-011-9152-5
- ↑ «Tassili-n-Ajjer». Encyclopædia Britannica
- ↑ a b Bahn, Paul G. (21 de junho de 2010). Prehistoric Rock Art: Polemics and Progress (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press
- ↑ a b c Honoré, Emmanuelle (3 de março de 2021). «An ontological approach to Saharan rock art». In: Abadía, Oscar Moro; Porr, Martin. Ontologies of Rock Art: Images, Relational Approaches, and Indigenous Knowledges (em inglês). [S.l.]: Routledge
- ↑ Kuyper, Thomas W.; Price, Lisa (15 de março de 2006). «Ethnomycology in Africa, with particular reference to the rain forest zone of south Cameroon». In: Pieroni, Andrea; Price, Lisa. Eating and Healing: Traditional Food As Medicine (em inglês). [S.l.]: CRC Press
- ↑ Marshall, Colin (27 de janeiro de 2021). «Algerian Cave Paintings Suggest Humans Did Magic Mushrooms 9,000 Years Ago». Open Culture (em inglês)
- ↑ «Plants of Mind and Spirit - The Mighty Fungi». U.S. Forest Service
- ↑ Samorini, Giorgio (30 de dezembro de 2021). «Psychoactive Plants in the Ancient World. Observations of an Ethnobotanist». In: Stein, Diana; Costello, Sarah Kielt; Foster, Karen Polinger. The Routledge Companion to Ecstatic Experience in the Ancient World (em inglês). [S.l.]: Routledge
- ↑ Guzmán, Gastón (9 de março de 2022). «New taxonomical and ethnomycological observations on Psilocybes (fungi, Basidiomycota, Agaricomycetidae, Agaricales, Strophariaceae) from Mexico, Africa and Spain» (PDF). Acta Botanica Mexicana (100): 79–106. ISSN 2448-7589. doi:10.21829/abm100.2012.32
- ↑ Akers, Brian P. (2010). «A Cave in Spain Contains the Earliest Known Depictions of Mushrooms». Mushroom. The Journal of Wild Mushrooming. Verão-outono: 45-58