Francisco Mendo Trigoso

D. Francisco Mendo Trigoso (Casa da Quinta Nova, Matacães, Torres Vedras, 7 de janeiro de 1692Viseu, 19 de dezembro de 1778) foi um clérigo português, inquisidor do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa e bispo de Viseu.[1][2][3]

Francisco Mendo Trigoso
Bispo da Igreja Católica
Bispo de Viseu

Título

D.
Atividade eclesiástica
Diocese Viseu
Serviço pastoral 17701778
Predecessor Júlio Francisco de Oliveira
Sucessor José António Barbosa Soares
Mandato 6 de agosto de 177019 de setembro de 1778
Ordenação e nomeação
Ordenação diaconal por 15 de dezembro de 1720
Ordenação presbiteral 21 de dezembro de 1720
Nomeação episcopal 5 de março de 1770
Ordenação episcopal 6 de agosto de 1770
Viseu
por Papa Clemente XIV
Dados pessoais
Nascimento Casa da Quinta Nova, Matacães, Torres Vedras
7 de janeiro de 1692
Morte Viseu
19 de dezembro de 1778
Nacionalidade portuguesa
Progenitores Mãe: D. Antónia Teresa de Aragão
Pai: Francisco Mendo Trigoso
Habilitação académica Artes
Cânones
Sepultado Igreja de S. Domingos de Carmões
Bispos
Categoria:Hierarquia católica
Projeto Catolicismo

Biografia

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Início de Vida

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Francisco Mendo Trigoso nasceu a 7 de janeiro de 1692 na Casa da Quinta Nova, de seus pais, na freguesia de Matacães, concelho de Torres Vedras, filho de Francisco Mendo Trigoso e D. Antónia Teresa de Aragão. Vindo de uma família de académicos, seu bisavô, de mesmo nome, foi lente da Universidade de Coimbra e professor da Faculdade de Medicina, que mandou erguer a capela de S. Domingos de Carmões, no que era limite de seu morgado. O seu avô, e filho deste último, foi o primeiro administrador da paróquia de Carmões, e seu pai cursou Matemática, também na Universidade de Coimbra.[4][5]

Instrução Académica

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Em 1710, desloca-se à Universidade de Coimbra, e matricula-se em Artes.[6] No entanto, após tirar o bacharelato, matricula-se de novo, agora em Cânones, prevendo-se, assim, o que iria ser uma longa carreira eclesiástica.[7]

Faz o bacharelato em 1715, licencia-se e doutorou-se dois anos depois, em 1717.[7][1] Ainda em 1715, o seu tio, Reverendo Sebastião de Almeida Trigoso, padre da paróquia de São João do Mocharro, em Óbidos, fá-lo seu herdeiro e acaba por herdar, além de várias terras, vinhas e outros, metade da Quinta de Belo Jardim, na freguesia de Carmões.[8][9]

Após a sua conclusão de grau académico em direito canónico, é promovido a deputado da Inquisição de Évora, e posteriormente deputado da Inquisição de Lisboa.[10]

Como Inquisidor de Lisboa

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Na década seguinte, Francisco torna-se inquisidor do tribunal da inquisição de Lisboa, com sede no Palácio dos Estaus. Esta passagem pela Inquisição acabaria por moldar a sua personalidade de modo a alterar o seu percurso futuro como clérigo.[1] Ao longo do tempo, vai demonstrando a sua aptidão, tanto em direito canónico como na elaboração e arquivamento dos processos recorrentes à Inquisição, o que, posteriormente lhe dará o convite e presídio do Conselho Geral da inquisição em Lisboa.[1]

D. Jerónimo Rogado do Carvalhal e Silva, futuro bispo da Guarda, vai trabalhar com Francisco Mendo Trigoso no tribunal da Inquisição de Lisboa, e com este, elabora um culpeiro (compilação de cadernos organizados por deputados - membros do clero - contendo sínteses de culpas dos mais variados réus, bem como breves apontamentos calendarizados sobre processos e penas).[11][12]

Fez, também, parte do Conselho Régio de D. José I.[13]

 
Palácio dos Estaus na primeira metade do século XVIII, sede do Tribunal do Santo Ofício em Lisboa

Caso da Maria Durão

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A 17 de fevereiro, durante o seu trabalho na Inquisição de Lisboa, chega-lhe um processo, do qual vai ser o inquisidor do mesmo. Um indivíduo do sexo feminino, a quem se coloca o nome de Maria Durão. Nascida na Catalunha, ex-freira do Convento de Nossa Senhora do Paraíso de Évora, foi acusada de bruxaria e de pactos com o diabo, que alegadamente teria, para fazer crescer um pénis e de ter relações sexuais com mulheres. É um dos poucos casos em que uma mulher é acusada de conduta sexual como crime na história portuguesa.[14]Ao mesmo tempo que este processo decorria em completo secretismo no Palácio dos Estaus, uma gazeta manuscrita, de 4 de Março de 1741, relataria os rumores sobre a “hermafrodita catalã”.[15][16][17][18]

A 12 de setembro, é reunido o conselho de inquisidores de modo a determinar o futuro e a inocência, ou culpa, da catalã. Francisco Mendo Trigoso, seria, um dos principais defensores da culpa da mesma em ter feito um pacto com o demónio.[19][20]

 
Auto de Fé no Rossio

Depois de interrogada, e mantida em cativeiro por três anos, é vítima de um auto de fé, a 21 de junho de 1744. A procissão começou nos Estaus às onze de manhã e terminou de frente da igreja de São Domingos, com quarenta e um arguidos, onde as sentenças foram lidas até à meia-noite. Foi chicoteada e exilada de Portugal, onde nunca mais voltou.[16][19]

Dentro deste conjunto de arguidos, estava também um heresiarca, Pedro de Rates Henequim. Durante a leitura da sentença, este pede mesa, onde está o escrivão Manuel Afonso Rebelo e o inquisidor Francisco Mendo Trigoso. Pede clemência e perdão pelas suas acusações, mas de que nada lhe vale.[20]

Nas décadas posteriores, Francisco vai ganhando um relevo maior no panorama eclesiástico português, e não só, tendo-se tornado o dono de várias terras, desde quintas em Loures, como a famosa Quinta do Inquisidor (nome derivado dele mesmo), adquirida em 1757, Anjos, entre outros.[21]

Como Bispo de Viseu

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Depois de cinco anos de sede vacante na Diocese de Viseu, após a morte de D. Júlio Francisco de Oliveira, é selecionado a 5 de março de 1770 para designar o posto de bispo de Viseu. Depois de ordenado e confirmado a 6 de agosto de 1770 por bula papal pelo Papa Clemente XIV, Francisco Mendo Trigoso torna-se bispo de Viseu. A 24 de abril de 1771, redige um pastoral, no qual exorta aos seus diocesanos da prática de uma vida cristã mais perfeita, onde se denota a sua preocupação pela pureza espiritual da população em geral, o que corrobora com o seu trabalho desenvolvido na Inquisição no passado.[22]

É um dos autores da compilação Miscellanea curiosa ecclesiastica para o estudo de Frei Vicente Salgado, da Congregação da Terceira Ordem de S. Francisco de Portugal.[3]

Na sua terra-natal, faz melhoramentos, tanto em várias capelas como na Quinta Nova, e é de sua autoria a renovação da Igreja de S. Domingos de Carmões, onde consta uma pedra na fachada do edifício onde consta o mesmo.[5] Seria para aqui, onde pretendia ser transladado após a sua morte.[5]

 
Igreja de S. Domingos de Carmões, Torres Vedras onde está sepultado

Em 1773, inaugura finalmente, após vinte e sete anos de obras, a igreja dos Terceiros, com missa solene.[23]

Em março de 1777, nomeia o seu sobrinho e cónego prebendado da Sé Catedral de Viseu, Dr. Manuel Pais de Aragão Trigoso Pereira Magalhães, para presidir, em seu lugar, à eleição da nova abadessa e novas oficiais do mosteiro de Ferreira de Aves, o que denota já o seu estado de saúde débil.[24]

Redige uma carta à Junta Eleitoral da província da Beira, em que se escusa, por razão de saúde, da escolha da sua pessoa para deputado pela mesma província; junto, existe a minuta de resposta da referida Junta a Francisco Mendo Trigoso.[25]

Falece em Viseu, a 19 de dezembro de 1778, onde são realizadas as suas exéquias fúnebres na Catedral de Viseu, e onde é posteriormente transladado para a igreja de seus antepassados, na igreja de S. Domingos de Carmões, onde se encontra sepultado.[26][2][1][5]

Ancestrais

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Precedido por
Júlio Francisco de Oliveira
(Sede vacante de 1765 a 1770)
 
Bispo de Viseu

1770-1778
Sucedido por
José António Barbosa Soares

Ligações Externas

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Referências

  1. a b c d e Eubel, Conrad (1913). Hierarchia catholica medii aevi, sive Summorum pontificum, S.R.E. cardinalium, ecclesiarum antistitum series ... e documentis tabularii praesertim vaticani collecta, digesta, edita. Robarts - University of Toronto. [S.l.]: Monasterii Sumptibus et typis librariae Regensbergianae. p. 443 
  2. a b «Francisco Mendes Trigoso (1770-1778)». Les Ordinations Épiscopales (51). 1770 
  3. a b Miscellanea curiosa ecclesiastica para o estudo de Frei Vicente Salgado, da Congregação da Terceira Ordem de S. Francisco de Portugal. Certidão de baptismo de Francisco Mendo Trigoso. [S.l.: s.n.] 
  4. «Francisco Mendo Trigoso (1660-1667)». Archeevo Universidade de Coimbra. 27 de abril de 2021. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  5. a b c d Rêgo, Rogério de Figueiroa. Epigrafia Tumular Estremenha – Memórias Sepulcrais do Arciprestado de Tôrres-Vedras. [S.l.: s.n.] 
  6. «Francisco Mendo Trigoso (1710-1711)». Archeevo Universidade de Coimbra. 23 de novembro de 2020. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  7. a b «Francisco Mendo Trigoso (1711-1717)». Archeevo Universidade de Coimbra. 3 de janeiro de 2021. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  8. «Folha de herança do doutor Francisco Mendo Trigoso, do que lhe ficou por falecimento de seu tio o reverendo Sebastião de Almeida Trigoso, prior de São João do Mocharro, da vila de Óbidos - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  9. «Carta de verba de testamento pelo falecimento de Sebastião de Almeida Trigoso, prior na vila de Óbidos que instituiu um morgado para o seu sobrinho Francisco Mendo, filho do seu irmão, Francisco Mendo Trigoso - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  10. «Provisões, sentença apostólica de breve de oratório, instrumento de posse e certidão do tempo de curso na Universidade de Coimbra de Francisco Mendo Trigoso, natural de Matacães, filho de Francisco Mendo Trigoso - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  11. «Culpeiros - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  12. Johnson, Harold B. (11 de Novembro de 1985). «"Para um modelo estrutural da freguesia portuguesa do século XVIII"-Conferência proferida na Universidade Nova de Lisboa» 
  13. Costa, Mário Alberto Nunes (1959). Doculmentos para a história da Universidade de Coimbra, 1750-1772: introdução, leiture e indices. [S.l.]: Por ordem da Universidade de Coimbra 
  14. Friaças, Andreia (27 de junho de 2024). «Maria Duran, a "hermafrodita" que a Inquisição não conseguiu queimar». PÚBLICO. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  15. «Gazetta de Lisboa» (PDF). 4 março 1741 
  16. a b SOYER, François (2024). A Hermafrodita e a Inquisição Portuguesa — O caso que abalou o Santo Ofício. [S.l.]: Bertrand Editora 
  17. «Processo de Maria Duran - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  18. Soyer, François (19 de outubro de 2023). The Catalan Hermaphrodite and the Inquisition: Early Modern Sex and Gender on Trial (em inglês). [S.l.]: Bloomsbury Publishing 
  19. a b Soyer, Francois (27 de agosto de 2012). Ambiguous Gender in Early Modern Spain and Portugal: Inquisitors, Doctors and the Transgression of Gender Norms (em inglês). [S.l.]: BRILL 
  20. a b Romeiro, Adriana (2001). Um visionário na corte de D. João V: revolta e milenarismo nas Minas Gerais. [S.l.]: Editora UFMG 
  21. «Dom Francisco Mendo Trigoso: escrituras, autos cíveis, recibos e outros documentos - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  22. Geral, Universidade de Coimbra Biblioteca. Catálogo da Colecção de Miscelâneas - Tomo 7.o - (Vols. DCXCVI a DCCLXXV). [S.l.]: UC Biblioteca Geral 1 
  23. Beira Alta. [S.l.]: Assembleia Distrital de Viseu. 1946 
  24. «Provisão pela qual dom Francisco Mendo Trigoso, bispo de Viseu, nomeia o seu sobrinho e cónego prebendado da Sé Catedral de Viseu, doutor Manuel Pais de Aragão Trigoso Pereira Magalhães, para presidir, em seu lugar, à eleição da nova abadessa e novas oficiais do mosteiro de Ferreira de Aves - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  25. «Cópia de uma carta de Francisco [Mendo Trigoso], bispo de Viseu, à Junta Eleitoral da província da Beira, em que se excusa, por razão de saúde, da escolha da sua pessoa para deputado pela mesma província; junto, existe a minuta de resposta da referida Junta ao mencionado bispo - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024 
  26. «Sentença cível de verba de verbamento e codecilo com que faleceu Dom Francisco Mendo Trigoso, bispo de Viseu - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de agosto de 2024