Funaná

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O funaná é um género musical e de dança originários de Cabo Verde

O cantor Bino Branco do grupo Ferro Gaita, atuando com o grupo do músico Vadú.
Dançarinas de funaná na Ilha do Sal.

Como género musical

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Como género musical, o funaná caracteriza-se por ter um andamento variável, de vivace a andante, e um compasso binário. Além do feru (barra de ferro, também chamada de ferrinho, utilizada para produzir som com o apoio de uma faca de mesa), o funaná está intimamente associado ao acordeão, mais precisamente ao acordeão diatónico, conhecido em Cabo Verde por gaita. Este facto vai influenciar uma série de aspectos musicais que caracterizam o funaná, como por exemplo, o facto de, na sua forma mais tradicional, usar apenas escalas diatónicas[1] e não escalas cromáticas.

Características

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A estrutura da composição do funaná não é muito diferente da estrutura de outros géneros musicais em Cabo Verde, ou seja, basicamente, a música estrutura-se num conjunto de estrofes principais que se alternam com um refrão. Só que, intercalando as estrofes e os refrãos, existe um solo executado na gaita.[1] As músicas são geralmente monotónicas.

O acompanhamento é executado com a mão esquerda na gaita, fornecendo os baixos e os acordes. O modelo rítmico é executado no ferrinho.[1]

A linha melódica do funaná varia muito ao longo da composição, com muitas séries de notas ascendentes e descendentes. Os cantores de funaná ocasionalmente utilizam a técnica do sforzando em determinadas notas, sobretudo quando elas se prolongam mais (imitação do acordeão?).

As letras do funaná geralmente abordam situações do quotidiano, fazendo menções às amarguras e felicidades do dia-a-dia, mas também críticas sociais, reflexões sobre a vida e situações idílicas. Compositores mais recentes, no entanto, têm alargado o leque de temas. Uma característica das letras do funaná tradicional é que a poesia não é feita de um modo directo, mas usa frequentemente figuras de estilo, provérbios e ditados populares. Exemplos:

letra em crioulo: tradução literal para português: significado real:
Ôdju mó’ lúa, (…)
Pistána sí’ma árcu-dâ-bédja
Bóca sí’ma câ tâ cúme náda
Ôi, Séma Lópi, côrpu dí tchõ, álma dí Crístu
Olhos como a lua, (…)
Sobrancelhas como o arco-íris
Boca como que não come nada
Oi, Sema Lopi, corpo de chão, alma de Cristo
Olhos arregalados
Sobrancelhas totalmente arqueadas
Boca de quem passa fome
Oi, Sema Lopi, todo o mundo te pisa, mas perdoas a todos
Excerto da letra da música «Sema Lopi».
letra em crioulo: tradução literal para português: significado real:
Ôi, ôi, pêtu dí brônzi,
Coraçõ dí bulcõ,
Sí bú crê saltâ-m’ nhâ rubêra,
Bú tâ câi nâ mánsu-mánsu
Oi, oi, peito de bronze,
Coração de vulcão,
Se tu quiseres saltar-me minha ribeira,
Tu cairás em manso-manso
Oi, oi, menina bronzeada,
De coração quente,
Se tu quiseres namorar comigo,
Tu viverás algo suave
Excerto da letra da música «Pêtu di brônzi» de João Cirilo.
letra em crioulo: tradução literal para português: significado real:
Tunúca,
Crê-’u, câ pecádu,
Dâ-’u, câ tâ fládu,
Mâ, sô bú dâ-m’ quí tenê-m’
Tunuca,
Querer-te não é pecado,
Dar-te, não se diz,
Mas, só tu dares-me que me retém
Tunuca,
Não há mal em amar-te,
Não sei até onde estás disposta a ir,
Mas vivo ansioso com o que tu podes dar-me
Excerto da letra da música «Tunuca» de Orlando Pantera.

Isso exige um bom conhecimento da linguagem e cultura populares, e é por isso que composições mais recentes, composições de autores mais jovens ou composições de autores com pouco contacto com a cultura popular nem sempre utilizam as técnicas de poesia referidas anteriormente.

A nível de instrumentos utilizados, na sua forma mais tradicional o funaná emprega apenas a gaita e o ferrinho. Com a estilização e electrificação do funaná outros instrumentos são utilizados: a rítmica dada pelo ferrinho é executada numa bateria, conjuntamente com outros instrumentos de percussão (um chocalho ou um afoxé); o jogo de baixo / acompanhamento executado pela gaita é substituído pele baixo elétrico e pela guitarra elétrica; a melodia executada pela gaita é substituída pelo sintetizador. A partir dos fins dos anos 90, assiste-se a um retorno às raízes, onde interpretações unplugged (acústicas) voltam a ser procuradas, e em que os instrumentos electrónicos têm sido preteridos a favor de gaitas e ferrinhos autênticos.

Como dança

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Como dança, o funaná é dançado aos pares, com os executantes com um braço enlaçando o parceiro, enquanto que com o outro braço mantêm as mãos dadas. A dança é efectuada imprimindo rápidas e fortes flexões alternadas de cada um dos joelhos, marcando os tempos do compasso. No modo de dançar mais rural, os corpos estão ligeiramente inclinados para frente (havendo contacto nos ombros), e os pés levantam-se do chão. No modo de dançar mais urbano, mais estilizado, os corpos estão na vertical (havendo contacto na zona peitoral), e os pés arrastam-se pelo chão.

História

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O funaná é um género musical relativamente recente. Segundo a tradição oral,[1][2] o funaná surgiu quando, numa tentativa de aculturação, o acordeão teria sido introduzido na ilha de Santiago no início do século XX, para que a população aprendesse géneros musicais portugueses. O resultado, no entanto, teria sido completamente diferente: seria a criação de um género novo e genuíno. Não existem, no entanto, documentos musicológicos a corroborar isso. Mesmo assim, não deixa de ser curioso o facto de, mesmo sendo um género musical totalmente diferente, o uso da gaita e do ferro no funaná é análogo ao uso do acordeão e dos ferrinhos em certos géneros musicais portugueses (malhão, corridinho, vira, etc.).

Outras fontes, também de tradição oral,[1] referem outra origem. Situam a origem do funaná no incremento da importação de acordeões como um substituto barato de órgãos para interpretar música religiosa. O funaná teria então surgido da adaptação para acordeão de outros géneros musicais então em voga.

O próprio nome «funaná» também é recente,[2] e data provavelmente dos anos 60 e 70. Para uns, o nome deriva da palavra portuguesa «fungagá». Para outros o nome vem da junção dos nomes de dois exímios tocadores, um de gaita e outro de ferrinho, chamados Funa e Naná. As palavras mais antigas para designar o funaná[3] eram «fuc-fuc» e «badju gaita».

Inicialmente género exclusivo de Santiago, durante muito tempo o funaná foi relegado para um contexto rural e/ou para as camadas mais desfavorecidas da população. Chegou mesmo a ser proibida a sua interpretação na capital, onde era a morna que gozava de prestígio e de um carácter nobre. O funaná era tido como um estilo de música e de dança indecente e desobedecer à proibição estabelecida pelo regime colonial e pela Igreja podia conduzir à não emissão de documentos essenciais ou à recusa de baptismo dos filhos dos "transgressores". A Igreja, através dos catequistas, frequentemente denunciava os músicos que organizavam ou participavam das festas, o que poderia representar uma detenção ou multas elevadas.[4]

Contudo, durante a década de 1970, e sobretudo depois da independência, houve tentativas de fazer ressurgir certos géneros musicais, entre os quais o funaná. A ideologia socialista do pós-independência, com a luta contra a desigualdade entre as classes sociais coinstituiu terreno fértil para o (re)surgimento do funaná, que até então era considerado música das camadas mais desfavorecidas.[5] Essas tentativas não foram muito bem sucedidas sobretudo porque «o funaná não conseguiu desgarrar-se da coladeira»[carece de fontes?].

Foi necessário esperar pela década de 1980 para que o conjunto Bulimundo e sobretudo o seu mentor Carlos Alberto Martins (mais conhecido por Catchás) viessem fazer ressurgir o funaná.[1] Indo «beber» directamente à fonte (o interior da ilha de Santiago), Catchás aproveitou os seus conhecimentos de jazz e música clássica[carece de fontes?] para inventar um novo estilo de tocar o funaná, apoiando-se em instrumentos eléctricos e electrónicos,[5] que viria a influenciar quase todos os artistas em diante. Graças ao sucesso do conjunto Bulimundo, o funaná foi exportado para todas as ilhas em Cabo Verde. Hoje, o funaná já não é visto como um género exclusivo de Santiago, sendo composto, interpretado e apreciado por pessoas de todas as ilhas.[6]

Se os anos 80 foram os anos da divulgação do funaná em Cabo Verde, os anos 90 foram os anos da internacionalização.[1] O conjunto Finaçon, nascido de uma cisão do conjunto Bulimundo, foi um dos responsáveis pela divulgação internacional deste género musical, graças a um contrato com uma prestigiada firma distribuidora estrangeira.[6] Não só o funaná passa a ser conhecido internacionalmente, como é também interpretado por conjuntos musicais no estrangeiro, cabo-verdianos ou não.

A nível de técnicas musicais não se registam grandes inovações ao «estilo Catchás», talvez apenas no que diz respeito à orquestração (exploram-se as possibilidades dos instrumentos electrónicos). Verifica-se também, nesta altura, a excessiva comercialização e banalização do funaná. Durante um ano, houve a tentativa de divulgar o funaná em França. Essa tentativa não teve sucesso porque tentou-se vender o funaná como «música de moda para dançar no Verão» (logo a seguir à lambada), e não explorar as particularidades etno-musicais do funaná.

A partir dos fins dos anos 90 assiste-se a um retorno às raízes,[1] onde os conjuntos preferem interpretações com gaitas e ferrinhos autênticos (ocasionalmente adiciona-se um baixo, uma bateria e/ou uma guitarra). Um dos principais conjuntos dessa nova vaga é o conjunto Ferro Gaita.

Variantes do funaná

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O funaná conta com diversas variantes,[1] nem todas elas bem conhecidas, e nem todas elas conhecidas pelo verdadeiro nome. Eis a descrição de algumas variantes:

 
Modelo rítmico do funaná – kaminhu di ferru, ± 150 bpm.

Funaná kaminhu di férru

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Esta é a variante mais conhecida do funaná. Geralmente quando se emprega apenas a palavra «funaná», refere-se a esta variante que obteve maior sucesso, sobretudo a nível de dança. Trata-se de uma variante que faz lembrar uma marcha, mas com um andamento vivace.

 
Modelo rítmico do funaná – maxixi, ± 120 bpm.

Funaná maxixi

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O nome desta variante provavelmente vem do género musical maxixe que outrora esteve em voga em Cabo Verde. É uma variante parecida com a anterior, mas com um andamento allegro.

 
Modelo rítmico do funaná – samba, ± 92 bpm.

Funaná samba

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Apesar do nome, esta variante não tem nenhuma relação com o género brasileiro samba actual. Parece tratar-se de uma adaptação do lundum às técnicas do acordeão. O andamento é mais lento[7] (andante) e o ritmo é diferente das outras variantes do funaná, é bastante similar à toada.

 
Modelo rítmico do funaná lento, ± 96 bpm.

Funaná morna

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Praticamente não é conhecido por este nome, é mais conhecido por como funaná lento. Parece tratar-se de uma adaptação da morna às técnicas do acordeão, com um andamento andante. Enquanto que, durante muito tempo, foi a morna (badju di viulinu) que gozou de prestígio em ambientes urbanos e salas nobres, em ambientes rurais desenvolveu-se, em contraposição,[1] uma variante mais lenta do funaná (badju di gaita). Curiosamente, esta variante tem o mesmo andamento que a morna da Boa Vista e não da morna da Brava.

Exemplos de funanás

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  • Funaná kaminhu di férru
    • «Djonsinho Cabral», tradicional
      interpretado por Os tubarões no álbum «Djonsinho Cabral» (Ed. Os Tubarões, Ref. T-003 — 1978)
    • «Sant’ Antoni la Belêm», tradicional
      interpretado por Bulimundo no álbum «Batuco» (Ed. Black Power Records, Rotterdam, Ref. Lp 2233 — 1981)
    • «Si manera» de Zeca di Nha Reinalda
      interpretado por Finaçon no álbum «Funaná» (Ed. Mélodie, Paris — 1990)
    • «Matrialistas» de Kino Cabral
      interpretado por Kino Cabral no álbum «?» (Ed. Kino Cabral, ? — 1992)
    • «Moças di Mangui» de Eduíno, Chando Graciosa e Bitori Nha Bibinha
      interpretado por Ferro Gaita no álbum «Fundu Baxu» (Ed. ?, ? — 1997)
  • Funaná maxixi
    • «Canta cu alma sem ser magoado» de Pedro Rodrigues
      interpretado por Bana no álbum «Bana» (Ed. Discos Monte Cara, — 19??)
    • «Pomba» de Codé di Dona
      interpretado por Codé di Dona no álbum «Codé di Dona» (Ed. Globe Music, ? — 1997)
    • «Nôs cultura» de Eduíno
      interpretado por Ferro Gaita no álbum «Bandêra Liberdadi» (Ed. ?, ? — 2003)
    • «Puxim Semedo» de Kaká di Lina e Eduíno
      interpretado por Eduíno e Petcha no álbum «Terra Terra Vol. 1» (Ed. ?, ? — 2007)
  • Funaná samba
    • «Djentis d’ aságua» de Zezé di Nha Reinalda
      interpretado por Zezé di Nha Reinalda no álbum «Djentis d’ aságua» (Ed. ICL, Praia — 198?)
    • «Fomi 47» de Codé di Dona
      interpretado por Finaçon no álbum «Rabecindadi» (Ed. ?, Lisboa — 1987)
    • «Codjeta» de Kaká Barbosa
      interpretado por Simentera no álbum «Raiz» (Ed. Mélodie, Paris — 1992)
  • Funaná lento
    • «Sema Lopi» de Sema Lopi
      interpretado por Bulimundo no álbum «Bulimundo» (Ed. Black Power Records, Rotterdam, Ref. L.P. 1943 — 1980; Reed. Sons d’África, Lisboa — 2005)
    • «Pombinha Mansa» de ?
      interpretado por Bulimundo no álbum «Batuco» (Ed. Black Power Records, Rotterdam, Ref. Lp 2233 — 1981)
    • «Kortel di rabidanti» de Kaká Barbosa
      interpretado por Zezé & Zeca di Nha Reinalda no álbum «Konbersu’l tristi, korbu nha xintidu» (Ed. ?, Lisboa — 1983)
    • «Li qu’ ê nha tchon» de Pedro Rodrigues
      interpretado por Os tubarões no álbum «Bote, broce e linha» (Ed. ?, ? — 1990)

Referências

  1. a b c d e f g h i j Gonçalves, C. F., Kab Verd Band — 2006
  2. a b Veiga, A. G., Badjo di Gaita na Ilha de Santiago, in Voz di Povo — edições de 14 e 23 de Agosto de 1982
  3. Fernandes, A. N., O dialecto crioulo — Léxico do dialecto crioulo do Arquipélago de Cabo Verde — 1969
  4. «Funaná: ritmo de resistência e identidade cabo-verdiana». www.bantumen.com. Consultado em 19 de junho de 2024 
  5. a b Martins, C. A., Funaná, a maior conquista in Tribuna — Dezembro de 1986
  6. a b Funaná — O cartão de Visita de Cabo Verde in Fragata, n.º 10 — Janeiro de 1996
  7. Brito, M., Breves Apontamentos sobre as Formas Musicais existentes em Cabo Verde — 1998

Ligações externas

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