A ginecologia é área de prática da medicina que envolve o cuidado e tratamento de doenças diretamente relacionadas com a saúde do aparelho reprodutor feminino (vagina, útero e ovários) e mamas.[1]

É normalmente associada a obstetrícia, área médica focada na reprodução, contemplando a gravidez, parto e puerpério. Essa associação forma a área combinada "Ginecologia e Obstetrícia", também conhecida como GO.[2]

Também pode ser associada paralelamente à andrologia, que lida especificamente com questões ligadas ao aparelho reprodutor masculino.

Etimologia

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A palavra "ginecologia" vem do grego γυνή gyne "mulher" e -logia "estudo". Seu significado literal é "a ciência da mulher".

História

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A Ginecologia como campo de saber e prática tem vários caminhos e agentes históricos. Há diferentes documentos, evidências históricas e pessoas importantes que marcaram esta linha do tempo.[3]

A história moderna é marcada pela centralização da figura do médico, mas destaca-se também outras formas de pensar e atuar na saúde e atendimento médico, que incluem diferentes fatores, como cultura, território, identidade, entre outros.[4]

Apesar da existência do campo científico da andrologia, a história da ginecologia e a sua importância social contemporânea evidenciam uma assimetria entre as existências masculinas e femininas. A elaboração do campo teórico e prático da ginecologia foi feita a partir da percepção de diferença das mulheres e dos homens, e não há uma ciência do homem que tenha como ponto de partida as diferenças entre ele e a mulher. [5]

Antiguidade

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Do Egito Antigo, por exemplo, o Papiro Ginecológico Kahun, datado de 1825 a.C, é conhecido como o texto médico mais antigo que trata exclusivamente de doenças ginecológicas, fertilidade, gravidez, contracepção e tratamentos variados. Atualmente, está conservado no Museu Petrie de Arqueologia Egípcia. Seu texto é dividido em trinta e quatro seções, cada seção lidando com um problema específico e contendo diagnóstico e tratamento; nenhum prognóstico é sugerido. Os tratamentos são não cirúrgicos, compreendendo a aplicação de medicamentos na parte do corpo afetada ou sua ingestão. O útero é visto como a fonte de queixas que se manifestam em outras partes do corpo. [6]

A Ayurveda, sistema médico tradicionalmente indiano, que compreende o corpo por uma visão integrativa e holística, também detalha conceitos e técnicas relacionadas com fertilidade, complicações no nascimento de crianças e distúrbios menstruais, entre outras coisas. Fornecendo indicativos de cuidados pré e pós natal, integrando práticas de estilos de vida, como higiene, meditação, yoga e dieta alimentar para um cuidado completo.[7]

A coletânea Gynaikeia reúne textos de mais de dezesseis autores de textos antigos de ginecologia, inclusive o Corpo Hipocrático (do latim:Corpus hippocraticum) que é  uma coletânea de cerca de 60 tratados, do início da Grécia Clássica, que contém diversos tratados ginecológicos datados dos séculos V e IV a.C. Outra fonte de textos médicos gregos é Aristóteles, com suas descrições de biologia encontradas principalmente em História dos Animais, Partes dos Animais e Geração dos Animais, do século IV a.C. Importante destacar que estes escritos, juntos dos de Platão, foram uma das fontes difusoras primárias de ideias misóginas e sexistas.[8][9]

Durante a Idade Média, as parteiras orientavam os cuidados com a saúde das mulheres por meio de conhecimentos baseados na experiência, remédios tradicionais e medicinas à base de ervas. A prática da obstetrícia ainda não estava em disputa pelas considerações científicas, mas com o surgimento da ginecologia como um campo médico as práticas tradicionais passaram a ser contestadas. [3]

O período da Renascença, no século XVI, desenvolveu e estruturou avanços científicos clássicos, no qual o progresso médico nas áreas de ginecologia e obstetrícia são compreendidos pela melhoria das técnicas obstétricas nesse período e também pelo desenvolvimento de ferramentas cirúrgicas, como o fórceps que transformou a forma como o parto era conduzido, contribuindo para redução da mortalidade materna. [3]

Ginecologia Moderna

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À medida que as instituições médicas continuaram a se expandir nos séculos XVIII e XIX, a autoridade das parteiras foi ainda mais desafiada com a crescente participação de homens nas práticas e pesquisas voltadas à saúde da mulher. A formalização do treinamento em obstetrícia por médicos do sexo masculino e os avanços no conhecimento médico sobre a saúde e a anatomia feminina marcaram esse período. [3]

Nos Estados Unidos do início dos séculos XVIII e XIX, o campo da ginecologia manteve laços estreitos com a escravidão e com a reprodução das mulheres negras. A violência e exploração realizada em mulheres escravizadas, ia da realização de procedimentos cirúrgicos, majoritariamente das vezes sem anestesia, à publicação dos resultados e trabalhos em revistas médicas reconhecidas que, embora tenham promovido o avanço do conhecimento ginecológico, também lançaram as bases para o racismo médico, atrocidades éticas e discriminação que sustentaram a lógica da escravidão. Além disso, conhecido como o “pai da ginecologia” nos Estados Unidos, J. Marion Sims também realizou exames médicos sem consentimento em mulheres, destacamos a resistência de três mulheres negras escravizadas submetidas aos procedimentos: Anarcha, Betsey e Lucy.[3][8][10]

O discurso médico-científico produzido nos séculos XVIII e XI, apoiados tanto em pesquisas biológicas sobre a ovulação e a reprodução, como nos ideais que entendiam e imaginavam ser mulher, construíram uma definição da mesma sustentada no seu ciclo de vida reprodutiva. Assim, o arco da existência feminina é marcada da puberdade à menopausa, passando pela menstruação - que foi marcada inclusive por um novo campo de estudos: a emenologia.[11] A partir da consideração de que a mulher era mais sujeita a doenças e instabilidades, se fez necessária a criação de uma ciência específica. A ginecologia, assim, tem suas bases de estudo na compreensão intrínseca da relação entre patologia e a natureza feminina.[5][11]

No Brasil

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Oficialmente, o ensino médico começou em 1808, na Bahia, com a criação da Escola de Cirurgia, que veio como um dos empreendimentos de D. João VI ao transferir-se com sua corte para o Brasil. Mas, toda a formação médica era centralizada em Portugal, assim como a fiscalização e emissão de licenças para o exercício da medicina e, também, para a manipulação de remédios pelos boticários.[11]

Até a década de 1870 o ensino e a prática da medicina formal eram precariamente estruturados, sendo majoritariamente cursos teóricos, sem prática médica. Com o empenho de alguns médicos reconhecidos do Rio de Janeiro e Salvador, que buscaram orientação e referências em centros europeus, houve importante crescimento da área no Brasil. O ensino das disciplinas separadas, Ginecologia e Obstetrícia, só ocorreu no final do século, na década de 1880, seguindo orientações dos mesmos centros europeus. [11]

Importante destacar que, no século XIX, as mulheres brasileiras, em sua maioria, não procuravam os hospitais para dar à luz. O momento do parto era doméstico, não médico. A criação de enfermaria de partos também tinha sua existência associada com o incentivo para maternidade fora do casamento, assim, mães solteiras, na sua maioria mulheres negras ou brancas pobres eram desassistidas. Assim, somente no século XX as faculdades de medicina passaram a ter um espaço adequado ao ensino das clínicas obstétrica e ginecológica, quando começaram a ser construídas as primeiras maternidades no Brasil. Neste período, a Ginecologia passa a ser campo da medicina reconhecido tanto pela categoria dos médicos, quanto pela população. [11]

Importante destacar que, a institucionalização do saber médico voltada para mulheres, tem ligação direta com o poder político, consequentemente, capacidade de reprodução destes corpos, e outras questões mais amplas, como formação de uma nação e raça brasileira. [11]

Ginecologia Natural

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A Ginecologia Natural tem variância em outros nomes, como: Ginecosofia, Orgânica, Emocional, Vibracional, Feminista, Autônoma, Política [10][12] .Apesar das suas diferenças internas e heterogeneidade, é um movimento que visa produzir conhecimentos sobre a saúde do corpo feminino e menstruante, no qual as mulheres são protagonistas e agentes de sua saúde [10].

A partir da difusão do conhecimento, o incentivo é que as pessoas conheçam os seus corpos[13],  para poder cuidar da própria saúde. Esse empenho não visa romper necessariamente com a ginecologia alopática convencional, mas estabelecer uma visão crítica à história e práticas deste conhecimento e acompanhar e fortalecer conhecimentos das raizeiras, parteiras, herboristas, indígenas, entre outras fontes de conhecimentos, além de incentivar a autonomia sobre o próprio corpo [14]. Importante destacar que o movimento, apesar de lidar com um fator fisiológico, muitas vezes compreendido como individual, é também coletivo e político e tem direta relação com o ativismo e a educação menstrual [10].

Doenças

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Os principais questões de saúde da áreas de estudo e tratamento da Ginecologia são:[1]

  1. Cancro dos órgãos reprodutivos incluindo ovários, tuba uterina, útero, vagina e vulva
  2. Incontinência urinária
  3. Amenorreia (ausência dos períodos menstruais)
  4. Dismenorreia (períodos menstruais dolorosos - cólicas)
  5. Infertilidade
  6. Menorragia
  7. Prolapso dos órgãos pélvicos
  8. Vaginites
  9. Lesões precursoras do câncer de colo uterino (HPV)
  10. Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)
  11. Orientação e prescrição de métodos contraceptivos

Existe uma troca e intersecção entre as áreas médicas. Por exemplo, uma mulher com incontinência urinária pode ser indicada para um urologista.[15]

Referências

  1. a b *Conceito DE. «Conceito de ginecologia». Consultado em 20 de julho de 2019 
  2. «O que é Ginecologia e Obstetrícia: saiba tudo sobre essa especialidade». Medway. Consultado em 13 de abril de 2025 
  3. a b c d e Oyelese, Yinka; Grünebaum, Amos; Chervenak, Frank (1 de novembro de 2024). «Respect for history: an important dimension of contemporary obstetrics and gynecology». Journal of Perinatal Medicine (em inglês) (9): 914–926. ISSN 1619-3997. doi:10.1515/jpm-2024-0348. Consultado em 16 de abril de 2025 
  4. «Nas comunidades indígenas cuidados à saúde devem ultrapassar a atenção primária». Jornal da USP. 25 de maio de 2023. Consultado em 16 de abril de 2025 
  5. a b ROHDEN, Fabíola (2001). «A Ginecologia: uma ciência da mulher e da diferença». Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher (PDF). Rio de Janeiro: Fiocruz. pp. 49–108. ISBN 9788575413999 
  6. Coelho, Liliane (13 de dezembro de 2022). «A SAÚDE DA MULHER E A CONTINUIDADE DA FAMÍLIA: CONCEPÇÃO E CONTRACEPÇÃO NO PAPIRO MÉDICO DE KAHUN». UERJ. Revista Eletrônica De Antiguidade E Medievo. v.4 (n.2): 81-98. Consultado em 10 de abril de 2025 
  7. Govindan, S. V. (novembro de 2002). Fundamental Maxims of Ayurveda: Prepared for the Common People (em inglês). [S.l.]: Abhinav Publications. Consultado em 14 de abril de 2025 
  8. a b PÉREZ SAN MARTIN, Pabla (2015). Manual de introdução à Ginecologia Natural. [S.l.]: Ginecosofia Ediciones. pp. 27–44. ISBN 9788554348007 
  9. Colling, Ana María (2013). «A invenção do corpo feminino pelos gregos e a violência contra a mulher» (PDF). Universidad Nacional de La Plata. III Jornadas del Centro Interdisciplinario de Investigaciones en Género (3). Consultado em 15 de abril de 2025  line feed character character in |título= at position 65 (ajuda)
  10. a b c d Morais, Janaina de Araujo (1 de dezembro de 2021). «Portal Vermelho: uma etnografia sobre gênero, corpo, sangue, emoções e experiência». doi:10.34019/ufjf/te/2021/00094. Consultado em 16 de abril de 2025 
  11. a b c d e f MARTINS, Ana Paula (2004). A obstetrícia e a ginecologia no Brasil (PDF). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. ISBN 9788575414514 
  12. Dieguez, Roberta Siqueira Mocaiber; Alzuguir, Fernanda de Carvalho Vecchi; Nucci, Marina Fisher (22 de novembro de 2021). «"Descolonizar o nosso corpo": ginecologia natural e a produção de conhecimento sobre corpo, sexualidade e processos reprodutivos femininos no Brasil». Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro): e21211. ISSN 1984-6487. doi:10.1590/1984-6487.sess.2021.37.e21211a. Consultado em 16 de abril de 2025 
  13. «AUTOEXAMEN GINECOLÓGICO: ¿ CÓMO HACERLO? | En portugués». Ginecosofia Brasil. 12 de agosto de 2021. Consultado em 16 de abril de 2025 
  14. Souza, Laís; Almeida, Jaqueline de; Coelho, Maíra; Flôres, Luma (2017). Manual de Ginecologia Natural e Autônoma (PDF). Salvador: [s.n.] 
  15. *Plenitud. «Qual médico procurar para tratar incontinência urinária?». Consultado em 20 de julho de 2019 

Ligações externas

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