Juçara (etnia)
Juçara foi um termo amplamente usado na geografia humana do Brasil para descrever a pessoa que descende ao mesmo tempo da miscigenação dos três tipos étnicos de base formadores do povo brasileiro: branco, indígena e preto. Em virtude do referido tripé étnico, os juçaras representaram por muito tempo a síntese do povo brasileiro.[1]
Junto com mulato, caboclo e cafuzo, o termo juçara foi amplamente usado na bibliografia brasileira até meados da década de 70,[2] quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adotou a nomenclatura "pardo" (1976) para designar quaisquer mestiços, sobretudo os com antepassados indígenas, pretos e seus derivados.[2] A partir de então, o termo juçara caiu em desuso.[2]
(...) Mas há de referir tipos mais complexos de mestiços, como é o caso do chamado juçara, em que se nota a presença de sangue branco, indígena e preto, síntese dos tipos étnicos fundamentais, cuja presença já foi notada no Maranhão.— Aroldo de Azevedo, geógrafo[3]
Testes genéticos nas últimas décadas mostraram que o brasileiro comum tem, em diferentes proporções, sangue dos três povos que formaram o país desde sua colonização.[4][5]
Teoria trabalhada pela História
editarGilberto Freyre
editarNa obra "Casa-Grande & Senzala", Gilberto Freyre introduz a concepção da etnia "juçara" e sua relevância na construção sociocultural do Brasil. Ele destaca a formação da sociedade Brasileira através da miscigenação entre brancos, especialmente portugueses, negros escravizados de diversas origens africanas e os diversos povos povos indígenas do Brasil.[6]
Para Freyre, a própria estrutura da casa-grande simboliza a organização social e política do Brasil, caracterizada pelo patriarcalismo. Essa estrutura é capaz de integrar os diferentes elementos que compõem a propriedade colonial brasileira. O patriarca, considerado o dono absoluto da terra, detinha controle sobre tudo nela existente: escravizados, familiares, descendentes, parceiros, religiosos e políticos. Essa dominação agregava todos esses elementos em vez de excluí-los. Esse padrão se manifestava na casa-grande, que podia abrigar desde escravos até os filhos do patriarca e suas respectivas famílias.
Além disso, Freyre desmistifica a ideia de que a determinação racial foi fundamental na formação do povo brasileiro, enfatizando a importância dos fatores culturais e ambientais. Ele refuta a noção de que a miscigenação resultou em uma raça inferior no Brasil, destacando os aspectos positivos da cultura brasileira que surgiram dessa mistura entre diferentes tradições —O povo juçara.
Ação Integralista Brasileira
editarO integralismo brasileiro fundamentava-se na ideia de miscigenação como um dos pilares da identidade nacional, o que o levou a atrair uma diversidade de cidadãos brasileiros de diferentes origens étnicas. No sul do país, por exemplo, houve uma notável adesão de imigrantes brancos, japoneses, eslavos, indígenas e seus descendentes. Afro-brasileiros também se envolveram no movimento, sendo um exemplo notável João Cândido, líder da Revolta da Chibata.[7] Outros afro-brasileiros proeminentes que fizeram parte da Ação Integralista Brasileira (AIB) incluem Abdias do Nascimento, Sebastião Rodrigues Alves e Ironides Rodrigues. Além disso, houve negros brasileiros que apoiaram o integralismo, como Arlindo Veiga dos Santos, líder da Ação Imperial Patrianovista Brasileira.
O integralismo brasileiro apresentava uma diversidade de correntes de pensamento entre suas lideranças intelectuais. Oficialmente, o movimento se distanciava completamente do racismo.[8] Plínio salgado, Líder da AIB, expressou forte oposição às ideias racistas e conspiratórias, destacando que no Brasil "o problema é ético, e não étnico".
Ação Imperial Patrianovista Brasileira e Frente Negra Brasileira
editarO Patrianovismo Brasileiro, Além de ser um movimento de origem Afro-brasileiro e monarquista, era completamente favorável à Miscigenação como um meio de integração nacional e uma característica fundamental de nossa formação como povo. Os oito pontos delineados no jornal do partido Pátria Nova em 1929 já ilustravam essa posição:[9]
[...] Pátria e raça brasileira – Afirmação do povo brasileiro em todas as posições: religiosa, física e economicamente;
A Frente Negra Brasileira, fundada em 1931 por Arlindo Veiga dos Santos, um afro-brasileiro, foi uma expressão da luta pela "União Social e Política do Povo Negro Nacional". Veiga buscava mobilizar o apoio à causa Monarquista entre as massas negras, transformando a FNB em um centro para ideais patrianovistas, buscando amalgamar a política negra com o patrianovismo.[10]
Ambas as organizações apoiavam:
- Um autêntico nacionalismo brasileiro, católico e municipalista;
- Defesa do tradicionalismo e da miscigenação;
- Combate fervoroso ao bolchevismo;
- Ataques contra a democracia liberal e ao liberalismo em si.
A cooperação entre os grupos era significativa e a defesa da miscigenação ente os imigrantes africanos, europeus e nativos.
Na Atualidade
editarNo contexto contemporâneo do Brasil, certos movimentos adotam a concepção sociológica do "juçara" para descrever aqueles que descendem da miscigenação dos três principais grupos étnicos formadores do povo brasileiro: brancos, povos indígenas do Brasil e negros. Devido a essa mistura étnica, os juçaras representaram durante muito tempo a síntese da identidade brasileira. Esses movimentos se posicionam firmemente contrários o conceito de racismo estrutural e supremacia branca, defendendo as ideias de Gilberto Freyre, do Nacionalismo brasileiro e do patrianovismo. Eles argumentam que somente através da miscigenação é possível superar as questões étnicas do Brasil, formando assim a etnia nacional denominada "juçara".
Entre os movimentos brasileiros que advogam essa perspectiva, destacam-se a Frente Integralista Brasileira, a Legião de Anchieta e a União Nacional Restauradora. Esta última, em seu manifesto, faz uma defesa explícita da miscigenação e do termo "juçara" como representação da etnia nacional.[11]
Referências
- ↑ Mário de Andrade (1944). Macunaíma, volume 4. [S.l.]: Livraria Martins editora. 220 páginas
- ↑ a b c Grant Hermans Cornwell, Eve Walsh Stoddard (2001). Global Multiculturalism: Comparative Perspectives on Ethnicity, Race, and Nation. [S.l.]: Rowman & Littlefield. 354 páginas. isbn 9780742508835
- ↑ Aroldo de Azevedo (1968). Brasil: a terra e o homem. [S.l.]: Cia. Ed. Nacional. 488 páginas
- ↑ Da redação (28 de maio de 2007). «Metade de negros em pesquisa tem ancestral europeu». BBC Brasil. Consultado em 2 de setembro de 2018
- ↑ Reinaldo Azevedo (20 de fevereiro de 2017). «Que Mama África que nada! É Mama Europa, mesmo!». Revista Veja. Consultado em 2 de setembro de 2018
- ↑ Freyre, Gilberto (1933). Memorial da Democracia. Consultado em 22 de Abril de 2024. Rio De Janeiro: [s.n.]
- ↑ Almeida, Silvia Capanema P. de (2011). «Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária». Revista Brasileira de História (61): 61–84. ISSN 0102-0188. doi:10.1590/s0102-01882011000100004. Consultado em 22 de abril de 2024
- ↑ Salgado, Plínio (1956). Coleção Obras Completas, Plínio Salgado. São Paulo: Editora das Américas
- ↑ Domingues, Petrônio (dezembro de 2006). «O "messias" negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978): "Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III !"». Varia Historia (36): 517–536. ISSN 0104-8775. doi:10.1590/s0104-87752006000200015. Consultado em 22 de abril de 2024
- ↑ Malatian, Teresa (2015). O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra Brasileira 1ª edição ed. [S.l.]: Alameda Editorial
- ↑ UNR (2022). «100 PONTOS». UNIÃO NACIONAL RESTAURADORA, 100 pontos para a restauração nacional. Consultado em 22 de Abril de 2024