Katarismo
O katarismo é uma tendência política da Bolívia inspirada no nome de Túpac Katari, importante liderança indígena da virada do século XVIII ao XIX. Sua proposta funcionou como base organizativa e ideológica de processos de emergência indígena ocorridos desde a década de 1970. Esta tendência fomentou mobilizações contra as políticas neoliberais dos anos 2000 ao 2005, na Bolívia, que culminaram na eleição do dirigente cocalero Evo Morais à presidência. Ideais kataristas têm sido parcialmente incorporados na nova Constituição política do Estado boliviano de 2009 e no discurso oficial do Governo de Morais, apesar de não completa e efetivamente realizados. Tais ideais expressam-se especialmente nas noções de "bem-viver" e "Estado plurinacional".[1][2]
História
editarNo início dos anos 1970, o movimento katarista começou a se articular publicamente na Bolívia, objetivando a recuperação da identidade política do povo aimará. O movimento desenvolveu duas chaves principais de pensamento: em primeiro lugar, a concepção de que o colonialismo permaneceu nas repúblicas latino-americanas, mesmo após os processos de independência; e em segundo lugar, o reconhecimento de que a população indígena constitui a maioria demográfica (e assim essencialmente, política) na Bolívia.[2] O katarismo faz visível a dupla opressão que sofrem os povos indígenas da Bolívia: a de classe (no sentido marxista) e a nacional.[2]
Com a reforma agrária de 1953, jovens aimarás passaram a ingressar com menos dificuldade na universidade de La Paz. Ao longo dos anos 1960, eles enfrentaram preconceitos ao habitar a cidade. Neste contexto, começou a emergir o pensamento katarista entre estudantes indígenas, fortemente inspirados pela retórica da revolução nacional, bem como por Fausto Reinaga, escritor e fundador do Partido Índio de Bolívia.[2] Assim, criaram o Movimento Universitário Julián Apaza, MUJA, organizado em torno de demandas culturais como a educação bilingüe. Seu principal líder foi Genaro Flores Santos (quem em 1965 regressou ao campo para dirigir a luta dos camponeses). Outra figura prominente foi Raimundo Tambo.[3]
Em 1971, no Sexto Congresso Nacional Camponês, o congresso da Confederação Nacional de Camponeses, o katarismo emergiu como a maior força de oposição às forças pró-governamentais.[3] Em 1973, no massacre de Tolata (no que foram assassinados ao menos 13 camponeses quíchuas) o movimento katarista se radicalizou.[4] Depois do massacre, os kataristas emitiram o Manifesto Tiwanaku de 1973, denunciando a exploração económica do povo quechua e seu opresión cultural e política. Nesta visão, a consciência de classe camponesa e a consciência étnica aimara e quíchua eram complementares porque viam ao capitalismo e ao colonialismo como a raiz da exploração.
Desenvolvimento político
editar1970-1980
editarO katarismo conseguiu um importante avanço político no final de 1970 através da atuação de suas lideranças na Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses de Bolívia (CSUTCB). Os kataristas defenderam que o sindicato se comprometesse mais com a causa indígena. Finalmente, produziu-se uma divisão dos kataristas em dois grupos. O primeiro, mais reformista, foi dirigido por Víctor Hugo Cárdenas (quem mais tarde foi vice-presidente no governo de Gonzalo Sánchez de Lozada) e encabeçou esforços de institucionalização do multiculturalismo, sob direção do Estado neoliberal. O segundo grupo articulou o caminho do nacionalismo aimará, criando o Movimento Revolucionário Tupaj Katari (MRTK).[2] Esta corrente radical do katarismo tem estado representada por Felipe Quispe (conhecido como Mallku), quem participou na fundação da guerrilha Exército Guerrilheiro Tupac Katari nos anos 1980.[2] Este grupo, mais tarde, converter-se-ia no MIP (Movimento Indígena Pachakuti), o qual se posicionou numa crítica aberta ao neoliberal Consenso de Washington e propôs a união em torno da solidariedade étnica. Quispe defendeu a criação de um país soberano novo, a República de Quillasuyo, que leva o nome de uma das quatro regiões do antigo império onde os incas conquistaram aos aymaras. O atual vice-presidente de Bolívia, Álvaro García Linera, foi membro deste grupo.
A organização katarista ficou debilitada institucionalmente nos anos 1980. Neste contexto, as ONG começaram a apropriar dos símbolos kataristas. Partidos populistas, como Consciência de Pátria (CONDEPA) também começou a integrar os símbolos kataristas em seu discurso.[4]
Após o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) incorporou propostas do katarismo em seu programa durante a campanha eleitoral de 1993 e outros partidos fizeram o próprio, entre eles de maneira notável o Movimento de Esquerda Revolucionária).[4]
Ligações externas
editarReferências
- ↑ Fabiola (1 de janeiro de 2012). «Comunidad indígena y revolución en Bolivia: el pensamiento indianista-katarista de Fausto Reinaga y Felipe Quispe». Política y cultura (37): 185–210. ISSN 0188-7742. Consultado em 3 de janeiro de 2017
- ↑ a b c d e f C, Javier Sanjinés (1 de janeiro de 2004). Mestizaje Upside-down: Aesthetic Politics in Modern Bolivia (em inglês). [S.l.]: University of Pittsburgh Press. ISBN 9780822942276. Consultado em 3 de janeiro de 2017
- ↑ a b Stern, Steve J. (1 de janeiro de 1987). Resistance, Rebellion, and Consciousness in the Andean Peasant World, 18th to 20th Centuries (em inglês). [S.l.]: Univ of Wisconsin Press. ISBN 9780299113544. Consultado em 3 de janeiro de 2017
- ↑ a b c Cott, Donna Lee Van (30 de abril de 2007). From Movements to Parties in Latin America: The Evolution of Ethnic Politics (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9780521707039. Consultado em 3 de janeiro de 2017