Matinta-Pereira
Matinta-Pereira, às vezes, também grafado Matinta-Perera, é uma personagem do folclore brasileiro, mais precisamente na Região Norte do país.[1] Trata-se de uma bruxa velha[2] que à noite se transforma em um pássaro agourento que pousa sobre os muros e telhados das casas e se põe a assobiar, e só para quando o morador, já muito enfurecido pelo estridente assobio, promete a ela algo para que pare (geralmente tabaco, mas também pode ser café, cachaça ou peixe). Assim, a Matinta para e voa, e no dia seguinte vai até a casa do morador perturbado para cobrar o combinado. Caso o prometido seja negado, uma desgraça acontece na casa do que fez a promessa não cumprida.
Antecedentes da lenda
editarOrigem
editarApesar de ter origem nas lendas indígenas, não se sabe ao certo sua origem precisa, e muitos dizem que se trata de uma feiticeira que usa da magia para se transformar em Matinta. Os mais velhos diziam que a sina de transformação seria hereditária, ou seja passaria de mãe para filha.
No caso de não haver herdeira para a sina matinta, a dona da maldição se esconde na floresta e espera que uma mulher passe por lá. Quando uma mulher finalmente passa, então ela pergunta: "quem quer?". Se a moça responder: "eu quero!" então ela se torna ainda naquela noite a Matinta-Pereira.
Grafia
editarA grafia original abrasileirada, escrita em livros do século 19, como ocorre nos escritos de Frederico José de Santana Néri, é com "i" e hífen (Matinta-Pereira) e o uso "Perera", constante em livros mais recentes, é uma tentativa de reproduzir graficamente a fala popular ("linguagem matuta"), mas desaconselhável por não ser fiel à origem da lenda.[3]
A questão da escrita e pronúncia ficam claras na citação dos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro de 1886-1887:
- “O civilizado, que muitas vezes não entende a pronúncia do sertanejo, que é o mais perseguido por ele [Matinta] nas suas viagens, tem-lhe alterado o nome; já o fez Çacy-pererê, Saperê, Sererê, Sarerê, Siriri, Matim-taperê, e até já lhe deu um nome português: Matinta-Pereira (...)”
Segundo os escritos de Néri no século 19 (paraense cuja obra foi toda em francês, já que viveu em Paris), o nome da entidade mitológica é uma corruptela de matiî-taper-ê, termo de uma das línguas indígenas do Pará que significa “o pequenino propenso às ruínas”, no sentido de malfazeres, que foi ao longo do tempo reproduzido oralmente como Maty-Taperê para então virar o Matinta-Pereira da escrita.[3] Noutras regiões do Brasil, a entidade recebe outros nomes, como Sacy tapererê no Sul e Sudeste e Caipora (centro-leste do país).[4]
Versões
editarNas cidades amazônicas existem duas versões para a lenda da Matinta, a primeira é que ela se transforma em uma coruja rasga-mortalha ou num corvo, outra versão diz que ela se veste de uma roupa preta que lhe cobre todo o corpo dando-lhe nos braços uma espécie de asa para que possa planar sobre as casas.
Armadilha
editarHá quem diga que existe um jeito de prender a Matinta e os materiais são simples: uma tesoura, uma chave comum, um rosário bento e uma vassoura virgem. A chave deve ser enterrada e a tesoura fincada em cima do local, o rosário se põe por cima da tesoura. Toda Matinta que passar por ali ficará presa, mas depois que ela for libertada deve-se varrer o local com a vassoura para que a sina não se espalhe. Outra versão diz que ela não pode ouvir o nome de qualquer deus enquanto estiver transformada, pois se não o feitiço acaba, já que, sendo uma bruxa, não tem uma religião.
Cancioneiro popular
editarO repentista Teobaldo Patacho, mestre do cancioneiro popular paraense, transforma em versão da canção "Paixão Cabeluda" (Do álbum "Pára no Pará", de 1987) a lenda regional do casamento atribulado entre a atormentada Matinta e o deslizante Boto. Segundo as versões mais populares, a união foi desfeita pelo boto, por não aturar o cheiro de cachaça e de fumo com que a esposa chegava em casa todas as noites, mas também é comum se encontrar versões relegando à jovem Matinta o fim das núpcias, dado que o Boto era muito afeito a procurar jovens donzelas à beira do Rio Guamá.
Carnaval
editarNo ano de 2015, a lenda foi mencionada no enredo da São Clemente, "A Incrível História do Homem que Só Tinha Medo da Matinta-Pereira, da Tocandira e da Onça Pé de Boi", uma homenagem ao carnavalesco Fernando Pamplona.[5]
Na música
editarAparece em uma peça das "Lendas Amazônicas" de Waldemar Henrique
Matinta é descrita na letra da música "Matinta", da banda brasileira Armahda.
É citada em "Águas de Março" de Tom Jobim.
Ver também
editarReferências
- ↑ Lenda da Tia Podó a matinta-pereira de Igarapé-Miri
- ↑ Extra (16 de fevereiro de 2015). «São Clemente traz bruxas na comissão de frente; fotos». Consultado em 31 de agosto de 2016
- ↑ a b F.J. de Sant-Anna Nery (1889). Folk Lore Brésilien (em francês). [S.l.]: Librairie Académique Didier. 272 páginas
- ↑ F.L. Bittencourt Sampaio ( (1890). Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. [S.l.]: Typographica de G. Leuzinger & filhos. 286 páginas
- ↑ Galeria do Samba. «Carnaval 2015». Consultado em 10 de outubro de 2016