Mineirinho (criminoso)
José Miranda Rosa, mais conhecido como Mineirinho (1934 — Rio de Janeiro, 1 de maio de 1962) foi um criminoso brasileiro. Descrito como "inimigo número um da polícia carioca",[1] havia sido condenado a 104 anos de prisão por seus crimes e encontrava-se foragido.[2] Foi perseguido por mais de trezentos policiais, mobilizados pelo Detetive Le Cocq, e executado no 1 de maio de 1962, alvejado com treze disparos.[1]
Mineirinho | |
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Mineirinho após sua recaptura, 1955. | |
Nome | José Miranda Rosa |
Data de nascimento | 1934 (91 anos) |
Data de morte | 1 de maio de 1962 (28 anos) |
Local de morte | Rio de Janeiro |
Crime(s) | homicídio, roubo, furto, formação de quadrilha |
Pena | 108 anos (dezoito condenações em processos) |
Fuga | 1ª: 23 de fevereiro de 1955 (Penitenciária de Niterói) 2ª: Setembro de 1961 (Manicômio de Niterói) 3ª 23 de abril de 1962 (Manicômio de Niterói) |
Término da fuga | Fuzilado em circunstâncias obscuras pela Polícia do Rio de Janeiro em 1 de maio de 1962 |
Preso em | 1ª - 11 de agosto de 1954 - Cadeia Pública de Niterói |
Sua biografia inspirou o filme Mineirinho Vivo ou Morto e o conto Mineirinho, de Clarice Lispector.[2][3] Em 1977, Lispector declarou que o conto era um de seus textos favoritos e protestou contra a violência policial.[4]
História
editarNasceu em 1934. Na adolescência foi internado no Serviço de Assistência a Menores (SAM) na Escola 15 e na Ilha do Carvalho, de onde fugiu aos dezesseis anos. Mineirinho era punguista e praticava pequenos furtos nos subúrbios ferroviários do Rio de Janeiro quando, aos dezoito anos, foi agredido por passageiros de um trem e jogado nos trilhos. Após se recuperar dos ferimentos, voltou a São João de Meriti e passou a integrar uma quadrilha de pequenos criminosos liderada por "China Preto". Posteriormente a quadrilha recebeu um novo integrante, Jorge 16 (também conhecido como "Moleque 16"), que havia furtado armas automáticas do Exército Brasileiro, incluindo um metralhadora portátil. Com maior poder de fogo, a quadrilha passou a atacar e extorquir os pontos de jogo de bicho da cidade.[5] Mineirinho era tido por ser um bandido sem importância até cometer três homicídios aos vinte anos, ganhando algum reconhecimento no mundo do crime.[6]
Onda de crimes
editarEm 9 de fevereiro de 1954 a quadrilha agora liderada por Mineirinho atacou a tiros uma banca de jogo do bicho na divisa entre Meriti e Rio de Janeiro, matando um e ferindo dois funcionários da banca.[7] A escalada do conflito entre a quadrilha de Mineirinho e os bicheiros de São João de Meriti chegou ao auge na manhã de 6 de julho de 1954 quando a quadrilha, formada por Mineirinho, "Ciganinho", Paulo "Gaturama' e Wilson "Crioulo", atacou a "fortaleza" do banqueiro de bicho Waldemar (Baú) em Vilar dos Teles, após o banqueiro não lhes pagar cinco mil cruzeiros. Mineirinho e sua quadrilha roubaram todo o dinheiro do banqueiro e demais objetos encontrados na "Fortaleza". Ao fugir, Mineirinho deixou um bilhete ameaçando Baú de morte caso não pagasse a extorsão.[8] No mesmo dia a quadrilha de Mineirinho atacou a “fortaleza” do banqueiro de bicho Arnaud Guedes de Amorim (Baiano) em Meriti. No tiroteio que se seguiu, os homens de Baiano conseguiram alvejar “Ciganinho”.[9] Dias depois Mineirinho atacou uma farmácia em Vila Rosali, em plena luz do dia.[6] A “fortaleza” de Baiano foi atacada uma segunda vez em 12 de julho.[10]
A autoridade policial agia de forma passiva, deixando bicheiros e a quadrilha de Mineirinho se enfrentar pela cidade. Isso mudou quando Mineirinho ampliou as ameaças para os comerciantes de Meriti, incluindo a filial da Caixa Econômica da cidade que foi ameaçada de ataque em 20 de julho de 1954.[11] Com as ameaças, a força policial em Vilar dos Teles e em Meriti foi reforçada e a quadrilha de Mineirinho passou a ser perseguida, com a força policial sendo equipada com armamento pesado, incluindo metralhadoras.[12]
Ainda assim, as operações policiais vazavam e a quadrilha conseguiu escapar de diversos cercos montados, deixando a imprensa a suspeita de haver “espiões” à serviço da quadrilha na força policial.[13] Diante do insucesso na perseguição a Mineirinho, a polícia de Meriti passou a fechar bordéis e bancas de jogo do bicho na cidade, chegando a invadir as fortalezas dos banqueiros de jogo do bicho (mesmo que essa repressão prejudicasse a "caixinha da polícia" que era recolhida nesses lugares).[14] A sensação de impunidade fez Mineirinho desafiar o delegado de Meriti Rogério Karp.[15] e afirmar que não o “pegariam vivo”.[16]
Em 4 de agosto o bando de Mineirinho atacou um posto policial em Duque de Caxias, matando dois homens da Força Pública.[17][18] À partir desse momento, Mineirinho foi declarado inimigo público número um das autoridades e suas ações passaram a ser acompanhadas com maior ênfase pela imprensa. O delegado de Nova Iguaçu Amil Rechaid passou a defender a execução de Mineirinho, enquanto tentava despistar os jornalistas. A polícia chegou a atirar em carros de reportagem e até a prender os jornalistas Walter Ferreira (O Dia) e Antônio Lemos (Luta Democrática) durante a campana para prender o bando.[19]
Em 11 de agosto de 1954 Mineirinho e sua quadrilha foram presos na Penha.[20] Transferido para a Cadeia Pública de Niterói, Mineirinho fugiu em 23 de fevereiro de 1955.[21] Durante a fuga, um guarda foi morto.[22] Mineirinho foi recapturado no dia seguinte nos arredores da estação Corte 8 pelo delegado de Meriti Rogério Karp.[23][24] Levado ao tribunal de Meriti para ser julgado. O resultado do primeiro caso terminou com o júri decidindo em 4 a 3 pela absolvição.[25] Em agosto, novo julgamento.[26] Em março de 1956 Mineirinho foi condenado a dezoito anos de prisão, a serem cumpridos na Penitenciária de Niterói.[27][28] Com outras condenações em dezoito processos julgados no Rio de Janeiro, Niterói e São João de Meriti, sua pena alcançou 108 anos.[29][5]
Fuga e execução
editarDurante seu período na Penitenciária de Niterói, Mineirinho foi submetido a sevícias, praticadas por policiais e carcereiros. Em depoimento ao juiz da 26ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Mineirinho afirmou que um dos soldados mortos no ataque ao posto policial de Duque de Caxias em 4 de agosto de 1954 era filho do comandante do policiamento da Penitenciária de Niterói. O comandante, segundo Mineirinho, aproveitava-se de seu cargo para ordenar torturas e espancamentos como forma de vingança pela morte do filho. Dessa forma, o juiz da 26ª Vara determinou a transferência de Mineirinho para o Manicômio Judicial de Niterói. Ali Mineirinho permaneceu até setembro de 1961 quando conseguiu fugir.[5] Recapturado pelo detetive Perpétuo (conhecido por prender suspeitos e criminosos sem disparar tiros)[30], Mineirinho fugiu novamente do Manicômio Judicial de Niterói em 23 de abril de 1962.[31] Enquanto negociava se entregar, através da imprensa, Mineirinho foi executado com treze tiros em 1 de maio de 1962 por um grupo de policiais ligados ao Esquadrão da Morte. Seu corpo foi encontrado mais tarde naquele dia por jornalistas.[5]
Referências
- ↑ a b Hermann, Victor (15 de maio de 2023). «Como contar 80 tiros? A questão do primeiro disparo, segundo Clarice Lispector». Revista Brasileira de Literatura Comparada: 215–230. ISSN 0103-6963. doi:10.1590/2596-304x20232548vh. Consultado em 13 de agosto de 2023
- ↑ a b «Encontros Claricianos "Como uma Flor(a) é feita"» (PDF). Universidade Federal do Ceará: p. 68. Consultado em 13 de agosto de 2023
- ↑ «Who was Mineirinho – Clarice Lispector» (em inglês). Consultado em 13 de agosto de 2023
- ↑ Rosenbaum, Yudith (24 de junho de 2010). «A ética na literatura: leitura de "Mineirinho", de Clarice Lispector» (PDF). Consultado em 13 de agosto de 2023
- ↑ a b c d MOLICA, Fernando (org.) (2007). 50 Anos de Crimes - Reportagens policiais que marcaram o jornalismo brasileiro: Coleção Jornalismo Investigativo da Abraji, Volume 2 1ª ed. [S.l.]: São Paulo: Record. p. 79-108. 546 páginas. ISBN 978-8501076069
- ↑ a b «Maconheiros e assassinos». Luta Democrática, ano I, edição 130, página 2. 9 de julho de 1954. Consultado em 22 de junho de 2024
- ↑ «Tiroteiro em São João de Meriti». Luta Democrática, ano I, edição 7, página 5. 10 de fevereiro de 1954. Consultado em 22 de junho de 2024
- ↑ «Fuzilaria em Meriti: "Gangasters" meltralham a fortaleza dos bicheiros». Ultima Hora, ano IV, edição 938, página 7. 7 de julho de 1954. Consultado em 22 de junho de 2024
- ↑ «Metralharam fortalezas do "bicho": O bandido Mineirinho comandava a quadrilha». Luta Democrática, ano I, edição 128, página 1. 7 de julho de 1954. Consultado em 22 de junho de 2024
- ↑ «Foi o segundo assalto contra "Baiano"». Luta Democrática, ano I, edição 133, página 5. 13 de julho de 1954. Consultado em 22 de junho de 2024
- ↑ «Pânico em Meriti com as ameaças de Mineirinho». O Jornal, ano XXXV, edição 10388, página 9. 21 de julho de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Mineirinho promete realizar assaltos hoje». O Jornal, ano XXXV, edição 10390, página 9. 23 de julho de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Espiões do bandido na Polícia: Mineirinho avisado de todas "batidas" com antecedência». O Jornal, ano XXXV, edição 10393, página 11. 27 de julho de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Fortalezas do lenocínio e do jogo estouradas em S.João de Meriti». Luta Democrática, ano I, edição 136, páginas 1 e 2. 16 de julho de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Mineirinho lança um desafio para um duelo com a Polícia». O Jornal, ano XXXV, edição 10394, página 9. 28 de julho de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Mineirinho jurou para os companheiros de bando: não me pegarão vivo». Última Hora, ano IV, edição 960, página 6. 2 de agosto de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ Helio Rocha (5 de agosto de 1954). «"Gangasters" de metralhadora atacam o destacamento policial». Última Hora, ano IV, edição 963, página 2. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Mineirinho ataca a polícia». Luta Democrática, ano I, edição 153, pagina 1. 5 de agosto de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Metralhado o repórter de Luta Democrática e sequestrado o de O Dia». Luta Democrática, ano I, edição 156, pagina 1. 8 de agosto de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Capturado na Penha o Bando de Mineirinho». Última Hora, ano IV, edição 969, página 6. 12 de agosto de 1954. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Toda Polícia mobilizada para prender o facínora». O Jornal, ano XXXVI, edição 10570, página 11. 24 de fevereiro de 1955. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Ainda em liberdade os facínoras de Niterói». Tribuna da Imprensa, ano VII, edição 1567, página 6. 23 de fevereiro de 1955. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Policial saltou sobre Mineirinho como fera!». Última Hora, ano IV, edição 1129, página 1. 24 de fevereiro de 1955. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Mineirinho recapturado em São João de Meriti». Tribuna da Imprensa, ano VII, edição 1568, páginas 1 e 7. 24 de fevereiro de 1955. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ Palco da Vida (3 de agosto de 1955). «Mineirinho, o inocente». Última Hora, ano V, edição 1263, página 5. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Mineirinho julgado novamente». O Jornal, ano XXXVI, edição 10708, página 9. 6 de agosto de 1955. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Condenado "Mineirinho" a dezoito anos de reclusão». O Jornal, ano XXXVII, edição 10898, página 9. 17 de março de 1956. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Em outros países "Mineirinho" já teria sido condenado à morte». Diário da Noite (RJ), ano XXVIII, edição 6043, página 6. 17 de março de 1956. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Somam mais de 100 anos de reclusão as condenações do bandido "Mineirinho"». Diário da Noite (RJ), ano XXXVIII, edição 6154, página 6. 27 de julho de 1956. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ Eduardo Ramalho (11 de novembro de 1961). «Mineirinho perdeu o duelo com Perpétuo». O Cruzeiro, ano XXXIV, edição 5, páginas 126-135. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ «Polícia caça "Mineirinho" que fugiu ontem da prisão com mais três delinquentes». O Jornal, ano XL, edição 12561, página 11. 24 de abril de 1962. Consultado em 2 de dezembro de 2024