Mir (deus armênio)

Mir (em armênio: Միհր; romaniz.: Mihr), na mitologia armênia, foi o deus da luz e pureza, filho de Aramasde. Foi associado no Período Helenístico ao deus Hefesto.

Mir (Mihr) é a forma persa média e parta (𐭬𐭲𐭥), armênia (միհր) e georgiana (მიჰრ) do nome do deus Mitra (em avéstico: 𐬨𐬌𐬚𐬭𐬀, em persa antigo: 𐎷𐎰𐎼, Miθra), cujo nome significa "Sol, amor, amizade".[1][2] Em grego (em grego: Μίθρας, Míthras) e latim (Mithras) foi referido como Mitras e com base em inscrições gregas do século II a.C. descobertas em Armavir, essa grafia também foi conhecida e utilizada entre os armênios.[3]

História

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Ao contrário de sua contraparte iraniana, que foi associado a Hermes, Hélio e Apolo durante o Período Helenístico,[4] o Mir armênio foi associado a Hefesto, segundo Moisés de Corene.[5] Por sua vez, em uma das recensões gregas do texto de Agatângelo, Mir é associado ao deus Dioniso.[6] Isso reforça que o deus armênio não era tido como um deus solar, apesar de compartilhar o nome com Mitra, e seus aspectos solares foram melhor associados a Tir e Vaagênio.[7][8] Suas características locais têm apontado relações com o urartita Haldi, cujo sincretismo com Mitra é antigo.[a] Presume-se que, para todos os efeitos, Haldi tenha sido renomeado para Mir em decorrência desse sincretismo, cujo processo foi facilitado pelas características em comum desses deuses, que estavam relacionados ao fogo e à guerra.[9] Por conseguinte, James R. Russell propôs que, até certo ponto, a explicação para outros deuses ocuparem a posição de divindades solares do panteão armênio, em particular Vaagênio, cujo culto era popular durante o Período Arsácida, demonstra um possível declínio do culto a Mir na Armênia.[10]

No panteão local, era filho de Aramasde, o deus supremo.[4] Armen Petrosyan argumentou que, uma vez que a grafia parta (Mir) prevaleceu como o nome pelo qual o deus ficou conhecido nas fontes armênias tardias, é possível que o panteão armênio tenha sido organizado entre os séculos II-I a.C., pelos artaxíadas, com base no culto arsácida da época.[11] No Período Helenístico, estátuas gregas de Aramasde, Mir e Nane devem ter sido construídas nos santuários desses deuses na Alta Armênia, o que reforçava seus respectivos cultos, lhes dando roupagem helênica.[12] O principal santuário de Mir ficava no Eufrates Superior em Basgidáriza (atual Chadercaia, na província de Erzincã), no distrito de Derzena da Alta Armênia.[13][14] Esse santuário localizava-se próximo da fronteira entre a Grande Armênia e o Ponto, onde vários reis chamar-se-iam Mitridates,[c] o que reforça o quão enraizado era seu culto na região.[15][c] O termo armênio antigo mehean, "templo pagão", está relacionado a uma das variantes de Mitra/Mir e e pode ter sido o nome de seus templos.[16] Outros possíveis candidatos a termos derivados de seu nome são mekehan (o sétimo mês do calendário armênio) e mehevant (um tipo de colar).[17]

No Monte Ninrode, o rei orôntida Antíoco I (r. 70–31 a.C.) erigiu estátuas monumentais dos deuses cultuados no Reino de Comagena, dentre elas de Apolo-Mitras, a forma helenizada do nome Mitra.[18] Embora o panteão comageno fosse, em essência, idêntico ao panteão armênio, esses teônimos sugerem que Comagena mantinha uma tradição cúltica mais próxima dos deuses originais iranianos, preservando a associação tradição de Mitra com Apolo, ao contrário da relação entre o Mir armênio e Hefesto.[19] Na épica histórica preservada na obra Temerários de Sasúnia, Mir reemergiu na figuras de Mer, o Velho, filho de Sanasar, e Mer, o Jovem.[d] No final do épico, Mer, o Jovem, entra na "Porta de Mer" na rocha de Vã, de onde renascerá. Essa "Porta de Mer" é uma espaçosa inscrição urartiana gravada na rocha, onde os deuses do panteão urartiano e os sacrifícios a eles são listados. No início da inscrição, é dito que a inscrição na superfície retangular plana cortada na rocha é dedicada ao deus Haldi. Em fontes em persa novo do período islâmico, os templos zoroastristas são referidos como Dar-i Mir (Dar-i Mihr), "Porta de Mir", que pode ter alguma vaga relação com o nome dos templos urartitas dedicados a Haldi, ou seja, as "Portas de Haldi".[20]

[a] ^ Não há consenso quando o sincretismo entre Mitra e Haldi começou. Igor M. Diakonoff propôs que remonta ao período da conquista do planalto Armênio pelo Império Aquemênida (século VI a.C.) ou depois, mas Armen Petrosyan propôs que tenha ocorrido muito antes, haja vista a menção precoce de Mitra no panteão do Reino de Mitani em documentos do século XIV a.C..[21]
[b] ^ Mir deu origem a vários antropônimos teofóricos comuns no planalto Armênio como Mirranes / Mitranes (Μιρράνης / Μιθράνης),[22] Meruzanes / Mitrobuzanes (Μερουζάνης / Μιθροβουζάνης),[23][24] Mitridates (Μιθριδάτης),[25] etc.
[c] ^ Em Derzena, a leste de Basgidáriza estava situada a vila de Caltoiarriche (Xałtoy aṙič), "Vila de Calte". Nessa região viviam as populações conhecidas como cáldios pelos gregos e caltiques (Xałtik) pelos armênios, cujo nome está etimologicamente associado ao de Haldi. Nesse sentido, Caltoiarriche pode ter sido um antigo centro de culto a Haldi, o predecessor local de Mir.[26]
[d] ^ Mir e sua contraparte épica Mer, o Jovem podem igualmente ter relação com Ara, o Belo, um dos heróis da tradição oral armênia, que também está associado com a ideia de morte e renascimento.[27]

Referências

  1. Ačaṙyan 1942–1962a, p. 331-332.
  2. Sundermann 2002.
  3. Petrosyan 2015, p. 75.
  4. a b Petrosyan 2015, p. 73-74.
  5. Petrosyan 2015, p. 73-74, 83.
  6. Petrosyan 2015, p. 68, nota 9.
  7. Petrosyan 2015, p. 96-97.
  8. Russell 1987, p. 82, 196.
  9. Petrosyan 2015, p. 79.
  10. Russell 1987, p. 82.
  11. Petrosyan 2015, p. 86-87.
  12. Petrosyan 2015, p. 99.
  13. Canepa 2018, p. 199-201, 242.
  14. Petrosyan 2015, p. 74, 85.
  15. Petrosyan 2015, p. 80.
  16. Petrosyan 2015, p. 77.
  17. Hacikyan et al. 2000, p. 68.
  18. Petrosyan 2015, p. 101.
  19. Petrosyan 2015, p. 101-102.
  20. Petrosyan 2015, p. 77, 95.
  21. Petrosyan 2015, p. 75-76.
  22. Rapp 2014, p. 225.
  23. Ačaṙyan 1942–1962b, p. 326.
  24. Fausto, o Bizantino 1989, p. 391.
  25. Tavernier 2007, p. 249.
  26. Petrosyan 2015, p. 74, 95-96.
  27. Petrosyan 2015, p. 110.

Bibliografia

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  • Ačaṙyan, Hračʻya (1942–1962a). «միհր». Hayocʻ anjnanunneri baṙaran [Dictionary of Personal Names of Armenians]. Erevã: Imprensa da Universidade de Erevã 
  • Ačaṙyan, Hračʻya (1942–1962b). «Մերուժան». Hayocʻ anjnanunneri baṙaran [Dictionary of Personal Names of Armenians]. Erevã: Imprensa da Universidade de Erevã 
  • Canepa, Matthew P. (2018). The Iranian Expanse: Transforming Royal Identity through Architecture, Landscape, and the Built Environment, 550 BCE–642 CE. Berkeley: University of California Press 
  • Fausto, o Bizantino (1989). Garsoïan, Nina, ed. The Epic Histories Attributed to Pʻawstos Buzand: (Buzandaran Patmutʻiwnkʻ). Cambrígia, Massachusetts: Departamento de Línguas e Civilizações Próximo Orientais, Universidade de Harvard 
  • Hacikyan, Agop J.; Basmajian, Gabriel; Franchuk, Edward S.; Ouzounian, Nourhan (2000). The Heritage of Armenian Literatura Volume I: From the Oral Tradition to the Golden Age. Detroit: Wayne State University Press 
  • Petrosyan, Armen (2015). Problems of Armenian Prehistory. Myth, Language, History. Erevã: Gitutyun. ISBN 9785808012011 
  • Rapp, Stephen H. Jr. (2014). The Sasanian World through Georgian Eyes: Caucasia and the Iranian Commonwealth in Late Antique Georgian Literature. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd. ISBN 1472425529 
  • Russell, James R. (1987). Zoroastrianism in Armenia. Cambridge: Harvard University Press. ISBN 978-0674968509 
  • Tavernier, Jan (2007). «4.2.1109. *Miθradāta-». Iranica in the Achaemenid Period (ca. 550–330 B.C.): Lexicon of Old Iranian Proper Names and Loanwords, Attested in Non-Iranian Texts. Lovaina e Paris: Peeters Publishers