Moça lendo uma carta à janela (Vermeer)
Moça lendo uma carta à janela (em neerlandês: Brieflezend meisje bij het venster) é uma pintura a óleo sobre tela pintada cerca de 1657-59 pelo mestre holandês do Renascimento Johannes Vermeer que se encontra actualmente na Pinacoteca dos Mestres Antigos, de Dresden.
Jovem lendo uma carta à janela | |
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Autor | Johannes Vermeer |
Data | c. 1657-59 |
Técnica | Pintura a óleo sobre tela |
Dimensões | 83 cm × 64,5 cm |
Localização | Pinacoteca dos Mestres Antigos, Dresden |
A pintura que apresenta uma jovem holandesa a ler uma carta em frente de uma janela aberta foi atribuida primeiro a Rembrandt e depois a Pieter de Hooch até que em 1880 a obra foi devidamente atribuida a Vermeer. Após a Segunda Guerra Mundial, a pintura esteve brevemente na posse da União Soviética até de ser devolvida à Alemanha. Em setembro de 2021 foi revelado um mistério sobre a obra. Na parede ao alto do lado direito há um cupido que ficou escondido durante cerca de três séculos debaixo de uma camada de tinta. O resultado deixou a obra ainda mais interessante e esclarecedora.
Descrição e técnica
editarA pintura retrata uma jovem loira holandesa de pé em frente a uma janela aberta, de perfil, lendo uma carta. Uma cortina vermelha desce da parte superior da janela. A porta envidraçada da parte de baixo está aberta para dentro e no quadrante inferior direito reflecte a imagem da jovem.
Uma cortina ocre presa num varão por argolas, em primeiro plano à direita, parcialmente fechada, encobre parte do quarto em que a jovem se encontra. A cor verde da cortina drapejada reflecte o verde do vestido da mulher e os tons da fruta que está numa tigela inclinada sobre a mesa coberta de coberta grossa vermelha. Na mesa, ao lado da tigela, está um pêssego cortado ao meio revelando o caroço.
As próprias cortinas, penduradas no primeiro plano direito, não são um elemento raro em Vermeer, aparecendo em sete das suas pinturas.[1] Mais comum ainda é o repoussoir que aparece em 25 delas, sendo Moça lendo uma carta à janela, uma das três que apresenta uma mesa coberta com uma tapeçaria entre a figura principal da pintura e o espectador.[1] Foi a última pintura em que Vermeer usou este esquema.[1]
Moça lendo uma carta à janela e Oficial e Moça rindo representam os primeiros exemplos conhecidos de pointillé[2] (que não deve ser confundido com Pontilhismo) pelo qual Vermeer se tornou conhecido.[3] John Michael Montias (1991) aponta os "pequenos glóbulos brancos" que podem ser vistos nas partes mais brilhantes de ambas as pinturas, incluindo nos elementos de natureza morta, e nos cabelos loiros da Jovem lendo.[3] Este uso da luz pode sustentar a especulação de historiadores da arte de Vermeer ter usado um dispositivo óptico mecânico, como uma lente côncava dupla montada numa câmara obscura, para o ajudar a alcançar padrões de luz realistas nas suas pinturas.[3]
Materiais usados
editarMoça lendo uma carta à janela, juntamente com várias outras obras de Vermeer, foi objecto de investigação por Hermann Kühn em 1968.[4] A análise de pigmentos não revelou nenhuma peculiaridade, pois Vermeer usou os pigmentos usuais do período barroco. A cortina verde em primeiro plano foi pintada principalmente numa mistura de azul azurite e "lead-tin-yellow", enquanto a parte inferior contém verde terra. Para a cortina vermelha na janela e nas partes vermelhas da cobertura da mesa Vermeer usou uma mistura de vermilion, Alizarina e "branco chumbo".[5]
Interpretação
editarNorbert Schneider (2000) considera que a janela aberta está num nível destinado a representar "o desejo da mulher de estender a esfera doméstica" para além das restrições impostas em sua casa e pela sociedade, enquanto o fruto "é um símbolo de relações extraconjugais".[6] Schneider conclui que a carta é uma carta de amor destinada a iniciar ou continuar um relacionamento ilícito, baseado no fato de os raios-x da tela terem mostrado que Vermeer chegou a retratar um putto, possivelmente Cupido, na pintura.[7] A figura estaria a pairar no canto superior direito da obra.[3][8] Análises atuais revelaram que a imagem do cupido foi coberta no final do século 18, de forma que a parede aparecia em branco.[9] Entre 2018 e 2021, a pintura foi completamente revertida ao original por um projeto de restauração conduzido pelo museu Staatliche Kunstsammlungen Dresden, finalmente revelando a figura de Cupido por inteiro.[10]
História
editarVermeer completou Moça lendo uma carta à janela aproximadamente em 1657–59.[11][12] Em 1742, Augusto III da Polônia, Eleitor da Saxônia, comprou a pintura convencido erradamente que tinha sido pintada por Rembrandt.[13] Em 1826 foi de novo erradamente atribuida a Pieter de Hooch.[14] Até que em 1860 o crítico de arte francês Théophile Thoré-Bürger a reconheceu como uma das raras obras de Vermeer restabelecendo a sua correcta autoria.
Moça lendo uma carta à janela fez parte do grupo de pinturas salvas da destruição no Bombardeamento de Dresden da II Guerra Mundial.[15] Tendo sido armazenada com outras obras de arte num túnel, na Saxónia, foi depois encontrada pelo Exército Vermelho e levada para a União Soviética.[15][16] Os soviéticos consideraram este confisco como um ato de resgate, enquanto outros o consideraram como um ato de pilhagem. De qualquer modo, em 1955, após a morte de Stalin, os soviéticos decidiram devolver a pintura à Alemanha, "com o objetivo de fortalecer e promover o progresso da amizade entre os povos soviético e alemão".[16][17] Pesarosos por perder centenas de pinturas, houve historiadores de arte e curadores de museus na União Soviética que sugeriram que "em reconhecimento por salvar e devolver os tesouros mundialmente famosos da Galeria de Dresden", os alemães poderiam talvez doar aos soviéticos Moça lendo uma carta à janela e Vénus adormecida de Giorgione.[16] Os alemães não aceitaram a ideia e a pintura foi devolvida pelos soviéticos estando actualmente na Gemäldegalerie de Dresden.[15][16][3]
Legado
editarMoça lendo uma carta à janela tem sido uma inspiração para outros artistas, por exemplo para o fotógrafo Tom Hunter cuja interpretação fotográfica do tom sombrio da emoção e da tigela de fruta mostra uma jovem mãe com o seu filho a ler um aviso de despejo.[18]
Notas e referências
editar- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Girl Reading a Letter at an Open Window».
- ↑ a b c Huerta (2003), p. 66.
- ↑ Techniques of Decoration on Arms and Armor no MMA, [1]
- ↑ a b c d e Montias (1991), p. 152.
- ↑ Kuhn, H. A Study of the Pigments and Grounds Used by Jan Vermeer. Reports and Studies in the History of Art, 1968, 154–202.
- ↑ Johannes Vermeer, A Lady Reading a Letter na página da Colourlex, [2],
- ↑ Schneider (2000), p. 49.
- ↑ Schneider (2000), p. 50.
- ↑ Huerta (2005), p. 37.
- ↑ «Gemälde übermalt - "Vermeer war kein Begriff"». Deutschlandfunk (em alemão). Consultado em 30 de agosto de 2021
- ↑ Solomon, Tessa; Solomon, Tessa (24 de agosto de 2021). «Restoration of Vermeer Painting in Germany Reveals Hidden Image of Cupid». ARTnews.com (em inglês). Consultado em 30 de agosto de 2021
- ↑ Huerta (2003), p.83.
- ↑ Shapiro (2003), p. 63.
- ↑ Saltzman (2008), p. 39.
- ↑ Cumming (2001).
- ↑ a b c Bailey (1995), p. 44.
- ↑ a b c d Akinsha (1991).
- ↑ Smith (2002), p. 60.
- ↑ Woman Reading Possession Order de Tom Hunter na página da Saatchi Gallery, [3]
Bibliografia
editar- Akinsha, Konstantin; Kozlov, Grigorii (Abril de 1991). «Spoils of War». ARTnews. Consultado em 7 de agosto de 2017. Arquivado do original em 15 de novembro de 2008
- Bailey, Martin (26 de Outubro de 1995). Phaidon Press, ed. Vermeer. [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-7148-3462-7
- Cumming, Laura (27 de Maio de 2001). «Only Here for the Vermeer». The Observer
- Huerta, Robert D. (2003). Bucknell University Press, ed. Giants of Delft: Johannes Vermeer and the natural philosophers: the parallel search for knowledge during the age of discovery. [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-8387-5538-9. Consultado em 9 de Julho de 2010
- Huerta, Robert D. (2005). Vermeer and Plato: painting the ideal. [S.l.]: Bucknell University Press. ISBN 978-0-8387-5606-5
- Liedtke, Walter A. (2001). Metropolitan Museum of Art, ed. Vermeer and the Delft School. [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-87099-973-4
- Montias, John Michael (1991). Vermeer and His Milieu: A Web of Social History. [S.l.]: Princeton University Press. ISBN 978-0-691-00289-7
- Saltzman, Cynthia (19 de Agosto de 2008). Old Masters, New World: America's raid on Europe's great pictures, 1880-World War I. [S.l.]: Penguin Group. ISBN 978-0-670-01831-4
- Schneider, Norbert (17 de Maio de 2000). Vermeer, 1632–1675: veiled emotions. [S.l.]: Taschen. ISBN 978-3-8228-6323-7. Consultado em 9 de Julho de 2010
- Shapiro, Gary (15 de Abril de 2003). Archaeologies of vision: Foucault and Nietzsche on seeing and saying. [S.l.]: University of Chicago Press. ISBN 978-0-226-75047-7
- Smith, Kathleen E. (2002). Mythmaking in the new Russia: politics and memory during the Yeltsin era. [S.l.]: Cornell University Press. ISBN 978-0-8014-3963-6. Consultado em 27 de Junho de 2010
Ligações externas
editar- Essential Vermeer website pages on the painting
- Johannes Vermeer, A Lady Reading a Letter, Colourlex
- High resolution image at Google Cultural Institute