Modelo de Reed-Frost
O Modelo de Reed-Frost é um modelo epidêmico estocástico criado na década de 1920 pelo matemático Lowell Reed e médico Wade Hampton Frost, ambos professores da Universidade Johns Hopkins. Apesar de originalmente eles utilizarem o modelo em 1925,[1] em suas aulas de epidemiologia, somente na década de 1950 a formulação matemática foi publicada e transformada em um programa de TV.[2][3]
História
editarDurante a década de 1920, o matemático Lowell Reed e o médico Wade Hampton Frost desenvolveram um modelo de cadeia binomial para a propagação de doenças, utilizado nas suas aulas de bioestatística e epidemiologia na Universidade Johns Hopkins. Apesar de não terem publicado seus resultados, vários outros acadêmicos fizeram referência a eles em seus estudos.[4] Somente em 1950 a formulação matemática foi publicada e transformada em um programa de televisão intitulado Epidemic theory: what is it?.[3]
No programa, Lowell Reed, após explicar a definição formal do modelo, demonstra a sua aplicação por meio de uma experimentação com bolas de gudes de diferentes cores.[3]
O modelo é uma extensão do que foi proposto por H. E. Soper em 1929 para o sarampo. O modelo de Soper era determinístico, em que todos membros da população eram igualmente suscetíveis à doença e tinham poder infeccioso, a capacidade de transmitir doenças. O modelo também se baseou na lei de ação das massas, para que a taxa de infecção em um determinado momento fosse proporcional ao número de suscetíveis e infecciosos naquela época. Ele é eficaz para populações moderadamente grandes, mas não leva em consideração vários infecciosos que entram em contato com o mesmo indivíduo. Portanto, em pequenas populações o modelo superestima muito o número de indivíduos suscetíveis que se tornam infectado.[5][6][7]
Reed e Frost modificaram o modelo Soper para levar em consideração o fato de que apenas um novo caso seria produzido, se um determinado suscetível tivesse contato com dois ou mais casos.[1] O modelo Reed-Frost tem sido amplamente utilizado e tem servido como base para o desenvolvimento de estudo de simulação de propagação de doenças mais detalhado.[8][9][10]
Descrição
editarO modelo de Reed-Frost é um modelo epidêmico SIR, em que S denomina a classe de suscetível para a doença em questão, I para os infectados (assumimos que todos infectados são infecciosos) e R para removidos ou recuperados.
O modelo trabalha com o tempo discreto, em que as infecções ocorrem em gerações (semelhante a um processo de ramificação). Os eventos probabilísticos de uma geração dependem apenas da geração anterior, além disso são descritos com uma probabilidade binomial. Por isso tudo, o modelo também é conhecido por modelo de cadeia binomial.[11]
O modelo é baseado nas premissas:[12][5]
- A população é fechada (taxas de morte, nascimento, imigração e emigração não são consideradas).
- A infecção ocorre por meio de contatos infecciosos (aqueles em que é possível ocorrer a infecção) com indivíduos infectados e somente assim.
- Os contatos são independentes.
- Qualquer indivíduo suscetível, após um contato infeccioso, torna-se infectado no tempo seguinte. Em outras palavras, não há intervalo de tempo entre a mudança de estado de suscetível para infectado.
- Os infectados são removidos após uma unidade de tempo (geração).
Uma das ferramentas mais importantes nos modelos matemáticos epidemiológicos é o número básico de reprodução (ou taxa básica de reprodução) usualmente denotado por . A partir dele, é possível afirmar se ocorrerá ou não um surto epidêmico. No modelo de Reed-Frost, ou , em que é o número total da população e a quantidade inicial de infectados.[13]
Abordagem Matemática
editarSejam e o número de suscetíveis e infectados respectivamente no tempo . Sendo a probabilidade de escapar de um contato infeccioso, a cadeia binomial de Reed-Frost possui as probabilidades condicionais:[5][14][15][16][4][17]
Em que . Isso significa que um indivíduo suscetível na geração , permanece suscetível se escapar de todos os infectados da sua geração, e os contatos infecciosos são independentes. Além disso, dado os estados inicias e a probabilidade da cadeia completa: é obtida condicionando sequencialmente e utilizando as propriedades da cadeia de Markov. Isto é, seja , temos que:[14]
Um outro fator importante no estudo de uma epidemia é a quantidade total de infectados. Para encontrá-la, usa-se a fórmula (note que os primeiros infectados são excluídos). Para encontrar a probabilidade de ter-se infectados, soma-se todas as probabilidades tal que , ou seja,
Perceba que se . Isso implica que só é possível ter um novo infectado, se existe algum indivíduo infectado. Portanto, o tamanho da cadeia não pode ser maior do que o número total de infectados, tornando o número de possibilidades de cadeias finito.
Finalmente, obtêm-se o número de novos suscetíveis e pessoas recuperadas, respectivamente, pelas equações:[11][13][18][19]
Como a população é fechada, para todo . As equações acima formam o modelo de Reed-Frost.
Exemplo
editarConsidere uma família com 3 pessoas (todas morando na mesma casa) em que uma delas está infectada e as outras duas estão suscetíveis. Esse modelo assume que os infectados são removidos após uma geração (uma unidade de tempo). Então, entre uma geração e outra, os seguintes eventos podem acontecer:
- Nenhum dos suscetíveis é infectado;
- Os dois são infectados;
- Um deles é infectado.
Sejam a probabilidade de um suscetível escapar de uma infecção e . Então, a probabilidade de (1) é , e, nesse caso, a cadeia termina. Além disso, a cadeia também termina se (2) ocorrer - com probabilidade . O caso (3) possui mais implicações.
A probabilidade de (3) ocorrer é . Na próxima geração, a casa terá um infectado e um suscetível somente. A partir daí, podem acontecer dois eventos: o suscetível não é infectado com probabilidade , e então teremos a probabilidade final , ou o suscetível é infectado com probabilidade , e a probabilidade final é . A tabela abaixo ilustra esse caso com diferentes valores de .[5][13]
Cadeia | Probabilidades | com | com | Número final de infectados |
---|---|---|---|---|
0,360 | 0,90 | 1 | ||
0,288 | 0,126 | 2 | ||
0,192 | 0,294 | 3 | ||
0,160 | 0,490 | 3 | ||
Total | 1 | 1,000 | 1,000 |
Ver também
editarReferências
- ↑ a b Dietz, Klaus (3 de maio de 2009). «Epidemics: the fitting of the first dynamic models to data». Journal of Contemporary Mathematical Analysis (em inglês) (2). 97 páginas. ISSN 1934-9416. doi:10.3103/S1068362309020034. Consultado em 16 de outubro de 2021
- ↑ «Johns Hopkins Television Programs 1948-1960». archive.is. 11 de dezembro de 2012. Consultado em 8 de outubro de 2021
- ↑ a b c Johns Hopkins science review. Epidemic theory : what is it?, consultado em 8 de setembro de 2021
- ↑ a b Jacquez, John A. (novembro de 1987). «A note on chain-binomial models of epidemic spread: What is wrong with the Reed-Frost formulation?» (em inglês). ISSN 0025-5564. Consultado em 16 de outubro de 2021
- ↑ a b c d Varty, Zak (Abril 2016). «Computer Intensive Methods for Modelling Household Epidemics.» (PDF). Lancaster University: 50. Consultado em 15 de outubro de 2021
- ↑ Abbey, H. (setembro de 1952). «An examination of the Reed-Frost theory of epidemics». Human Biology (3): 201–233. ISSN 0018-7143. PMID 12990130. Consultado em 16 de outubro de 2021
- ↑ Soper, H. E. (1929). «The Interpretation of Periodicity in Disease Prevalence». Journal of the Royal Statistical Society (1): 34–73. ISSN 0952-8385. doi:10.2307/2341437. Consultado em 16 de outubro de 2021
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- ↑ Engelmann, Lukas (30 de agosto de 2021). «A box, a trough and marbles: How the Reed-Frost epidemic theory shaped epidemiological reasoning in the 20th century». History and Philosophy of the Life Sciences (em inglês) (3). 105 páginas. ISSN 1742-6316. doi:10.1007/s40656-021-00445-z. Consultado em 16 de outubro de 2021
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- ↑ Fine, Paul E. M. (1 de agosto de 1917). «A COMMENTARY ON THE MECHANICAL ANALOGUE TO THE REED-FROST EPIDEMIC MODEL». American Journal of Epidemiology: 87–100. doi:10.1093/oxfordjournals.aje.a112449. Consultado em 15 de outubro de 2021