NOTECHS é um sistema usado para avaliar as competências não-técnicas (sociais e cognitivas) dos membros de uma tripulação na indústria da aviação. Introduzido no final da década de 1990, o sistema tem sido amplamente utilizado pelas companhias aéreas no processo de seleção, ajudando a seleccionar os indivíduos que revelam estas competências, que não estão diretamente relacionadas com o controle da aeronave, os SOPs (standard operation procedures) ou a gestão dos sistemas técnicos.[1]

Na aviação 70% de todos os acidentes são induzidos por erros do piloto, sendo a falta de comunicação e a tomada de decisão dois dos factores que contribuem para estes acidentes.[2]

O sistema NOTECHS, para além de avaliar, também fornece feedback sobre o desempenho do piloto ao nível das suas competências sociais e cognitivas, ajudando a minimizar os erros e aumentar a segurança. O sistema NOTECHS visa também melhorar o treino de Gestão de Recursos da Tripulação (CRM).[3]

Estrutura do NOTECHS

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As duas principais competências não-técnicas observáveis dentro da aeronave são as competências sociais e cognitivas.

As competências sociais são comportamentos realizados principalmente através da comunicação verbal, que permitem que os membros da tripulação discutam possíveis conflitos e trabalhem em conjunto para resolver problemas. São competências que acentuam fortemente o trabalho em equipa, uma componente crítica para a eficácia das operações e que tem um impacto directo na segurança da aviação.[4][5] Exemplos de comunicação entre membros da tripulação incluem o reconhecimento do comando, a realização de briefings e a transmissão de informações - todos componentes essenciais para um voo seguro e eficiente.[6] A Administração Federal de Aviação (FAA) refere que áreas de melhoria na comunicação incluem os briefings pré-voo e os procedimentos envolvidos na fase de aterragem.

As competências cognitivas são processos mentais que concorrem para obter consciência situacional (situational awareness) e gerar e seleccionar opções para a tomada de decisão e inclui tarefas tais como o planeamento, a priorização e a tomada de decisão.[7] Este conjunto de competências não pode ser observado diretamente, mas pode ser inferido pelos examinadores quando o piloto toma uma decisão - no momento em que uma opção foi por ele seleccionada.[8]

Um piloto com competências cognitivas bem desenvolvidas torna-se proficiente em lidar com situações de emergência, tendo uma maior capacidade para avaliar a situação e monitorizar a progressão dos processos em direção aos objetivos traçados.[9]

A estrutura do NOTECHS é dividida em três níveis diferentes.

  1. Categorias
  2. Elementos
  3. Marcadores de comportamento

Categoria

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As competências sociais e cognitivas são as principais competências não-técnicas avaliadas. Ambas podem ser divididas em quatro categorias diferentes:

  • Cooperação: competência através da qual o piloto é capaz de trabalhar e comunicar ativamente com os membros do grupo e criar um ambiente de interdependência.
  • Liderança e gestão: relacionada com a capacidade do piloto para coordenar e gerir uma tarefa, um problema ou um grupo de trabalho. Geralmente atribuída a um 'Piloto em Comando’ (PIC).
  • Consciência Situacional: a percepção do piloto sobre os elementos do ambiente, incluindo os sistemas da aeronave, o ambiente externo, o tempo e "a projeção do seu estado no futuro"[10]
  • Tomada de decisão: capacidade de reconhecer um problema, gerar e avaliar opções possíveis e eleger um resultado a atingir.

Elemento

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Elementos são subconjuntos de uma categoria. Por exemplo, os elementos na categoria Cooperação são: Criação e manutenção de equipas; Consideração pelos outros; Apoiar os outros; e Resolução de conflitos. Todos estes elementos estão conectados ao tema de funcionar como grupo, comunicar e cooperar como equipa.

Os pilotos são avaliados através dos seguintes elementos:

Categoria Elementos
Cooperação Criação e manutenção de equipas

Consideração pelos outros

Apoiar os outros

Resolução de conflitos

Liderança e Gestão Uso da autoridade e assertividade

Dar e manter normas

Planeamento e coordenação

Gestão da sobrecarga de trabalho

Consciência Situacional Consciência sobre os sistemas da aeronave

Consciência do ambiente externo

Antecipação (consciência do tempo)

Tomada de decisão Definição/ diagnóstico do problema

Gerar opções

Avaliação do risco/ seleção de opções

Análise de resultados

Marcador comportamental

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O sistema NOTECHS acrescentou marcadores de comportamento (indicadores comportamentais) para cada elemento, para "ajudar o examinador a descrever o comportamento observado numa fraseologia padronizada e objetiva"[11] Cada marcador comportamental dá uma indicação sobre se uma determinada ação do piloto projeta um impacto positivo ou negativo na sua competência geral.

Elemento Comportamento positivo Comportamento negativo
Consideração pelos outros Ajuda outros membros da tripulação em situações exigentes Hesita em oferecer assistência aos membros da tripulação

Sistema de classificação

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Aos indivíduos avaliados através do NOTECHS é dado feedback sobre o seu desempenho nas diferentes competências. Os resultados fornecem uma indicação sobre quais as categorias em que apresentam um bom desempenho e quais as que precisam de desenvolver. São avaliados em cada elemento da estrutura e recebem uma classificação numa escala de cinco pontos, composta pelos graus: muito bom, bom, aceitável, pouco, muito pouco. Além disso, é fornecida uma classificação geral para cada elemento, indicando se atingiu um nível “aceitável" ou "não-aceitável".[12]

Para garantir que os membros da tripulação recebem uma avaliação justa e não errónea, as Autoridades de Aviação implementaram cinco regras operacionais a serem seguidas ao usar o NOTECHS no âmbito da avaliação.

  1. Será avaliado somente o comportamento observável: a personalidade ou as atitudes emocionais da pessoa são ignoradas durante a avaliação e somente o comportamento visível é registado.
  2. Necessidade de haver consequência técnica: para receber uma classificação "não-aceitável" numa competência não-técnica, a segurança do voo deve ter estado comprometida relativamente à “consequência técnica objetiva".[13]
  3. Classificação aceitável ou não-aceitável necessária: numa situação em que um examinador é ambíguo com os resultados de um elemento, um sistema de classificação de dois pontos - ACEITÁVEL ou NÃO-ACEITÁVEL - , é usado para finalizar o teste sem qualquer confusão.
  4. Repetição necessária: a demonstração do comportamento inaceitável levará o examinador a realizar várias tentativas de teste da competência, para verificar se não foi um erro ocasional. A repetição ajuda a concluir se há um problema significativo numa determinada competência.
  5. Explicação necessária: para cada competência em que receba uma classificação “não-aceitável", o examinador deve declarar por que razão foi considerada não-aceitável e de que modo a segurança poderia ter sido comprometida a curto e longo prazo. Uma explicação detalhada é útil porque aponta os erros específicos que ocorreram.

Uso e relação com a Gestão de Recursos da Tripulação (CRM)

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Como ferramenta de avaliação, o sistema NOTECHS é amplamente utilizado para avaliar o desempenho da gestão de recursos da tripulação (CRM). A CRM foi concebida para ensinar aos pilotos competências cognitivas e interpessoais, importantes para um voo eficaz e seguro; a taxonomia padronizada fornecida pelo NOTECHS também pode ser usada para avaliar a eficácia do próprio treino em CRM.[14] Como o sistema de avaliação NOTECHS é baseado em condições padronizadas de competências e comportamentos aceitáveis, ele pode ser usado para verificar se ocorreram melhorias no desempenho dos membros da tripulação num contexto real de trabalho. Pode ser usado para apontar as melhorias a introduzir no desempenho da tripulação, como parte do treino LOFT (line-oriented flight training) .[15]

Veja também

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Referências

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  1. Avermaete, van. «NOTECHS: Non-technical skill evaluation in JAR-FCL» (PDF) 
  2. Helmreich, R.L., & Foushee (1993). Why crew resource management? Empirical and theoretical bases of human factors training in aviation. San Diego, CA: Academic Press. pp. 3–45 
  3. Warton, Chris (2012). «Pilot Training Evaluation Techniques» 
  4. Nagel, D.C (1988). Human error in aviation operations. San Diego, CA: Academic Press. pp. 263–303 
  5. Smith, Ruffell (1979). A Simulator study of the interaction of pilot workload with errors, vigilance and decisions. Moffett Field, CA: NASA-Ames Research Center 
  6. Sexton, B.J.; Helmreich, R.L. (2000). Analyzing cockpit communication: the links between language, performance, error, and workload 5 ed. [S.l.: s.n.] pp. 63–68 
  7. Jim Dow; Susan Martin (2003). «Flight Competency by Design: A Qualitative Shift» (PDF). Transport Canada. Consultado em 1 de agosto de 2020 
  8. Flin, Rhona (2003). «Development of the NOTECHS (non-technical skills) system for assessing pilots' CRM skills» (PDF) 
  9. «Aviation Safety Letter» (PDF). Transport Canada. Consultado em 1 de agosto de 2020 
  10. Endlsey, M (1995). Toward a theory of situation awareness in dynamic systems 37 ed. [S.l.: s.n.] pp. 32–64 
  11. Avermaete, van (1998). «NOTECHS: Non-technical skill evaluation in JAR-FCL» (PDF) 
  12. Flin, Rhona (2003). «Development of the NOTECHS (non-technical skills) system for assessing pilots' CRM skills» (PDF) 
  13. Flin, Rhona (2003). «Development of the NOTECHS (non-technical skills) system for assessing pilots' CRM skills» (PDF) 
  14. CAA (2002). Methods used to Evaluate the Effectiveness of Flightcrew CRM Training in the UK Aviation Industry (PDF). Gatwick, Sussex: Civil Aviation Authority. Consultado em 1 de agosto de 2020 
  15. Goeters, K (2002). Evaluation of the effects of CRM training by the assessment of non-technical skills under LOFT 2 ed. [S.l.]: Human Factors and Aerospace Safety. pp. 71–86