Na batucada da vida
Na batucada da vida é um samba composto por Luiz Peixoto e Ary Barroso e gravado originalmente por Carmen Miranda em 1934. A canção foi regravada por Elis Regina em 1974.[1] É a 12ª canção de Ary Barroso mais tocada nos últimos 10 anos no Brasil (2013-2023), nos principais segmentos de execução pública, e a 16ª mais regravada, segundo o ECAD.[2]
"Na batucada da vida" | ||
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Single de Carmen Miranda | ||
Formato(s) | 78 rpm | |
Gravação | 20 de março de 1934 | |
Gênero(s) | Samba | |
Duração | 3 min 40 s | |
Gravadora(s) | RCA Victor | |
Composição | Ary Barroso Luiz Peixoto | |
Antecedentes
editarCarmen Miranda gravou pela primeira vez o samba em 20 de março de 1934, no estúdio da Victor. A letra do samba retrata uma personagem sofrida da vida carioca: uma mulher nascida na pobreza, rejeitada, sem sorte e, como lamenta em um dos versos, “esquecida por Deus”.
A primeira execução pública da música aconteceu em 11 de janeiro de 1934, no Teatro Recreio, durante a estreia da revista teatral Há uma forte corrente, escrita por Luís Iglesias e Freire Junior. Entre as atrações principais do espetáculo estava a grande vedette Aracy Cortes, que acabara de retornar de uma excursão pela Europa, conforme noticiou o Correio da Manhã em 10 de janeiro de 1934. O jornal também informou que o repertório de Aracy incluiria dois sambas inéditos: "Na batucada da vida", de Ary Barroso, e "Deixa meu povo passar", de Assis Valente. Este último samba, posteriormente rebatizado como "Minha embaixada chegou", logo se tornaria um grande sucesso também na voz de Carmen Miranda.
Gravação
editarA gravação do samba em disco ficou a cargo de Carmen Miranda, a cantora mais popular do Brasil na época.[3] Ary Barroso, em comparação, a via como uma artista excepcional, assim como Domingos da Guia, zagueiro do Flamengo e da seleção brasileira, destacando-se ambos por sua habilidade apesar de algumas limitações. Sérgio Cabral, jornalista e escritor do livro No tempo de Ary Barroso, afirma que Carmen não tinha uma grande extensão vocal e nem sempre cantava com afinação, mas, como dizia Ary, "no entanto, ambos eram perfeitos".[4]
Apesar do grande sucesso que viria a ser a gravação de "Na batucada da vida", a sessão de gravação de 20 de março de 1934 não foi exatamente tranquila, como relatou o próprio Ary Barroso à edição nº 8 da Revista da Música Popular. Segundo o compositor, a gravação enfrentou sérias dificuldades técnicas, pois o samba estava longe de ser o estilo habitual de Carmen Miranda.
Ary explicou que a música exigia uma tessitura muito extensa, o que tornava a execução mais desafiadora para a cantora. "Primeira tentativa: nada! Segunda, pior", contou ele. Diante das dificuldades, Carmen fez uma pausa para descansar e, em seguida, procurou um tom mais acessível para a interpretação. Durante esse processo, um tanto desconsolada, Carmen chegou a comentar com Ary: “Também, você vai fazer um samba que ocupa da primeira à última nota do piano... Isso nem é samba; é uma escala!”.[5]
Segundo João Máximo, na Rádio Batuta, a letra de "Na batucada da vida" também passou por alterações no estúdio da Victor, feitas pela própria Carmen Miranda. Os versos originais de Luiz Peixoto diziam: “Me soltou na rua à toa / A passar de mão em mão”. No entanto, Carmen cantou: “Me soltou na rua à toa / Desprezada como um cão”. Já os versos “Que topo qualquer parada / Por um prato de comida” foram modificados para: “Que não tenho nada, nada / E por Deus fui esquecida". João Máximo destaca que essa mudança na letra foi apenas a primeira de muitas que seriam feitas naquele samba. Ele observa que Na batucada da vida jamais foi ouvido exatamente como havia sido originalmente composto.[6]
Regravações
editarA primeira regravação de "Na batucada da vida" foi feita por Dircinha Batista, em 1950. Mais tarde, Tom Jobim encaminhou o samba para duas cantoras, uma delas sendo Miúcha, que o interpretou em seu disco de estreia, lançado pela RCA Victor em 1977.[7] Tom Jobim também gravou sua própria versão da música para o álbum Songbook Ary Barroso da Lumiar Discos em 1995.[8]
Elis Regina gravou a canção para o seu álbum Elis de 1974. Sérgio Cabral descreve a regravação como “deslumbrante”, destacando a interpretação única da cantora. A faixa com arranjo de César Camargo Mariano, também se tornou famosa por inspirar um videoclipe caprichado, que ajudou a consolidar ainda mais a força da música no imaginário popular.[9] Mais informal é o vídeo em que Tom Jobim, ao violão, ensina o samba para Elis Regina em um momento de descontração durante a passagem da cantora por Los Angeles, entre fevereiro e março de 1974. Esse encontro aconteceu enquanto eles gravavam o LP Elis & Tom, lançado ainda naquele ano, pela Philips. O vídeo captura uma atmosfera espontânea e genuína, onde a química entre os dois artistas é palpável, refletindo a naturalidade e a conexão musical que marcaram esse trabalho.
Entre as homenagens a Carmen Miranda, destacam-se as versões de Marília Pêra (no álbum Marília Pêra canta Carmen Miranda, 2006),[10] Ná Ozzetti (em MCD, 2009) e o conjunto vocal Ordinarius. Além disso, a música foi regravada em tributo a Elis Regina por Joyce Moreno (no disco Pau Brasil, 1998) e Barbara Casini (em Via Veneto Jazz, 2004). Mais recentemente, Eliane Elias também interpretou o samba em 2017, no álbum Concord Records.
Entre as regravações dedicadas à memória de Ary Barroso, destacam-se Elizeth Cardoso, que em 1989 prestou sua homenagem ao compositor com uma versão independente do samba, e Zezé Gonzaga, que o interpretou em 1992 no álbum Fenab. A cantora Alice Passos escolheu a canção como faixa de abertura de seu álbum Ary da Fina Flor, lançado em 2020.
Referências
- ↑ José Roberto do Carmo. «Da voz aos instrumentos musicais: um estudo semiótico». Consultado em 8 de setembro de 2014
- ↑ «Dia do Samba é festejado neste sábado e é uma homenagem a Ary Barroso». ECAD. Consultado em 8 de novembro de 2014
- ↑ Karina Janz Woitowicz. «Carmem Miranda». Universidade Metodista de São Paulo. Consultado em 5 de novembro de 2024
- ↑ Sérgio Cabral (agosto de 2016). «No tempo de Ary Barroso». Lazuli. ISBN 9788578651046. Consultado em 8 de setembro de 2014
- ↑ Revista da Música Popular - nº 8. nº 8, julho/agosto de 1955
- ↑ João Máximo (9 de maio de 2019). «A origem do samba "Na batucada da vida", de Ary Barroso e Luiz Peixoto». Catraca Livre. Consultado em 8 de setembro de 2014
- ↑ «LP/CD MIÚCHA & ANTÔNIO CARLOS JOBIM». Instituto Memória Musical Brasileira. Consultado em 8 de setembro de 2014
- ↑ «CD SONGBOOK ARY BARROSO». Instituto Memória Musical Brasileira. Consultado em 8 de setembro de 2014
- ↑ Pedro Paulo Malta. «Carmen, Dircinha, Elis, Miúcha e grande elenco: de voz em voz, 'Na batucada da vida' completa 90 anos». Discografia Brasileira. Consultado em 8 de setembro de 2014
- ↑ «Marília Pêra canta Carmen Miranda». Instituto Memória Musical Brasileira. Consultado em 8 de setembro de 2014