O Pão e o Vinho (en Bread and Wine), de 1983, é um documentário português de longa-metragem de Ricardo Costa, a sua segunda docuficção. Mostrando hábitos e tradições seculares com recurso a actores locais e a poetas repentistas, é também classificável como etnoficção.

Procissão pagã no Redondo

O Pão e o Vinho
Portugal
1983 •  cor, 16 mm •  82 min 
Género docuficção
Direção Ricardo Costa
Idioma português
Autos da Paixão no teatro popular
Tal como o filme etnográfico de Manoel de Oliveira, O Acto da Primavera (1963), filmada na Curalha, uma aldeia de Trás-os-Montes, O Pão e o Vinho, filmado quase vinte anos depois numa vila do Alentejo, o Redondo, ilustra o padecimento do Homem, simbolizado por uma representação religiosa da Paixão de Cristo em forma de mistério, neste caso enquanto expressão popular e pagã, no quadro do teatro medieval, em reacção espontânea ao dogma. [1] [2][3]
Auto da Paixão no Alentejo
Embora o rosto seja o mesmo, embora o amor de Verónica se imprima no mesmo pano, esta versão do sofrimento mostra outras terras e outras gentes, num outro lugar, num outro tempo e com outras cores. [4] Aqui a palavra é dada à terra produtora, ao que dela o falar exprime, mas neste caso quem fala não são as personagens de um auto invocatório da condição humana, são os poetas repentistas que falam em verso e se tornam os demiurgos de uma realidade que é a vida, ali, com as cores que ela tem naquele momento, mais um na luta diária pelo sustento e pelo futuro. [5] [6]
Uma outra particularidade caracteriza as duas obras: os actos que ambas ilustram, os seus actores, são realidades extintas. Se ambos os filmes continuam a ilustrar alguma coisa é o mesmo rosto estampado no alvo pano, na alma branca de uma qualquer Verónica, da mulher que vive o mesmo sofrimento que o do homem crucificado pela injustiça.


Sinopse

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No Alentejo é tudo planície. Vê-se que nesse tempo alguma coisa aconteceu que não era merecida. Vê-se hoje que, esgotadas as esperanças num projecto que não se cumpriu, o Alentejo, essa terra singular e arrebatadora, ainda tinha memória, ainda tinha vida. Do que aconteceu falam as personagens deste filme. Em cada uma das histórias que eles contam, o protagonista é o Homem.

Em torno de uma celebração da Páscoa, Sexta-Feira Santa, noite cerrada, desfilam negras e sinistras figuras, vestidas de negros mantos e de negros capuzes, em profundo silêncio apenas rompido pelo ressoar da matraca e pelo misterioso cântico de uma jovem Verónica que, erguendo bem alto o pano ensanguentado onde ficou estampado o rosto de Cristo, faz ouvir a voz do seu lamento, cantando numa língua que não se entende, mas que tudo conta. Em contraponto, um grupo de encapuçados responde, em coro, ao som da banda. Avança a procissão.

A cada esquina, no meio do silêncio, ouve-se outras vozes e vê-se rostos suados, no campo. A cada golpe de foice, a cada volta da ceifa, a cada enxadada, a cada improvisado remate de ilustres poetas repentistas, como os do boémio Joaquim da Loiça, o retrato é traçado, a verdadeira história é contada. A matraca e o canto da Verónica fazem-se de novo ouvir. E a procissão continua até ao momento em que, com fragor, a tampa do caixão se abate sobre o corpo de Cristo. A história que se conta é de dor e de errância e o motivo é o mesmo do que noutras circunstâncias bastante se fala, diante de um copo de tinto, de um naco de pão e de uma fatia de queijo.

Enquadramento histórico

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O Pão e o Vinho é um filme que foi encomendado por Fernando Lopes, quando responsável pelo segundo canal da RTP. O Vitorino (cantor), natural do Redondo, falou-lhe na existência da cerimónia e do interesse que havia em que fosse filmada. Por essa época, Ricardo Costa andava a filmar pelas montanhas do norte de Portugal a sua série de longas metragens, o Homem Montanhês, que consistia em quatro filmes de cariz antropológico e poético sobre comunidades em que se extinguiam hábitos comunitários. Este filme surge assim, como por acaso, a meio da série.

Nessa época, as cooperativas de cinema, que surgiram depois da Revolução dos Cravos, ainda eram activas, tal como a Diafilme, empresa constituída por Ricardo Costa para realizar os seus trabalhos e outros de colegas seus. Em breve porém, perante a concorrência exercida pela SIC, a RTP desistiria de colaborar com produtores externos, grupos independentes em que se associavam os cineastas da época, para começar a difundir outro tipo de conteúdos. A produção de documentários seria assim drasticamente afectada e quase todas essas empresas fechariam portas. Sendo parco o contributo da RTP, para conseguir fazer os filmes era necessário recorrer-se a outros apoios, em grande parte atribuídos pelas autarquias, que consistiam quase sempre em facilidades de alojamento e estadia.

Participações

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  • Joaquim da Louça (poeta popular)
  • Anastásio Pires (poeta popular)
  • Gil Quintas (poeta popular)
  • Vitorino (cantor)
  • Janita Salomé
  • Grupo de Cantares do Redondo
  • Extractos das Quatro Estações do Ano de Vivaldi e de autores portugueses da época


Referências

  1. Teatro medieval, artigo de Rosângela Silva, 29 de janeiro 2009
  2. Teatro Quinhentista da Paixão – na pág. da UCP
  3. O “Auto da Paixão” em Santo António de Monforte – na pág da UCP
  4. Auto da Alma: uma alegoria Tardo-medieval?, Ludomina Aragão, biblioteca digital, Faculdade de Letras da UP
  5. Registo da festa de Santa Cruz na Aldeia da Venda, no concelho de Alandroal, «uma celebração que faz parte do ciclo das Festas de Maio, ou Festas da Primavera, tradição que se perpetua desde a antiguidade.» Produção RTP com realização de Alfredo Tropa
  6. Este filme mostra uma versão diferente do ritual ilustrado no O Pão e o Vinho e de idêntica celebração mostrada anos antes por Manoel de Oliveira no seu filme Acto da Primavera, feito na Curalha, no Minho

Ver também

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Ligações externas

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