Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal

O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi criado em 2004 pelo governo Lula, como resposta à uma questão concreta que havia entrado na pauta da agenda política: o aumento acelerado do desmatamento ilegal da Amazônia, no início do século XXI.[1] Em 2019, na gestão de Jair Bolsonaro, o plano foi descontinuado, e a redução de 67% no desmatamento obtida nos dois primeiros mandatos de Lula, foi sucedida por um aumento de 73% (dados de 2022).[2] No terceiro mandato de Lula, o plano foi restabelecido através do Decreto Nº 11.367, de 1º de janeiro de 2023.[3]

Fiscais encontram árvore derrubada em Novo Progresso, Pará (2014).

Antecedentes

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A partir do período da ditadura militar no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1980, a Amazônia estruturou-se como fronteira agrícola e estratégica, recebendo incentivos para este fim através de vários programas e instituições de financiamento do governo brasileiro, particularmente da SUDAM. A colonização agrícola foi priorizada, em lugar da reforma agrária, bem como a colonização privada, efetuada por médios e grandes empresários. Os novos migrantes, oriundos dos estados do Sul e do Sudeste, levaram consigo uma lógica de reprodução do capital baseada na pecuária, extração madeireira, comércio de terras e, numa fase posterior, no agronegócio (soja e milho), que, em seu conjunto, se opunham à realidade social e econômica da Amazônia. Inevitavelmente, isto terminou por gerar conflitos com as comunidades tradicionais e povos indígenas, que viram-se expulsos das terras públicas que originalmente ocupavam, por ações de grilagem e pistolagem efetuadas por grandes proprietários rurais.[4]

A partir do final dos anos 1980, com a redemocratização, o governo brasileiro ensaia conciliar as atividades econômicas com a proteção ao meio ambiente. O primeiro passo neste sentido foi o Programa Nossa Natureza (Decreto Nº 96.944/1988), que visava reduzir os impactos ambientais e ordenar a ocupação e exploração econômica sustentável da Amazônia Legal. É também desta época a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e do Fundo Nacional de Meio Ambiente (Decreto Nº 7.797/1989). Em 1992, a questão ambiental entrou definitivamente na agenda pública, com a realização da II Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Eco-92 ou Rio-92) e a elaboração de políticas voltadas para incluir a Amazônia num "modelo de inserção competitiva" na economia global, gerida pelo capital transnacional. Todavia, a expansão da fronteira agrícola passou a ameaçar mesmo as áreas supostamente protegidas pelo estado, como unidades de conservação e terras indígenas.[4]

O governo Lula iniciou-se em 2003 dando continuidade às políticas dos governos anteriores, como os Programas Brasil em Ação e Avança Brasil, previstos no Plano Plurianual (1996-1999) de Fernando Henrique Cardoso, que visavam integrar regiões da Brasil ao restante da América do Sul.[4] Em 2004, após estudos efetuados por um grupo de trabalho interministerial, foi lançada a primeira versão do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm);[5] em 2008, no segundo mandato de Lula, foi lançada uma nova versão do PPCDAm, como parte do Plano Amazônia Sustentável (PAS), o qual visava consolidar um modelo de desenvolvimento sustentável, combater a degradação ambiental e ordenar e integrar políticas de ordenamento territorial.[6]

Organização

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Eixos estratégicos

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O PPCDAm, a partir da sua segunda fase, foi pensado como a implementação tática e operacional do Plano Amazônia Sustentável, sendo seus eixos estratégicos:[5]

  1. Ordenamento territorial e fundiário;
  2. Monitoramento e controle ambiental;
  3. Fomento às atividades produtivas sustentáveis;
  4. Instrumentos normativos e econômicos (a partir da quarta fase).

No âmbito estadual, ficariam os planos de prevenção e combate ao desmatamento, e no municipal, a Operação Arco Verde (OAV), voltada para atender demandas sociais emergenciais,[6] em municípios prioritários.[5]

Operação Arco Verde

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Lançada em maio de 2008, a Arco Verde tem por objetivo reforçar a demanda por presença federal em 43 municípios considerados prioritários. O intuito seria passar de um modelo de exploração predatória para o de manejo sustentável da floresta, gerando renda, qualidade de vida e cidadania. Para tanto, a OAV também contou com a colaboração de outras áreas do governo federal (social, previdenciária, defesa civil, bancos públicos etc).[5]

As ações da Arco Verde são divididas em emergenciais e estruturantes. As emergenciais, são aquelas voltadas para o atendimento de famílias que ficaram momentaneamente desprovidas de emprego e renda, por conta de operações de fiscalização ambiental. As estruturantes, destinam-se a fortalecer iniciativas socioeconômicas que contribuam para a mudança na exploração dos recursos naturais.[5]

A Operação Arco Verde tornou-se permanente em 2009, tendo sido agregada ao PPCDAm através do Decreto Nº 7.008/2009, com um Comitê Gestor Nacional.[5]

Comissão Executiva

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A Comissão Executiva do PPCDAm é a instância operacional de coordenação das ações de prevenção e controle de desmatamento do governo federal. A sua composição tem variado ao longo das diversas fases, tendo se iniciado em 2004 com representantes dos ministérios abaixo, sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República:[5]

  1. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
  2. Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)
  3. Ministério da Defesa (MD)
  4. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
  5. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)
  6. Ministério da Integração Nacional (MI)
  7. Ministério da Justiça (MJ)
  8. Ministério do Meio Ambiente (MMA)
  9. Ministério das Minas e Energia (MME)
  10. Ministério dos Transportes (MT)
  11. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
  12. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)
  13. Ministério das Relações Exteriores (MRE)

Na segunda fase, em 2008, houve a saída do MRE, MTE e do MT, e a entrada da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, como convidada permanente.[5]

  1. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA
  2. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC
  3. Ministério da Defesa – MD
  4. Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário – MDSA
  5. Ministério da Fazenda – MF
  6. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC
  7. Ministério da Integração Nacional – MI
  8. Ministério da Justiça e Cidadania – MJ
  9. Ministério do Meio Ambiente – MMA
  10. Ministério de Minas e Energia – MME
  11. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MP
  12. Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – GSI/PR

Financiamento

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Até a terceira fase, ainda não havia um financiamento específico para o PPCDAm no Orçamento Geral da União, e cada ministério integrante deveria estipular recursos para contemplar as ações sob sua responsabilidade. Na captação direta de recursos para o combate ao desmatamento e a promoção do uso sustentável do bioma amazônico, foi criado em 2008 o Fundo Amazônia, um fundo privado gerido pelo BNDES e por um Comitê Orientador, composto por representantes dos governos federal e estadual, organizações não governamentais, movimentos sociais, povos indígenas, cientistas e empresas.[5]

O PPCDAm passou por quatro fases antes de sua revogação pelo governo Bolsonaro em 2019:[2][7][8]

  • 1ª Fase (2004 a 2008): instituiu a detecção do desmatamento em tempo quase real (Sistema Deter), por imagens de satélite; aperfeiçoou o Protocolo Verde, para ações de financiamento de uso sustentável de recursos naturais; transferência já em 2004 para o PAS, do planejamento das obras de "infraestrutura ambientalmente sustentável". Críticas e sugestões apresentadas no desenrolar desta fase, foram aproveitadas na fase seguinte;[1]
  • 2ª Fase (2009 a 2011): dentre suas diretrizes, estabeleceu: a conservação da floresta para fins de biodiversidade; apoio a processos de certificação; modelos alternativos de reforma agrária para a Amazônia; gestão descentralizada (iniciada na fase 1, em 2006); estímulo à participação da sociedade civil no controle do desmatamento; incentivo à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e regularização ambiental dos imóveis rurais. Em avaliação realizada entre outubro de 2010 e julho de 2011, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Cooperação Alemã para o Desenvolvimento, por meio da Deutsche Gesellschaftfür Internationale Zusammenarbeit (GIZ), concluiu-se que a regularização fundiária deveria receber prioridade máxima.[1]
  • 3ª Fase (2012 a 2015): a dinâmica do desmatamento mudou, concentrando-se em áreas menores e reduzindo a eficácia do Sistema Deter, bem como aumentando o custo da fiscalização (por mais exigir mais recursos humanos para cobrir pontos dispersos). Uma das diretrizes desta fase foi a de firmar pactos com entidades do setor produtivo (principalmente, do agronegócio), com o objetivo de preservar a floresta.[1]
  • 4ª Fase (2016 a 2020): criou o quarto eixo ("instrumentos normativos e econômicos") e estabeleceu como meta o incentivo da economia sustentável de base florestal.[7]

Plano Amazônia e recriação do PPCDAm

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O pseudoplano

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Indo na contramão dos governos anteriores (desde a redemocratização em 1985), Jair Bolsonaro explicitamente adotou a partir de 2019, um processo de desmonte das políticas de conservação ambiental. Notícias de invasões à terras indígenas e unidades de conservação, e aumento expressivo no desmatamento, foram a tônica de sua administração. Como pontuou o pesquisador Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas):[9]

O PPCDAm foi uma das políticas atingidas por esse enfoque, e somente em 2021 o governo Bolsonaro apresentou o que supostamente seria sua resposta às críticas sobre o aumento nos índices de desmatamento: o Plano Amazônia 2021-2022, capitaneado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e considerado como "um 'pseudoplano', muito sintético, com nada de novo".[9] Anunciado às vésperas da Cúpula do Clima organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o "Plano Amazônia" tinha como uma de suas diretrizes "transmitir mensagem clara e direta de que este Governo não tolera qualquer ação à margem da Lei". A intenção ia de encontro às próprias atitudes do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que confrontou o diretor da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, sobre a apreensão de uma carga de madeira ilegal, avaliada em R$ 55 milhões. Salles foi denunciado por Saraiva ao STF, pela tentativa de atrapalhar as investigações. Em retaliação, Saraiva foi logo em seguida exonerado de sua chefia pelo novo diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino.[10]

O Plano Amazônia anunciou que pretendia reduzir o desmatamento na Amazônia, colocando-o dentro da média histórica do período 2016-2020. O problema desta meta, é que representava um incremento de 16% do desmatamento sobre 2018, último ano antes do governo Bolsonaro; 92% de aumento sobre o percentual mais baixo de desmatamento da série histórica, registrado em 2012; e era 35% maior do que a média dos governos dos dez anos anteriores ao governo Bolsonaro, de 2009 a 2018.[10] Durante a Cúpula do Clima, Ricardo Salles também declarou que o Brasil só se comprometeria em reduzir o desmatamento (em até 40% em um ano) caso recebesse US$ 1 bilhão de ajuda externa,[11] o que foi classificado como "lógica de milicianos" pelo cientista político Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP.[10]

A volta do PPCDAm

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Com a eleição de Lula para um terceiro mandato, o PPCDAm foi recriado através do Decreto Federal Nº 11.367, de 1º de janeiro de 2023, sendo lançado oficialmente em 5 de junho daquele mesmo ano. A quinta fase, que se estende de 2023 a 2027, prevê desmatamento zero até 2030,[8] e foi construída tendo por base a experiência acumulada pelo governo federal entre 2004 e 2012, quando o desmatamento foi reduzido em 83%.[7]

O novo PPCDAm está estruturado em torno de quatro eixos temáticos (subcomissões), mantendo os instrumentos normativos e econômicos para a redução do desmatamento, criados na quarta fase, com os três eixos das fases anteriores: atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental e ordenamento fundiário e territorial. O plano também definiu doze objetivos estratégicos, com 38 resultados esperados e 194 linhas de ação.[8]

Dentre as metas da quinta fase, estão a ampliação de florestas públicas federais sob concessão em 5 milhões de hectares até 2027, e a contratação de 1600 analistas ambientais por concurso, para atuar no controle do desmatamento.[8] Para atingir o desmatamento zero em 2030, prevê-se o uso de rastreio e repressão remota de crimes ambientais e respectivas cadeias produtivas, investimento em bioeconomia e ordenamento territorial de florestas públicas não destinadas.[7]

Ver também

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Referências

  1. a b c d MELLO, N. G. R. de; ARTAXO, P. (2017). «Evolução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal». Revista Do Instituto De Estudos Brasileiros (66): 108–129. doi:10.11606/issn.2316-901X.v0i66p108-129 
  2. a b GIRARDI, Giovana (24 de outubro de 2022). «O que foi o PPCDAm, plano do PT contra desmatamento desmobilizado por Bolsonaro». Folha de S. Paulo. Consultado em 13 de novembro de 2024 
  3. «DECRETO Nº 11.367, DE 1º DE JANEIRO DE 2023». planalto.gov.br. 1 de janeiro de 2023. Consultado em 13 de novembro de 2024 
  4. a b c SILVA, Viviane Vidal da; COSTA SILVA, Ricardo Gilson da (outubro de 2022). «Amazônia, Fronteira e Áreas Protegidas: dialética da expansão econômica e proteção da natureza». São Paulo. Ambiente & Sociedade. 25 (2). doi:10.1590/1809-4422asoc20200224r1vu2022l3ao. Consultado em 13 de novembro de 2024 
  5. a b c d e f g h i Grupo Permanente de Trabalho Interministerial (novembro de 2009). «Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal - 2ª Fase (2009-2011)» (PDF). Brasília. Consultado em 13 de novembro de 2024 
  6. a b «Governo federal lança Plano Amazônia Sustentável». Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. 8 de maio de 2008. Consultado em 13 de novembro de 2024 
  7. a b c d «Políticas públicas orientadoras». Fundo Amazônia. Consultado em 14 de novembro de 2024 
  8. a b c d «Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm)». Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Consultado em 14 de novembro de 2024 
  9. a b c PONTES, Nádia (5 de junho de 2021). «Como conquistas ambientais estão ruindo sob Bolsonaro». Deutsche Welle. Consultado em 14 de novembro de 2024 
  10. a b c ESCOBAR, Herton (16 de abril de 2021). «Plano do governo para Amazônia mantém desmatamento em alta». Jornal da USP. Consultado em 14 de novembro de 2024 
  11. BUSCH, Alexander (14 de abril de 2021). «Por que o Brasil se vende tão barato?». Deutsche Welle. Consultado em 14 de novembro de 2024 

Ligações externas

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