Referendo no Brasil em 1963

referendo sobre o sistema de governo do Brasil, realizado em 6 de janeiro de 1963

O referendo no Brasil em 1963 ocorreu em 6 de janeiro daquele ano para determinar o sistema de governo (parlamentarista ou presidencialista) do país, resultando na escolha do presidencialismo, o fim da República Parlamentarista instaurada em 1961 e a restauração dos plenos poderes do presidente João Goulart, empossado também em 1961. A data original era em abril de 1965, mas foi antecipada.

Plebiscito no Brasil em 1963

6 de janeiro de 1963 (1963-01-06) 1993 →

Pergunta: Aprova o Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo?
Resultados
Não
  
76,98%
Sim
  
16,88%
Branco
  
2,32%
Nulos
  
3,83%
Vídeo do Senado Federal com materiais da campanha

A posse de Goulart havia sido alvo de uma tentativa de veto militar e só foi possível adotando o parlamentarismo para enfraquecer seus poderes. Porém, assim que assumiu o poder, buscou antecipar o plebiscito previsto em lei e restaurar o presidencialismo. Uma ampla frente desejava o fim da ainda pouco consolidada experiência parlamentar, mesmo sem necessariamente apoiar o presidente. Assim, governadores, presidenciáveis, sindicalistas, militares e outros defenderam a causa antiparlamentarista. Em 1962, crises políticas em julho e setembro, ambas com greves gerais e pressão militar, permitiram ao presidente obter um primeiro-ministro favorável e intimidar o Congresso a antecipar a data da votação. Em seguida, ele encontrou financiamento de empresários para uma forte campanha eleitoral, enquanto a causa parlamentarista tinha pouco apoio. O resultado nas urnas foi esmagador em favor do presidencialismo.

O esforço antiparlamentarista foi a prioridade do governo de Goulart no seu primeiro ano, estando relacionado à curta duração dos gabinetes parlamentaristas, ao aprofundamento da crise econômica nacional, ao fortalecimento do sindicalismo (com a fundação do Comando Geral dos Trabalhadores) e à deterioração das relações com os Estados Unidos.

Terminologia

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Um plebiscito é realizado previamente ao ato legislativo ou administrativo em questão, enquanto um referendo é posterior.[1] O parlamentarismo foi instituído em 1961 com a previsão de um plebiscito, mas a lei da antecipação chamou-o de referendo.[2]

Origem

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Em 24 de agosto de 1961 o presidente Jânio Quadros renunciou, buscando deflagrar uma crise sucessória contra a posse de seu vice João Goulart (Jango), então em viagem à China. Através da cúpula militar, receberia poderes extraordinários do Congresso para governar. Jânio não pôde reaver a Presidência, mas a crise desenvolveu: os ministros militares não aceitaram a linha de sucessão presidencial e vetaram a posse de Goulart, enquanto Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, rejeitou o veto dos ministros militares. Nem mesmo o Exército tinha união, pois o Terceiro Exército (do Sul) do general Machado Lopes aderiu à causa da posse de Goulart.[3] Surgiu a possibilidade de guerra civil, mas “seguindo uma velha tradição nacional” a solução foi a conciliação,[4] preservando o mandato do presidente mas enfraquecendo seu poder através do parlamentarismo.[5]

A Emenda Constitucional nº 4 ou Ato Adicional implantou o parlamentarismo como sistema de governo, posteriormente regulado pela Lei Complementar nº 1, de 17 de julho de 1962. A legislação previa um parlamentarismo puro, com um presidente fraco eleito pelo Congresso e o poder concentrado no Conselho de Ministros, cujo presidente equivalia a um primeiro-ministro. Porém, o mandato de Goulart, ainda eleito pelo sufrágio popular no sistema anterior, em 1960, seria um período de transição com caráter híbrido. A lei ainda dava influência política ao presidente,[6] usando uma escrita ambígua,[7] e o hibridismo se manifestava no funcionamento real. Goulart ainda tinha prestígio,[8] o Legislativo não usava suas novas prerrogativas[9] e o sistema tinha pouca institucionalização escrita e nenhuma tradição.[10] A relação entre os poderes teve pouca mudança real e os gabinetes funcionaram como ministérios presidencialistas.[11]

O novo sistema tinha fraquezas desde o início. Discutido às pressas e aprovado com texto confuso, retirava poderes do presidente da República em plena vigência do mandato, desde o início foi oposto pela classe política e teve baixa aceitação popular. A medida tinha cunho ideológico e irritou a esquerda,[12] para a qual ele foi um “golpe branco”.[13] Sua permanência não estava decidida, visto que constava no Ato Adicional:[14]

Art. 25: A lei votada nos têrmos do art. 22[a] poderá dispor sôbre a realização de plebiscito que decida da manutenção do sistema parlamentar ou volta ao sistema presidencial, devendo, em tal hipótese, fazer-se a consulta plebiscitaria nove meses antes do têrmo do atual período presidencial.

Objetivo de Goulart e implicações

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Presidente Goulart (meio) e primeiro-ministro Tancredo Neves (direita)

O mandato presidencial terminava em 31 de janeiro de 1966, e assim, o plebiscito estava previsto para abril de 1965.[15] Desde a posse Goulart articulou a reversão ao presidencialismo,[5] e na abertura dos trabalhos legislativos de 1962 explicitou sua intenção de reaver seus poderes com um plebiscito antecipado.[16] A disputa pela antecipação foi então vencida em setembro por uma coalizão antiparlamentarista mais forte que a oponente — mesmo inimigos de Goulart queriam o presidencialismo — e impulsionada pela pressão sindical, militar e política.[17] Forças opostas, como os ministros militares e os sindicatos, participaram dessa frente ampla.[18] O país passou por duas crises. A primeira, em julho de 1962, levou à posse de um primeiro-ministro subserviente à agenda presidencialista, e a segunda, em setembro, à antecipação do plebsicito.[19]

Para restaurar o presidencialismo, Goulart precisava demonstrar fidelidade à ordem legal e alistar apoio para pressionar o Congresso.[20] Instabilidade dos gabinetes e inflação marcavam o início de seu governo. Em seu primeiro ano no poder, ele concentrou suas forças na antecipação do plebiscito, e assim não tinha interesse em fortalecer o regime parlamentar ou em estabilizar a economia através de um ajuste fiscal impopular.[21] Houve dificuldade na aplicação da política econômica desde a demissão de Tancredo Neves, em junho, até a votação da antecipação em setembro; a instabilidade tornou inviável qualquer programa de estabilização em meados de 1962. Os agregados monetários e fiscais estiveram em descontrole nesse período, especialmente nas crises de julho e setembro.[22] Dessa forma, o Brasil não estava em condições de satisfazer as demandas do governo de John F. Kennedy nos Estados Unidos, que estava disposto a negociar assistência financeira se o governo brasileiro combatesse a inflação e se distanciasse da esquerda. Nas eleições legislativas de 1962, a oposição recebeu financiamento americano.[21]

A Embaixada americana estava preocupada com o uso da esquerda radical nos sindicatos como apoio à antecipação do plebiscito.[23] Nesse período o sindicalismo fortaleceu sua organização e mostrou-se inclusive capaz de agir contra o desejo de Goulart, embora não teve uma “ação histórica independente”.[24] Esse fortalecimento posteriormente diminuiu a liberdade do governo em determinar sua política econômica, dificultando a concretização do Plano Trienal em 1962.[25] Ao mesmo tempo, as táticas políticas do presidente levaram ao desgaste de sua relação com o empresariado.[26]

Alguns analistas atribuem o sucesso das greves à proteção cedida por oficiais nacionalistas contra a repressão das polícias estaduais. Esse apoio é confirmado pelas fontes no caso do Primeiro Exército do general Osvino Ferreira Alves, mas não em outros, e ainda assim os oficiais nacionalistas não aprovavam das greves.[27] Mas para Goulart, o apoio militar era crucial e foi conseguido pela colocação de oficiais nacionalistas em comandos-chave como parte da política de nomeações e promoções.[28][29] No mínimo, a neutralidade das Forças Armadas era necessária para que a pressão popular aplicada sobre o Congresso não servisse de pretexto a um golpe de Estado.[30]

Disputa pela antecipação

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Opinião da classe política

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A União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD) votaram a favor da emenda parlamentarista, enquanto o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do presidente, foi contrário.[31] Porém, ainda em 1961 alguns membros da UDN e PSD já conferenciavam com militares pelo retorno do presidencialismo.[32] Para os parlamentares, havia motivos para se opor à consolidação do parlamentarismo, pois ela levaria à centralização da atividade legislativa nos partidos, em detrimento dos parlamentares individuais, e à delegação de poderes ao gabinete em detrimento do parlamento.[33]

Por outro lado, o PSD ganhava com o parlamentarismo por ser o maior partido no Congresso, e a UDN, pelo enfraquecimento de seu inimigo Goulart. Para a cientista política Argelina Figueiredo, as bancadas da UDN e PSD eram em sua maioria antiparlamentaristas, mas um argumento contrário é que, nesse caso, não teria sido necessário aplicar tanta pressão para antecipar o plebiscito. Goulart derrotou ofensivas no Congresso para consolidar o parlamentarismo, primeiro numa tentativa de passar uma lei complementar ainda em setembro de 1961, e em seguida em decretos administrativos que fortaleceriam o Conselho de Ministros.[20]

Os presidenciáveis da eleição de 1965, como Juracy Magalhães (UDN), Juscelino Kubitschek (PSD) e Magalhães Pinto (UDN), queriam livrar-se do parlamentarismo o quanto antes.[34] Leonel Brizola (PTB), possivelmente interessado em concorrer em 1965, queria Goulart usando plenos poderes presidenciais em favor de sua base na esquerda.[18] Magalhães era conservador, mas integrou a frente antiparlamentarista junto à esquerda. Já Carlos Lacerda, do seu mesmo partido e também presidenciável, queria reverter o parlamentarismo e é citado entre seus opositores, mas atuou contra o referendo.[35]

Por sua vez, os governadores, entre os quais estavam Lacerda (da Guanabara) e Magalhães (de Minas Gerais), estavam indispostos com o artigo 24 do Ato Adicional,[b] que previa a extensão do parlamentarismo aos Estados da federação.[36] Em 8 de junho, os governadores reunidos em Araxá, à exceção de Lacerda, concordaram em apoiar a antecipação do plebiscito, sob a iniciativa de Magalhães Pinto.[37]

Greve de julho e posse de Brochado da Rocha

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O gabinete Tancredo Neves renunciou em junho para poder participar das eleições de outubro.[38] Essa desincompatibilização era exigência legal presidencialista[39] e uma proposta de eliminação foi derrotada no Senado.[40] Tancredo não era dedicado à preservação do parlamentarismo, mas sua queda foi “início do fim” do regime, pois seu gabinete, ao contrário dos seguintes, não foi formado com o comprometimento de antecipar o plebiscito e não era dependente de Goulart.[39][32]

O presidente então manobrou para desacreditar o parlamentarismo.[32] Em 27 de junho, nomeou como sucessor de Tancredo San Tiago Dantas, conhecido pela Política Externa Independente e rejeitado pela direita. Após esse nome ser bloqueado pela UDN e PSD, nomeou Auro de Moura Andrade, da ala conservadora do PSD, com a condição de ficar com uma carta de renúncia sem data. Auro foi aprovado pelo Congresso, mas os sindicalistas convocaram uma greve geral para 5 de julho para mudar o gabinete. Em 4 de julho, a carta de renúncia foi usada para eliminar Auro. Com o impasse criado pela nomeação de Auro e o cansaço de duas nomeações fracassadas, o Congresso aceitou em 10 de julho a nomeação de Brochado da Rocha (PSD), um nome inexpressivo, subordinado ao presidente[41] e comprometido com o presidencialismo.[42]

A pressão do dispositivo militar, sob a coordenação de Amaury Kruel, também foi usada na crise de gabinete. Entre a renúncia de Auro e a sabatina de Brochado, Goulart, como comandante das Forças Armadas, aproveitou para nomear o general Jair Dantas Ribeiro ao Terceiro Exército; o Primeiro, Segundo e Terceiro Exércitos entraram em prontidão. O Quarto Exército de Costa e Silva não era de confiança. Porém, de acordo com Olímpio Mourão Filho, um dos oito generais subordinados a Jair, somente um deles aceitou a ideia de uma declaração a favor de Goulart.[43][c] Com o apoio do centro e esquerda ao retorno ao presidencialismo, faltava o do Exército.[42] Em agosto os três ministros militares declararam seu apoio à antecipação do plebiscito.[28]

A crise deixou o país com 14 dias sem gabinete, com impactos político-administrativos e econômicos negativos.[44] No meio sindical, a programação da greve foi mantida mesmo com a queda de Auro e a tentativa de Goulart e seus aliados de impedir a paralisação, demonstrando assim uma capacidade de agir contra a vontade do presidente. A greve teve escala nacional e foi centralizada num Comando Geral de Greve, que em agosto daria origem ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). O CGT era a mais forte organização do sindicalismo extralegal/“paralelo” e tinha suas diretrizes dominadas pelo Partido Comunista.[45]

Greve e atividade legislativa de setembro

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Jango e seus aliados esperavam do Tribunal Superior Eleitoral a antecipação do plebiscito para 7 de outubro, dia das eleições gerais. Em 25 de julho o Tribunal julgou-se sem competência para decidir a data e a pressão sobre o Congresso retornou. O governo queria delegar poderes ao Conselho de Ministros para conduzir reformas de base, e Brochado da Rocha ameaçou renunciar se o Congresso não votasse o plebiscito até 17 de agosto. Nessa data terminava o período de “esforço concentrado” no Congresso e os parlamentares deixariam Brasília para conduzir suas campanhas eleitorais; se o gabinete caísse, precisariam participar da formação de um novo. Chegou-se a um acordo para evitar a renúncia em troca de outro período de “esforço concentrado” legislativo de 10 a 15 de setembro.[46]

Com a chegada desse período, a UDN e o PSD conseguiram limitar uma das vantagens do presidente da República — a ausência de governo durante trocas ministeriais, o que poderia levar ao adiamento das eleições. Em 12 de setembro, UDN e PSD aprovaram na Câmara dos Deputados a lei Capanema, autorizando o presidente a nomear um gabinete provisório, e ela foi encaminhada ao Senado. Enquanto isso, no dia 10 o CGT fez uma série de demandas: “a antecipação do plebiscito para 7 de outubro, a delegação de poderes para o Conselho de Ministros, a revogação da Lei de Segurança Nacional, um aumento de 100% no salário mínimo, a concessão do direito de voto para analfabetos e soldados,[d] a implementação de uma “reforma agrária radical”, o congelamento dos preços dos bens de primeira necessidade e a aprovação do projeto de regulamentação do direito de greve”. Se não fossem aprovadas até o dia 15, o que era difícil ou impossível, seria deflagrada a greve geral.[47]

Declaração do Terceiro Exército

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Em 11 de setembro o general Peri Constant Bevilacqua foi nomeado ao Segundo Exército e reforçou o apoio do Primeiro e Terceiro ao presidencialismo.[48] Em 13 de setembro Jair Dantas Ribeiro declarou-se incapaz de manter a ordem no território do Terceiro Exército “se o povo se insurgir” contra o Congresso por não antecipar o plebiscito. O ministro da Guerra Nélson de Melo reprovou a atitude, mas o Primeiro e Segundo Exércitos apoiaram o Terceiro; somente o Quarto Exército, agora de Castelo Branco, não apoiou.[49] O Primeiro e Terceiro Exércitos eram os comandos mais fortes.[e]

Junto com o pedido de estado de sítio em 1963, esse foi um dos dois momentos em que Goulart “lançou mão de mecanismos fortes de pressão, assustando a todos e dando margem a especulações sobre eventuais planos inconstitucionais que pudesse ter”. O significado dessa atuação foi, de acordo com o historiador Carlos Fico, “levar o Congresso Nacional a votar com o governo, de modo que poderíamos talvez falar em pressões indevidas, não em golpismo”; “é certo que Goulart jogou pesado”.[50] Embora havia perturbação social, “permanece nebuloso” se a atitude de Jair Dantas Ribeiro foi justificada. O historiador Moniz Bandeira a considera razoável, como também afirmou à época Brizola. Porém, foi um exagero para o prefeito de Porto Alegre, o presidente da Assembleia Legislativa estadual e subordinados de Jair.[49] Mourão estava disposto a agir contra seu superior.[51] Ernesto Geisel, comandante da 5ª Região Militar, contestou seu superior, declarando que em seu território “reinava plena tranquilidade”. Depoimentos na História Oral do Exército negam a agitação na área do Terceiro Exército e enfatizam que a declaração de seu comandante foi manobra política.[52]

Conforme algumas fontes, Jango recebeu propostas de militares para um golpe. Segundo Hugo de Araújo Faria, do Gabinete Civil, Goulart disse-lhe que vários militares ofereceram derrubar o parlamentarismo, mas ele recusou. Para Moniz Bandeira, o general Amaury Kruel, chefe da Casa Militar, defendia um golpe de Estado liderado pelo presidente, e os comandantes do Primeiro, Segundo e Terceiro Exércitos queriam intervir contra o parlamentarismo. Porém, conforme o depoimento de San Tiago Dantas, Goulart não aceitaria uma solução extralegal. O jornalista Carlos Castelo Branco relata uma conversa de Magalhães Pinto com o presidente da Câmara Ranieri Mazzilli e líderes partidários: segundo Magalhães, Goulart não daria um golpe, mas estava iminente uma intervenção militar contra o Congresso, com ou sem a aprovação do presidente.[53][54] O general Mourão Filho acreditava que Kruel havia planejado o fechamento do Congresso se o plebiscito não fosse antecipado.[55]

Queda de Brochado da Rocha

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Em 13 de setembro o primeiro-ministro pôs perante o Congresso a “questão de confiança” sobre a delegação de mais poderes ao gabinete e o plebiscito. A “questão de confiança”, própria do sistema parlamentar, ameaça a renúncia se determinada atitude não for tomada. Como não houve acordo, renunciou.[56][57] A pressão sindical e militar já era decisiva, com as ameaças de greve geral e desordem no Sul,[47] e agora pesava o temor de um gabinete de esquerda, com o general Osvino no Ministério da Guerra.[58] Com a mediação do senador Juscelino Kubitschek, a aliança PSD-PTB foi restabelecida e conseguiu antecipar o plebiscito. A greve geral foi deflagrada em protesto à demissão de Brochado da Rocha, mas foi mais fraca do que em julho.[59]

Segundo Paulo Schilling, assessor de Brizola, a origem das radicalizações (como a declaração do Terceiro Exército) era uma conspiração entre Brizola, o CGT e oficiais como Jair Dantas Ribeiro. Uma série de leis radicais seriam apresentadas ao Congresso por Brochado da Rocha, que então renunciaria. Sob pressão militar e popular, o Congresso daria sua aprovação ou seria fechado. Como o primeiro-ministro renunciou sem apresentar o ultimato, o plano de “golpe progressista” falhou.[60][61]

A lei da antecipação

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A lei originalmente discutida em agosto era a emenda do deputado Oliveira Brito (PSD). Ela entregaria poderes constituintes ao Congresso eleito em outubro, potencialmente facilitando reformas[62] (ela permitiria reformar a Constituição com quórum de maioria simples),[63] mas também fortaleceria o Legislativo[64] e permitiria ao Congresso atrasar bastante o plebiscito. Goulart não queria perder ainda mais tempo útil de mandato e priorizava a antecipação.[62] Ela é interpretada como uma oportunidade de realizar reformas de base ou um fortalecimento do parlamentarismo que deixaria o plebiscito em segundo plano.[64]

Na primeira chamada, já em setembro, a emenda Oliveira Brito, apoiada pelos partidos de centro e esquerda, obteve 140 votos favoráveis contra 62 contrários, maioria insuficiente para passar. Negociou-se então que essa emenda seria derrotada na primeira chamada em troca da aprovação da emenda Capanema-Valadares ou Lei Complementar nº 2. Tratava-se de um acréscimo do senador Valadares à lei complementar modificando o Ato Adicional; segundo a Constituição, o necessário para alterar a data teria sido uma emenda constitucional. O novo texto tratava apenas do plebiscito, sem controversos poderes constituintes. A emenda Oliveira Brito foi derrotada na segunda chamada, e a Lei Complementar nº 2, aprovada na madrugada do dia 15 pelos votos do centro e esquerda.[65][66][67]

Seu artigo 2 versava:[68]

A Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961, será submetida a "referendum" popular no dia 6 de janeiro de 1963.

A esquerda queria a data de 7 de outubro, coincidindo com as eleições para o Congresso e dez governos estaduais,[69] mas isso era resistido por políticos conservadores que seriam prejudicados pela associação de sua candidatura à opção impopular do “Sim” ao parlamentarismo.[70] Ainda assim, 6 de janeiro precedia o início dos trabalhos legislativos de 1963, como queria o presidente.[71]

As relações do presidente com o Congresso seriam difíceis em 1963. Congressistas acusavam o presidente de hipocrisia na sua busca pelas reformas, pois descartou a emenda Oliveira Brito em favor da emenda Capanema-Valadares.[63]

A cédula perguntaria ao eleitor: “Aprova o Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo?”, com as opções “Sim” e “Não”.[72]

Campanha

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Posicionamentos

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O foco passou ao referendo após as eleições de outubro, e o presidencialismo tinha apoio amplo,[73] unindo interesses de difícil conciliação.[74] A polêmica não estava na diferença entre as formas de governo, mas no apoio ou hostilidade à figura de Goulart, ao trabalhismo, populismo e à “herança getulista”. A oposição ligava o presidente aos comunistas,[15] mas a heterogênea coalizão presidencialista tinha também muitos setores anticomunistas e que não queriam associar o presidencialismo à esquerda.[75]

A apresentação do Plano Trienal, elaborado pelo economista Celso Furtado para os anos restantes do mandato de Goulart, contribuiu à campanha pelo retorno ao presidencialismo.[76] Leonel Brizola e Juscelino Kubitschek percorram o país em campanha pelo voto no “Não” ao parlamentarismo,[77] e Magalhães Pinto organizou uma frente de governadores presidencialistas. Carlos Lacerda destoou, pois não aceitava colaborar com o presidente,[78] e trabalhou para desmoralizar o referendo.[79]

O PTB era presidencialista, o PSD estava dividido[80] e a bancada da UDN tinha maioria parlamentarista. As esperanças dos udenistas eram a tese da insuficiência do plebiscito para revogar o Ato Adicional e a expectativa de baixo comparecimento; esta última foi derrotada quando a Justiça Eleitoral determinou a obrigatoriedade do voto.[78] O Partido Democrata Cristão defendeu o “Sim” ao parlamentarismo,[81] e o Partido Socialista Brasileiro o “Não”.[82] O Partido Libertador tinha base no Rio Grande do Sul e tradição parlamentarista. Raul Pilla, um de seus deputados, fora o autor da emenda parlamentarista de 1961. Ele reconhecia os defeitos do sistema tal como implementado em 1961, mas defendia o voto em branco ou a abstenção, sendo possível motivo da alta taxa de votos em branco no Rio Grande do Sul (5,08%), a maior entre os estados.[83]

O movimento sindical apoiou Goulart na condição de que cumprisse o prometido em setembro, especialmente um aumento do salário-mínimo. Assim, com a demora no cumprimento esse apoio estava em risco. Somente alguns dias antes do referendo, já em 1963, o presidente majorou o salário-mínimo em 75% (abaixo dos 100% exigidos pelo CGT), assegurando o apoio.[84] O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais preferiu o presidencialismo, embora não participou ativamente da frente antiparlamentarista;[85] para a organização, interessada na deposição de Goulart, o presidencialismo permitia atribuir os males do país diretamente a ele.[35] A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil recomendou a participação do eleitorado, na prática apoiando o “Não”, mas alguns clérigos conservadores discordaram.[86] A imprensa, embora majoritariamente contrária a Goulart, divulgou a campanha pró-presidencialista e não investiu na defesa do parlamentarismo.[87]

As esquerdas em geral defenderam o presidencialismo. Porém, o voto nulo foi defendido por Francisco Julião, representante das Ligas Camponesas, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB, recém-criado e oposto ao PCB) e o Partido Operário Revolucionário Trotskista. Julião acreditava no parlamentarismo e criticava a posição a reboque do governo, mas estava isolado e recebeu muitas críticas por escolher uma opção semelhante à de Carlos Lacerda.[88]

Recursos

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A campanha presidencialista foi “longa e custosa, financiada por banqueiros e empreiteiros vinculados aos interesses da aliança partidária PSD-PTB”. Trabalhavam “a máquina de propaganda montada pelos favoráveis ao retorno do presidencialismo, os milhões de cruzeiros — denunciados pelos parlamentares da UDN — os cartazes, jingles, artigos de jornal, os apelos”.[15] José Luiz de Magalhães Lins, sobrinho do governador mineiro e presidente do Banco Nacional de Minas Gerais, coordenou as finanças, contratando cinco agências de publicidade. O chefe da Casa Civil foi à França estudar o referendo de 1958.[89] A propaganda pelo “Não” chegou a contar com o uso da máquina pública, como de aviões da Força Aérea Brasileira que transportaram agentes dessa campanha.[90]

A propaganda presidencialista imputava ao sistema parlamentar a culpa da inflação e da crise social, sendo necessário empoderar o presidente a agir contra a miséria, analfabetismo, falta de terra e crises políticas.[89] Ela associava a vitória do presidencialismo à concretização das reformas de base.[91] Sob encomenda do Ministério da Educação de Darcy Ribeiro o Instituto Superior de Estudos Brasileiros publicou o panfleto “Por que votar contra o parlamentarismo no plebiscito?”, objeto de críticas da bancada da UDN e de O Globo; Lacerda buscou confiscá-lo com seu Departamento de Ordem Política e Social. Além desse panfleto, a polícia da Guanabara invadiu gráficas e escritórios e apreendeu outros materiais de campanha. O Diário Carioca, apoiado pela Frente Parlamentar Nacionalista e os comunistas, denunciava intenções golpistas de Lacerda. O Primeiro Exército, Marinha e Aeronáutica prepararam um dispositivo militar para garantir a realização do referendo na Guanabara, mas ele não foi necessário.[92]

Os parlamentaristas tinham seus financiadores, mas não eram tão fortes.[15] A historiografia costuma aceitar a colocação de Hermes Lima, o último primeiro-ministro, de que não houve campanha pelo “Sim”,[93] e os mais tradicionais parlamentaristas (Raul Pilla e o PL) defendiam a abstenção, mas houve uma campanha parlamentarista modesta. Um dos atos parlamentaristas foi uma palestra de Juarez Távora divulgada pelo rádio.[94]

A Justiça Eleitoral determinou o voto obrigatório, a definição da defesa da abstenção como crime eleitoral e prazos de propaganda do referendo em rádio e televisão, sem permissão a críticas a pessoas e autoridades.[95]

Resultados

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De 18 565 277 eleitores, 12 286 355 (66,18%) participaram, comparecimento inferior ao das eleições de 7 de outubro de 1962 (80%), mas a grande proporção (4–5:1) de votos do “Não” sobre o “Sim” lhe deu uma quantia de eleitores (mais de 9 milhões) maior do que as de Jânio (5 636 623) e Goulart (4 547 010) em 1960. A Emenda Constitucional n° 4, de 23 de janeiro, revogou a Emenda Constitucional n° 6 e restaurou o presidencialismo da Constituição de 1946.[96][2]

Aprova o Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo? Votos Porcentagem
 Sim 2 073 582 16,88%
 Não 9 457 448 76,98%
Brancos 284 444 2,32%
Nulos 470 701 3,83%
Total 12 286 355 100%
Eleitorado e comparecimento 18 565 277 66,18%

Por estado

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Estado/Território Distribuição dos Votos[97]
Sim Não Votos válidos
Votos % Votos %
Acre 2 008 17,47% 9 488 82,53% 11 496
Alagoas 7 875 7,80% 93 145 92,20% 101 020
Amazonas 11 695 19,16% 49 358 80,84% 61 053
Bahia 42 484 7,78% 503 662 92,22% 546 146
Brasília 3 298 7,05% 43 465 92,95% 46 763
Ceará 44 968 11,10% 360 232 88,90% 405 200
Espírito Santo 45 350 22,36% 157 458 77,64% 202 808
Goiás 27 483 10,89% 224 939 89,11% 252 422
Guanabara 227 077 22,82% 768 143 77,18% 995 200
Maranhão 12 356 4,92% 238 594 95,08% 250 950
Mato Grosso 10 455 8,01% 120 122 91,99% 130 577
Minas Gerais 348 227 23,30% 1 146 452 76,70% 1 494 679
Pará 22 351 14,82% 128 500 85,18% 150 851
Paraíba 19 432 9,81% 178 630 90,19% 198 062
Paraná 159 605 23,59% 516 896 76,41% 676 501
Pernambuco 33 977 8,14% 383 547 91,86% 417 524
Piauí 14 153 10,34% 122 674 89,66% 136 827
Rio de Janeiro 113 408 14,59% 663 694 85,41% 777 102
Rio Grande do Norte 13 454 6,96% 179 941 93,04% 193 395
Rio Grande do Sul 328 872 29,52% 785 222 70,48% 1 114 094
Santa Catarina 176 998 39,41% 272 153 60,59% 449 151
São Paulo 401 747 14,30% 2 407 090 85,70% 2 808 837
Sergipe 5 125 5,73% 84 327 94,27% 89 452
Território do Amapá 634 6,74% 8 777 93,26% 9 411
Território de Roraima 274 7,74% 3 265 92,26% 3 539
Território de Rondônia 276 3,47% 7 674 96,53% 7 950
Total 2 073 582 17,98% 9 457 448 82,02% 11 531 030

Ver também

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Referências

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Notas

  1. Art. 22: “Poder-se-á complementar a organização do sistema parlamentar de govêrno ora instituído, mediante leis votadas, nas duas casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta dos seus membros.”
  2. “As Constituições dos Estados adaptar-se-ão ao sistema parlamentar de govêrno, no prazo que a lei fixar, e que não poderá ser anterior ao término do mandato dos atuais Governadores. Ficam respeitados, igualmente, até ao seu término, os demais mandatos Federais, estaduais e municipais.”
  3. Mourão estava pronto para, em reação a uma atitude do governo (imaginava que o Congresso poderia ser fechado), acionar seu “Plano Junção”, com uma ofensiva de sua 3ª Divisão de Infantaria contra Porto Alegre. Mourão Filho 2011, p. 157-159.
  4. Quanto aos soldados, veja também Movimentos de praças no Brasil na década de 1960.
  5. Villa 2014, "João-Bom-Senso": “os dois maiores Exércitos em homens e em armas estavam comungando plenamente dos desejos de Jango”. O tamanho dos Exércitos pode ser visto em Estrutura do Exército Brasileiro em 1960.

Citações

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Fontes

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Livros
Artigos e trabalhos acadêmicos

Ligações externas

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