Psicoterapia institucional
A psicoterapia institucional é uma abordagem psiquiátrica de terapia em grupo que enfatiza o centralismo democrático e a autonomia dos indivíduos nas relações entre cuidadores e pacientes, além de reinserir elementos da psicanálise como centrais à psiquiatria.[1] Suas bases começaram a se desenvolver a partir da década de 1950, ao longo da Segunda Guerra Mundial, no contexto da reforma psiquiátrica francesa.[2] Fundamentada em bases multidisciplinares, a psicoterapia institucional foi desenvolvida em torno de ideias teóricas advindas do marxismo, da psicanálise freudiana e do lacanianismo.[3]
A abordagem da psicoterapia institucional recebeu contribuições de vários intelectuais, a exemplo de François Tosquelles, Jean Oury, Frantz Fanon, Félix Guattari e Georges Canguilhem.[4][5] A psicoterapia institucional propõe uma transformação radical do modelo operante em instituições de saúde mental, de modo que os pacientes possam participar ativamente do processo terapêutico.[6]
Apesar de tecer algumas críticas semelhantes às encontradas na antipsiquiatria, a psicoterapia institucional é uma abordagem distinta. Seus fundadores argumentam que a antipsiquiatria falhou em explicar como as psicopatologias operam na realidade, além de ter se equivocado ao considerar a psicose como sendo apenas um constructo social.[7] De acordo com Oury, a psicoterapia institucional é incompatível com a antipsiquiatria, pois na clínica de La borde certas práticas psiquiátricas, a exemplo do uso de neurolépticos e outros fármacos, permaneceram sendo aplicadas.[8]
História
editarO termo psicoterapia institucional foi citado em 1952, em artigo intitulado La psychothérapie institutionnelle française contemporaine de autoria dos psiquiatras franceses Georges Daumezon e Philippe Koechlin,, publicado na revista Anais Portugueses de Psiquiatria em 1952.[9] Não é possível dar uma origem precisa à abordagem, pois esta foi desenvolvida simultaneamente em diferentes locais. Para Jean Oury, por exemplo, a origem do termo remete a Philippe Pinel.[10]
Em algumas fontes, o hospital de Saint-Alban-sur-Limagnole, situado em Lozère, é citado como o local onde foi desenvolvida a primeira abordagem da psicoterapia institucional, e seu fundador como sendo o psiquiatra marxista François Tosquelles.[11]
Influências
editarDe acordo com Tosquelles, a psicoterapia institucional foi fundada em torno de dois principais teóricos: Karl Marx e Sigmund Freud, cujas obras analisam dois tipos de alienações, a psicopatológica em Freud e a social em Marx. Desde seu início, a amplitude de referências é uma das características desta abordagem psicoterapêutica, de modo que estão presentes tanto ideias extraídas da psicanálise e psiquiatria, como do marxismo[12] e da pedagogia desenvolvida por Célestin Freinet.
Posteriormente, outros vieses inspirados na terapia em grupo americana foram introduzidas à clínica de Saint-Alban pelo psicológo M. Monod, que trabalhava nesta, inspirado na teoria de campo do psicólogo alemão Kurt Lewin, e no psicodrama de Jacob Levy Moreno. Lucien Bonnafé, diretor da Saint-Alban, aplicoi o que foi idealizado por Monod na prática da clínica de Saint-Alban, recebendo o poeta Paul Éluard e transformando-a numa espécie de plataforma editorial clandestina. Saint-Alban que também recebeu ativistas da resistência francesa, como o jornalista Georges Sadoul e o médico Gaston Baissette.[13]
Definição do institucional
editarNo trabalho de teorização da psicoterapia institucional, uma das dificuldades encontradas foi a definição do termo instituição. Aparentemente, em seu uso inicial, foi predominante a abordagem anglo-saxônica de que instituição estava ligada ao estabelecimento em si. Nesta perspectiva, o próprio estabelecimento passa a ser objeto que requer transformação e um devido cuidado, bem como a equipe médica e os pacientes.[14]
Ver também
editarReferências
- ↑ Cano, N. (1 de abril de 2006). «Fondements éthiques de la psychothérapie institutionnelle». L'Encéphale (em francês). 96 (2): 205. ISSN 0013-7006. doi:10.1016/S0013-7006(06)76146-2. Consultado em 24 de fevereiro de 2021.
A psicoterapia institucional é um modelo que busca desenvolver a assistência psiquiátrica resultante, ao final da Segunda Guerra Mundial, do reconhecimento do efeito patologizante dos manicômios e das subjetividades e singularidades do sofrimento psíquico. [...] O princípio da autonomia está sempre em seu horizonte, e é concretizado na prática pelas noções de habitabilidade, orientação de tempo e lugar, aconselhamento, pelas atividades e relações entre os indivíduos.
- ↑ Maciel, Marcelo de Abreu (setembro de 2010). Resenha crítica. «Reforma psiquiátrica: as experiências francesa e italiana». Cadernos de Saúde Pública (9): 1863–1864. ISSN 0102-311X. doi:10.1590/S0102-311X2010000900019. Consultado em 24 de fevereiro de 2021.
A própria história da psicoterapia institucional francesa está marcada pela 2ª Guerra Mundial e a ocupação nazista na França, assim como o final da guerra e o começo da chamada guerra fria, trariam um impacto não só para todo território político, mas o mundo psi e acadêmico seria atingido pela polaridade capitalismo/comunismo.
- ↑ Naudin, Jean; Gozé, Tudi (2016). «Psychothérapie institutionnelle et phénoménologie» [Psicoterapia institucional e fenomenologia]. Sud/Nord (1). 33 páginas. ISSN 1265-2067. doi:10.3917/sn.026.0033. Consultado em 24 de fevereiro de 2021
- ↑ Robcis, Camille (11 de abril de 2020). «Frantz Fanon, Institutional Psychotherapy, and the Decolonization of Psychiatry». Journal of the History of Ideas (em inglês) (2): 303–325. ISSN 1086-3222. doi:10.1353/jhi.2020.0009. Consultado em 24 de fevereiro de 2021
- ↑ Ruiz, Valéria Salek; Athayde, Vladimir; Nogueira Filho, Irapoan; Zambroni-de-Souza, Paulo César; Athayde, Milton (dezembro de 2013). «François Tosquelles, sua história no campo da Reforma Psiquiátrica: desinstitucionalização e suas pistas para uma abordagem clínica do trabalho centrada na atividade». Estudos e Pesquisas em Psicologia (3): 855–877. ISSN 1808-4281. Consultado em 24 de fevereiro de 2021
- ↑ Passos, Izabel Friche (2012). «Duas versões históricas para a psicoterapia institucional / Two historical versions for institutional psychotherapy». Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health (9): 21–32. ISSN 2595-2420. Consultado em 25 de fevereiro de 2021
- ↑ Van der Wielen, Julie (outubro de 2018). «Living the intensive order: Common sense and schizophrenia in Deleuze and Guattari». Nursing Philosophy (4). ISSN 1466-7681. PMC 6175004 . PMID 30239115. doi:10.1111/nup.12226. Consultado em 25 de fevereiro de 2021.
O humano, tal como a família, é um valor definido e modelado pela ordem social dominante, que não pertence à natureza primordial do desejo sobre o qual se projeta e que suprime. Em vez de se concentrar no valor humano do esquizofrênico, no papel que ele pode desempenhar na sociedade ou em sua personalidade, deve-se concentrar-se em suas máquinas e considerar o indivíduo como um conjunto de tendências e processos, dos quais alguns são benéficos ou prazerosos e outros prejudiciais ou angustiantes. Como afirmam Deleuze e Guattari: A primeira tarefa positiva consiste em descobrir a natureza de um sujeito, a formação ou o funcionamento de suas máquinas desejantes.
- ↑ Dosse, François; Glassman, Deborah (2010). «Chapter 18: An Alternative to Psychiatry?» [Capítulo 18: Uma alternativa à psiquiatria?]. Gilles Deleuze and Félix Guattari: Intersecting Lives. Nova York: Columbia University Press. 672 páginas
- ↑ Daumézon, Georges; Koechlin, Philippe. «Ceepi - La Psychothérapie institutionnelle française contemporaine». Anais portugueses de psiquiatria (em francês). 4 (4). Consultado em 25 de fevereiro de 2021
- ↑ Kaufmann, Pierre (2003). L'apport freudien: éléments pour une encyclopédie de la psychanalyse 2 ed. Paris: Bordas. ISBN 978-2047298329. OCLC 300244640
- ↑ Mornet, Joseph (2014). Une introduction aux psychothérapies (em francês). Nîmes: Champ social éditions. ISBN 9782353717-156. OCLC 894566238
- ↑ François Tosquelles (1 de abril de 2019). Psychopathologie et matérialisme dialectique, conférence à l'École normale supérieure (1947) (em francês). [S.l.]: Éditions d'une
- ↑ Dosse, François (2007). Gilles Deleuze et Félix Guattari: biographie croisée. Paris: Découverte. OCLC 173263954
- ↑ Agostinho, Larissa Drigo; Agostinho, Larissa Drigo (abril de 2020). «Guattari e a psicoterapia institucional». Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica (1): 2–11. ISSN 1516-1498. doi:10.1590/1809-44142020001001. Consultado em 27 de fevereiro de 2021
Bibliografia
editar- Guattari, Félix (1984). Molecular revolution: psychiatry and politics (em inglês). Harmondsworth, Middlesex, England; New York, N.Y., U.S.A.: Penguin. OCLC 10805372
Ligações externas
editar- «Institutional Psychotherapy in France: An Interview with Camille Robcis» (em inglês). Hidden Persuaders. 28 de setembro de 2017. Consultado em 27 de fevereiro de 2021
- Doan, Kim; Freitas, David de; Gargot, Thomas (18 de junho de 2017). «Institutional Psychotherapy» (em inglês). PubPub. Consultado em 27 de fevereiro de 2021