Química supramolecular
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Química supramolecular pode ser descrita como o ramo da química que estuda agregados de moléculas ou íons, também conhecidos como “supermoléculas”, unidos por interações não covalentes. É um campo multidisciplinar que abrange conceitos de química orgânica, química inorgânica e físico-química, principalmente, necessários para o entendimento, síntese e caracterização dos agregados supramoleculares, e é distribuida em duas principais categorias: química hospedeiro-convidado e auto-montagem molecular.[2]
O Prêmio Nobel de Química de 2016 foi dado a Jean-Pierre Sauvage, Sir J. Fraser Stoddart e Bernard L. Feringa pelo “design e síntese de máquinas moleculares”, um feito importante para a química supramolecular.[3]
Introdução
editarPara se formar um agregado supramolecular deve haver um conjunto de fatores a ser cumprido, como haver sítios de ligação apropriados para uma molécula hospedeira se ligar com a convidada. Esses sítios são regiões da molécula com tamanho, geometria e função próprias para formação da interação.
História
editarO sistema supramolecular mais antigo conhecido é o enzima-substrato, muito estudado por Hermann Emil Fischer que desenvolveu o "modelo chave-fechadura" em 1894. Foi determinado que apenas certos tipos de substratos se ligam com enzimas específicas, tal como se enzimas atuassem como fechaduras e substratos como chaves: os substratos deveriam ter formato e tamanho exato para encaixar na fechadura. Esse modelo rígido, porém, não retratou com totalidade o sistema, pois as enzimas muitas vezes alteram sua conformação para agregar o substrato.[4]
As enzimas costumam ser muito maiores que os substratos que catalisam, tendo um determinado sítio ativo que possui funções específicas para formação de interações com o substrato. Estas interações alteram energeticamente a molécula e promovem a catálise da reação. Este sítio ativo apenas reconhece determinado(s) substrato(s) específico(s), o que justifica a seletividade das enzimas. Este também foi o primeiro caso de reconhecimento molecular, propriedade muito importante para a química supramolecular, e foi o início da química hospedeiro-convidado.
Interações Intermoleculares
editarAs interações que formam supermoléculas são de natureza não covalente, ou seja, mais fracas que estas, e deve haver complementaridade e cooperatividade entre moléculas hospedeira e convidada: ambas as moléculas devem possuir sítios de ligação complementares e que promovam uma estabilização energética maior unidos que separados. Devido a diminuição entrópica do sistema, para esta reação ser favorável termodinamicamente deve haver uma estabilização entálpica de forma a energia livre final ser negativa.[2]
Tipos de interações possíveis são:
- Íon-íon: interação eletrostática entre um cátion e um ânion, da ordem de 200~300kJ/mol;
- Íon-dipolo: interação eletrostática entre um íon e uma molécula com momento dipolar diferente de zero, da ordem de 50~200 kJ/mol;
- Ligações de hidrogênio: interação entre átomos muito eletronegativos e hidrogênio, da ordem de 4~120 kJ/mol;
- Dipolo-dipolo: interação entre duas moléculas com momento dipolar positivo, da ordem de 5~50 kJ/mol;
- Cátion-π: interação entre um cátion e um sistema π de uma molécula, da ordem de 5~80 kJ/mol;
- π-π: interação entre os sistemas π de duas moléculas, da ordem de 0~50 kJ/mol
- van der Waals: interações dispersivas, da ordem de <5 kJ/mol;
- efeitos solvofóbicos: interações relativas ao grau de solvatação com determinado solvente, com energia dependendo do sistema.
Um exemplo de interação com complementaridade e cooperatividade seria a interação de um ácido de Brønsted (doador de próton) com uma base de Brønsted (aceptora de próton), de forma a haver uma ligação de hidrogênio formada entre as moléculas.
Química hospedeiro-convidado
editarUm complexo hospedeiro-convidado para ser formado vai depender de diversos fatores intrínsecos a molécula hospedeira e convidada, tais como seus formatos, flexibilidade, grupos funcionais e sítios de ligação. O hospedeiro, por ser maior que o convidado, tende a alterar mais sua conformação para se ligar a outra molécula, e pode possuir mais de um sítio de ligação, podendo possuir diversos convidados em sua estrutura.
Molécula hospedeira
editarO hospedeiro pode ser uma molécula acíclica, chamada de podando, ou uma molécula macrocíclica. Podandos costumam ter ligações com maior liberdade de rotação e gerar confôrmeros de menor energia com a formação da ligação hospedeiro-convidado, enquanto para com macrociclos, com menor liberdade, a estabilização entálpica é menor, porém a reação de descomplexação também é favorecida para podands e estes não possuem uma afinidade intrínseca pelo convidado tão predominante quanto hospedeiros cíclicos. Logo hospedeiros acíclicos tendem a possuir menores constantes de ligação que cíclicos. A constante de ligação (K) é a constante que define o equilíbrio entre a formação e a destruição de complexos hospedeiro(H)-convidado(C), e é definida (para uma cinética 1:1) por:
Quando um hospedeiro pode interagir com mais de um convidado, pode haver cooperatividade entre os convidados, na qual a presença de uma espécie aumenta a afinidade do hospedeiro pela outra, ou competitividade, na qual a presença de uma diminui a afinidade do hospedeiro pela outra. Neste último caso a seletividade do hospedeiro por um convidado em detrimento do outro vai depender de fatores termodinâmicos, como a força de ligação entre eles e mudança conformacional, e cinéticos, como a energia de ativação das reações, e é definida por:
Um hospedeiro é chamado pré-organizado quando este não necessita de grande alteração conformacional para alocar o convidado. A pré-organização do hospedeiro aumenta a seletividade por determinado convidado e favorece a formação do complexo entrópica e entalpicamente, devido a baixa alteração conformacional e maior facilidade da ligação com os sítios já organizados na estrutura[6]. A este efeito se dá o nome de Efeito Macrocíclico.
Tipos de hospedeiros
editarAs moléculas hospedeiras podem ser classificadas quanto ao tipo de convidados que complexam.
Receptores de cátions
editarA formação de aglomerados contendo cátions metálicos, tais como Na+, K+, Mg2+, Ca2+, dentre outros, é de fundamental importância para o funcionamento de sistemas biológicos, uma vez que estes íons são transportados por diversas membranas através de proteínas que complexam esses metais com hospedeiros receptores de cátions e os transportam para dentro ou fora de determinada célula ou organela celular. A elucidação estrutural de uma proteína responsável por transportar K+ resultou no Prêmio Nobel de Química de 2003 a Roderick MacKinnon.
A síntese de éteres coroa, éter múltiplos cíclicos, e criptandos também promoveu a premiação de Charles J. Pedersen e Jean-Marie Lehn, juntamente a Donald Cram, com o Prêmio Nobel de Química 1987, sendo considerados os pais da química supramolecular. Esses éteres são altamente seletivos para com os cátions que complexam, dependendo do tamanho da cadeia do éter e do tamanho do íon. Por exemplo o éter de coroa com 6 unidades de éter, [18]coroa-6 é bastante seletivo para K+ (ilustrado na figura 2), enquanto o [21]coroa-7 é seletivo para Rb+ e Cs+. Outros éteres semelhantes ao de coroa, porém com uma ramificação acíclica longa, também são capazes de ligar cátions e são chamados de éteres lariatos. Outras moléculas capazes de formar complexos hospedeiros-convidado com cátions são esferandos, hemisferandos, heterocoroas e heterocriptandos.
Receptores de ânions
editarA aglomeração com ânions é um processo mais complexos que para com cátions, pois ânions podem vir com diferentes formas e tamanhos, tem maiores energias de solvatação dependem do pH e passam por competição para se ligarem ao hospedeiro. Para facilitar o processo pode-se usar de hospedeiros com cargas positivas ou funcionalizados com ácidos de Lewis, uma vez que a maior parte dos ânions são bases de Lewis, favorecendo a interação entre as moléculas.
Diversos tipos de hospedeiros cíclicos e acíclicos podem ser utilizados como receptores de ânions, sendo alguns exemplos calixpirróis, porfirinas funcionalizadas, catenanos e anticoroas.
Receptores de cátions e ânions
editarNeste caso o convidado vem acompanhado de um contra-íon que pode competir com a outra espécie a ser complexada. Desta forma tende-se a utilizar de contra-íon não competitivos, como íons grandes como tetraalquilamônios (cátions) ou tetraarilboratos (ânions), porém o convidado nem sempre interage bem com estes para formação de compostos isoláveis, de forma que a formação deste tipo de hospedeiro-convidado é bastante empírica.
Pode haver a recepção primeiramente de um íon (geralmente o cátion) com posterior recepção do outro (geralmente o ânion), estes hospedeiros são chamados de receptores em cascata. Receptores ditópicos exibem comportamento cooperativo entre os íons a ser aglomerados.E receptores zwitteriônicos são capazes de aglomerar zwitteríons.
Receptores de moléculas neutras
editarReceptores para moléculas neutras devem possuir sítios de ligação fortes, pois nestes complexos hospedeiro-convidado as interações entre as moléculas são mais fracas que nos outros casos, envolvendo cargas. Moléculas capazes deste tipo de recepção são:os cavitandos, que possuem uma cavidade funcionalizada; ciclofanos, que formam estruturas tipo cadeias para moléculas; ciclodextrinas, oligossacarídeos cíclicos com superfície externa hidrofílica e cavidade hidrofóbica.
Auto-montagem molecular
editarA auto-montagem é a associação espontânea e reversível de duas ou mais moléculas ou íons para formar agregados supramoleculares, maiores e mais complexos, de acordo com as informações intrínsecas às moléculas reagentes. Um exemplo de auto-montagem bem conhecido é a formação da dupla-hélice do DNA, na qual componentes das duas fitas antiparalelas interagem formando ligações de hidrogênio organizadas e seletivas. Estratégias sintéticas baseadas na auto-montagem exploram moléculas com funções químicas complementares e com boa previsibilidade estereoquímica; como por exemplo a utilização de metais e ligantes coordenantes, cuja coordenação do metal será tetraédrico, quadrado planar ou octaédrico. Outro exemplo de processo de auto-montagem direcionado é a formação de ligações de hidrogênio, principalmente quando há formação de múltiplas ligações.
O processo de auto-montagem é rápido e reversível, logo, quando constituído de múltiplas etapas e componentes, caso haja a formação de algum determinado subproduto a parte do mais termodinamicamente favorável, este pode retornar ao estado anterior e seguir a rota reacional na direção do produto mais favorável. Pode-se dizer que a auto-montagem molecular é termodinamicamente seletiva. Estas etapas que compõem o processo geral formam pequenos agregados menores, cineticamente mais favoráveis, que atuam como blocos de construção para formação do agregado final (é devido a este tipo de comportamento que constantemente observam-se comparações entre a química supramolecular e blocos de LEGOTM, utilizadas de forma didática). Interação mais fortes e/ou direcionais são formadas inicialmente, de forma que interações mais fracas e/ou estereodependentes são formadas posteriormente; esse fenômeno é chamado de Montagem Hierárquica.
O processo pode ser modificado de forma a ser facilitado energeticamente e/ou direcionado em uma determinada direção, através da utilização de etapas irreversíveis ou se utilizar de uma molécula molde para facilitar a formação do agregado. São formas de auto-montagem modificada:
- Auto-montagem direcionada: consiste da utilização de um molde, que pode ser uma molécula ou íon que direcione a auto-montagem do agregado, o qual pode, ou não, ser retirado da estrutura posteriormente;
- Auto-montagem pós-modificada: consiste da alteração de moléculas do aglomerado após ele ter sido formado, tal como a formação de ligações covalentes;
- Auto-montagem irreversível: consiste do processo no qual o agregado final não consegue reverter a etapas anteriores no equilíbrio sem haver a quebra de ligações covalentes;
- Auto-montagem assistida: consiste do processo na qual uma determinada espécie ajuda na formação do aglomerado, porém não o compõem, tal como processo se o processo fosse catalisado;
- Auto-montagem com modificação do precursor: consiste do controle da reação de auto-montagem através de modificação na estrutura de alguma molécula reagente, enquanto não houver a modificação, a reação não ocorre.
São muito encontrados em sistema biológicos exemplo de fenômenos de auto-montagem. Proteínas são cadeias de aminoácidos que se enovelam de forma a possuírem estruturas complexas e determinantes a sua atuação, sendo este processo de enovelamento um exemplo de auto-montagem, que pode ser auxiliado através da atuação de determinadas enzimas.
São exemplos de moléculas formadas por auto-montagem helicatos, rotaxanos, catenanos e nós moleculares.
Aplicações
editarA química supramolecular tem sido usada atualmente no desenvolvimento de novos materiais inteligentes em nanoescala e novas rotas sintéticas para estes. Com isso novos catalisadores inteligentes e nanoreatores, tais como micelas e dendrimeros, tem sido desenvolvidos explorando propriedades de reconhecimento molecular e auto-montagem molecular.[8]
A medicina tem sido favorecida também com a química supramolecular, pois além desta ajudar no entendimento de processos bioquímicos, novos fármacos e biomateriais tem sido criados se utilizando da aglomeração de peptídeos e outras macromoléculas, e química hospedeiro-convidado.[9]
Um dos maiores feitos da química supramolecular tem sido a criação de máquinas moleculas, trabalho pelo qual Jean-Pierre Sauvage, Sir J. Fraser Stoddart e Bernard L. Feringa receberam o Prêmio Nobel de Química de 2016.[3] Estas máquinas em nanoescala possuem as mais diversas funcionalidades, desde nanoengrenagens e nanotransportadores a armazenadores de informação em escala molecular e nanomotores. É um campo vasto e com muito a ser explorado que atrai cada vez mais químicos.
Referências
- ↑ Hasenknopf, B.; Lehn, J. M.; Kneisel, B. O.; Baum, G.; Fenske, D. (1996). «Self-Assembly of a Circular Double Helicate». Angewandte Chemie Internacional Edition in English. 35 (16): 1839-1840. doi:10.1002/anie.199618381
- ↑ a b Steed, J. W.; Turner, D. R.; Wallace, K. J. (2007). Core Concepts in Supramolecular Chemistry and Nanochemistry. [S.l.]: Wiley. ISBN 978-0-470-85866-0
- ↑ a b «The Nobel Prize in Chemistry 2016». Nobelprize.org. Consultado em 9 de janeiro de 2017
- ↑ Nelson, D. L.; Cox, M. M. (2000). Lehninger Principles of Biochemistry. New York: W.H. FREEMAN AND COMPANY. ISBN 85-7378-125-4
- ↑ Freeman, W. A. (1 de agosto de 1984). «Structures of thep-xylylenediammonium chloride and calcium hydrogensulfate adducts of the cavitand 'cucurbituril', C36H36N24O12». Acta Crystallographica Section B Structural Science (em inglês). 40 (4): 382–387. ISSN 0108-7681. doi:10.1107/s0108768184002354
- ↑ Cram, D.J. (1986). «Preorganization - from solvents to spherands». Angew. Chem. (25): 1039-1134
- ↑ Anelli, Pier Lucio; Spencer, Neil; Stoddart, J. Fraser (1 de junho de 1991). «A molecular shuttle». Journal of the American Chemical Society. 113 (13): 5131–5133. ISSN 0002-7863. doi:10.1021/ja00013a096
- ↑ Gale, P.A.; Steed, J.W. (2012). Supramolecular Chemistry: From Molecules to Nanomaterials. [S.l.]: Wiley. ISBN 987-0-470-74640-0 Verifique
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(ajuda) - ↑ Webber, Matthew J.; Appel, Eric A.; Meijer, E. W.; Langer, Robert. «Supramolecular biomaterials». Nature Materials. 15 (1): 13–26. doi:10.1038/nmat4474