O Cerco de Chandax foi a peça central da campanha do Império Bizantino para recuperar a ilha de Creta, enquanto desde a década de 820 foi governada por árabes muçulmanos. A campanha foi a última numa série de tentativas falhas para reclamar a ilha dos muçulmanos que começaram desde 827, alguns anos após a conquista inicial da ilha pelos árabes, e foi liderada pelo general e futuro imperador Nicéforo Focas. Durou do outono de 960 até a primavera de 961, quando o principal forte e capital da ilha, Chandax (atual Heraclião) foi capturada. A reconquista de Creta foi a principal realização dos bizantinos, pois restaurou o controle sobre o litoral egeu e diminuiu a ameaça dos piratas sarracenos, pelo que Creta forneceu a base de operações.

Cerco de Chandax
Guerras bizantino-árabes

Cerco de Chandax segundo iluminura do Escilitzes de Madri
Data 960-6 de março de 961
Local Chandax, Creta
Coordenadas 35° 20' N 25° 08' E
Mudanças territoriais Reconquista de Creta pelos bizantinos
Beligerantes
Império Bizantino   Emirado de Creta
Comandantes
Império Bizantino Nicéforo Pastilas
Império Bizantino Nicéforo Focas
  Abdalazize
  Anemas
  Caramuntes
Forças
50 000 homens
27 000 remadores
308 transportadores
Guarnição de Chandax
40 000 (força de alívio)
Chandax está localizado em: Grécia
Chandax
Localização de Chandax no que é hoje a Grécia

Antecedentes: Creta sob domínio muçulmano

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A ilha de Creta foi conquistada no final da década de 820 por uma grande força de exilados da Hispânia muçulmana. Nos anos após o desembarque inicial, o Império Bizantino lançou repetidas expedições para recuperar a ilha, mas elas foram derrotadas. Os árabes estabeleceram base em Chandax na costa norte, que tornou-se capital do Emirado de Creta.[1][2] A ocupação teve consequências devastadoras ao Império Bizantino, pois abriu sua base naval, o Egeu, aos raides das frotas muçulmanas,[3][4] tanto dos sarracenos cretenses,[5] como do Levante, que usou Creta como base às expedições ou parada, como visto durante o saque de Salonica por Leão de Trípoli em 904, quando muitos dos mais de 20 000 cativos salonicenses foram vendidos ou dados como escravos em Creta.[6][7]

A primeira grande tentativa dos bizantinos para reclamar a ilha foi em 842/843, sob Teoctisto. Isso deu certo, e aparentemente permitiu o restabelecimento das partes recuperadas da ilha como um tema, como evidente pela pesença de um estratego de Creta no contemporâneo Taktikon Uspensky. Contudo, Teoctisto abandonou a campanha, e as tropas deixaras para trás foram rapidamente derrotados pelos sarracenos.[8][9] Na primavera de 866, o regente Bardas quis lançar campanha para recuperar Creta, mas foi morto às vésperas de sua partida.[10] Outras tentativas bizantinas ocorreram em 911 (177 navios sob o almirante Himério) e 949 (128 navios sob Constantino Gongila) falharam desastrosamente, apesar de grande recursos e forças reunidas. [11][12] Segundo Christos Makrypoulias, apesar de sua frequente preparação meticulosa, as expedições bizantinas contra Creta falharam devido aos suprimentos restritos e a estratégia de atrito seguida pelos sarracenos cretenses. O sucesso ou falha em controlar Creta finalmente dependia do controle de Chandax, que deixou os bizantinos em posição precária por ter que manter um cerco por longos períodos longe de suas bases de suprimento. Seguros atrás das muralhas de Chandax, os sarracenos podia esperar até seus oponentes ficarem enfraquecidos o suficientes para lançar um contra-ataque devastador.[13]

Determinado a vingar-se pelo desastre de 949, perto do fim de seu reinado Constantino VII (r. 913–959), começou preparativos para recuperar a ilha. Com sua morte em 959, a missão recaiu nas mãos de seu filho e sucessor, Romano II (r. 959–963). Com o apoio e incitação de seu ministro-chefe, José Bringas, Romano nomeou como doméstico das escolas oriental Nicéforo Focas, um soldado capaz e veterano distinto das guerras contra os muçulmano na Ásia Menor Oriental, como comandante-em-chefe da expedição.[14] Focas mobilizou o exército da Ásia menor,[15] e reuniu uma força de 50 000 homens, 27 000 remadores e 308 transportadores ao sul do Éfeso.[16] Essa expedição foi muito maior que a anterior devido a estabilidade interna relativa trazida pelas vitórias recentes na fronteira oriental e a longeva paz com os búlgaros.[17] Segundo Leão, o Diácono, a frota compreendia muitos drómones equipados com fogo grego.[15]

Fontes históricas

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Estudiosos modernos contam principalmente com três fontes quase contemporâneas aos eventos que circundam a conquista bizantina de Creta: a história de Leão, o Diácono, o poema A Captura de Creta de Teodósio, o Diácono, e a continuação da crônica de Simeão, o Logóteta. O de outro modo desconhecido Teodósio, o Diácono escreveu seu poema em 961/962, como um panegírico à recaptura da ilha, e apresentou-o a Nicéforo Focas pouco antes de sua subida ao trono imperial em 963.[18][19] Leão, o Diácono, que nasceu ca. 950, concluiu sua história depois e 992, e é a principal fonte bizantina ao período de 959–975, incluindo muitas anedotas e testemunhas oculares. Embora logo esquecido entre os bizantinos, serviu como fonte dos historiadores posteriores como João Escilitzes e João Zonaras. Os primeiros dois capítulos de sua obra lidam com a reconquista de Creta.[20][21] Simeão, o Logóteta escreveu durante o reinado de Nicéforo (r. 963–969), e é talvez associado ao Simeão, o Metafrasta ou com outro Simeão que manteve uma sucessão de ofícios sob Focas e João I Tzimisces (r. 969–976). Sua obra abrange até 948, e a continuação possivelmente escrita por Simeão, chega a 963. Ela não sobreviveu em sua forma original, mas em duas variações: uma como o sexto e último livro de Teófanes Continuado, que lida com os reinados de Constantino VII e Romano II até a primavera de 961, e uma versão sumarizada que chega até 962, como parte da crônica de Pseudo-Simeão.[22] Contudo, como o historiador Anthony Kaldellis aponta, grande parte do registro de Simeão, que os estudiosos modernos usam, é levantada, muitas vezes quase textualmente, do registro similar de Procópio de Cesareia sobre a expedição de Belisário contra o Reino Vândalo.[23]

Desembarque em Creta e primeiros conflitos

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Usando rampas, a força expedicionária rapidamente desembarcou em boa ordem.[24] Teófanes Continuado e Teodósio, o Diácono relata que os bizantinos enfrentaram nenhuma resistência ao desembarcar,[25] mas Leão, o Diácono relata que os sarracenos estavam esperando o desembarque bizantino equipado para a batalha. Nicéforo rapidamente reuniu suas tropas na típica formação de batalha bizantina em três seções, e atacou o exército sarraceno. Os sarracenos quebraram com o ataque bizantino, e viraram-se para fugir às fortificações de Chandax, sofrendo muitas baixas.[26] Leão, o Diácono descreve a cidade como estando fortemente fortificada natural e artificialmente:[27]

Por um lado tinha como mar como defesa certa, e por outro estava sobre uma rocha elevada e quase plana, sobre a qual as muralhas foram estabelecidas, e sua construção era nova e incomum. Pois foi construído de terra, cabras e pelo de porco, misturados e comprimidos completamente; e ela era larga o suficiente de modo que dois vagões pudessem facilmente fazer um circuito em cima das muralhas e passar um pelo outro, e ela era bastante alta e, além disso, dois fossos extremamente largos e profundos foram escavados ao redor.
 
História de Leão, o Diácono, I.5.

Do relato de Leão e Teodósio parece que Nicéforo inicialmente esperou capturar Chandax num ataque violento, mas quando falhou, montou um longo cerco,[28] construindo um campo fortificado em frente a Chandax, e colocou sua frota numa ancoragem segura próxima com ordens para bloquear a cidade e destruir quaisquer navios que podiam tentar deixá-la.[29] Segundo Leão, Focas tentou instruir Nicéforo Pastilas, o estratego do Tema Tracesiano e um distinto veterano das guerras contra os árabes no Oriente, para tomar uma "coorte de homens selecionados" e fazer um raide no campo cretense para explorar a situação e reunir suprimentos. Percebendo que campo parecia estar relativamente seguro, Pastilas e seus homens vagavam descuidadamente, entregando-se a comida e vinho. Os muçulmanos, que estava cuidadosamente escondidos e observavam seu progresso das alturas, viram essa como uma oportunidade excelente, e reuniram-se para a batalha. Leão mantém que embora bêbado, os bizantinos lutaram bem, até Pastilas cair após ser ferido por várias flechas. Então a disciplina bizantina colapsou, e eles foram derrotados, com apenas alguns homens sobrevivendo para relatar o desastre para Focas.[30]

Cerco de Chandax

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Ao ouvir as notícias desse batalhão massacrado, Focas resolveu mover-se rapidamente e estabelecer um firme cerco da cidade. Ele inspecionou a muralha da cidade e percebeu ser extremamente forte. Como resultado, ordenou seus homens a começarem uma circunvalação de costa a costa em frente ao lado terrestre da muralha da cidade.[31] Contudo, a fortuna de Pastilas também demonstrou para Focas que ele teria que assegurar sua retaguarda antes de focar no cerco.[32] Ele selecionou um pequeno grupo de jovens soldados e liderou-se para fora do campo à noite em segredo. os bizantinos levaram alguns prisioneiros, dos quais souberam que uma força de alívio, compreendendo 40 000 homens, estava se reunindo numa colina próxima para atacar seu campo. Focas permitiu que seus homens descansassem durante o dia seguinte, e apenas partiu quando a noite caiu, guiando os locais (provavelmente cristãos nativos). Rápida e silenciosamente, seus homens cercaram o acampamento árabe. Focas ordenou que trompetes ecoassem e atacou os árabes. Tomados de surpresa, não pensaram em resistir, mas tentaram fugir apenas para correr em direção a outras tropas bizantinas.[33]

O exército de alívio árabe foi aniquilado, e Focas instruiu seus homens para cortar as cabeças dos caídos e levá-los com eles enquanto retornava a sua base, mas novamente só se movendo durante a noite. No dia seguinte, empalou algumas das cabeças próximo as muralhas e atirou outras com catapultas na cidade. A visão causou grande consternação e lamentação entre os habitantes, que viram seus parentes e amigos morrerem; mas eles permaneceram determinados a resistir e repeliram um ataque liderado por Focas pouco depois.[34] Focas usou arqueiros e projéteis contra os defensores enquanto tentava escalar a muralha usando escadas. A fortaleza se manteve sob a pressão dos bombardeios e as escadas foram quebradas. Focas logo desistiu do cerco. Ele então decidiu bloquear a cidade durante o inverno enquanto seus engenheiros começaram a projetar e construir máquinas de cerco melhores.[35]

Foi nesse ponto que o emir de Creta, Abdalazize ibne Xuaibe pediram ajuda para muitos dos líderes muçulmanos, mais notadamente ao califa fatímida Almuiz Aldim Alá (r. 953–975), mas eles se recusaram.[36] O segundo assalto a Chandax ocorreu em março de 961. Dessa vez os bizantinos usaram armas de cerco mais ofensivas, mas ainda foram incapazes de ganhar um ponto de apoio na cidade. No meio tempo, os muçulmanos ficaram fora do alcance dos arqueiros gregos para que ainda pudessem cuidar das muralhas sem ser aniquilados pelos bombardeios.[35] Focas logo usou o uso de aríetes nas muralhas, mas isso foi um subterfúgio. Enquanto os muçulmanos estava focando nos aríetes, mineiros cavaram embaixo das muralhas e colocaram explosivos e materiais inflamáveis sobre os pontos baixos. Logo, conseguiram destruir boa parte da muralha, onde o exército bizantino começou a entrar na cidade. Os defensores rapidamente formaram uma linha dentro da cidade, mas era muito tarde. Os muçulmanos foram logo repelidos e fugiram para dentro das ruas.[37] Os soldados receberam os tradicionais três dias para saquear antes do exército partir.[38]

Rescaldo

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Com a captura de Chandax, o resto de Creta rapidamente capitulou e a ilha voltou a ser uma província, e um esforço de longa data foi feito para recristianizar a ilha.[38] A ilha foi organizada como tema regular, com o estratego baseado em Chandax. Esforços extensivos à conversão da população foram realizados, liderados por João Xeno e Nicão.[3][39] Por ficar na entrada sul do mar Egeu, a conquista de Creta foi especialmente benéfica aos bizantinos devido a sua posição estratégica com a finalidade de lançar ataques na costa no norte da África, um esforço freqüentemente explorado pelo Emirado de Creta, que embarcou em raides devastadores nas ilhas egeias vizinhas.[40]

Referências

  1. Makrypoulias 2000, p. 347–350.
  2. Canard 1986, p. 1082–1083.
  3. a b Gregory 1991, p. 545–546.
  4. Makrypoulias 2000, p. 347, 357ff..
  5. Christides 1981, p. 76–111.
  6. Canard 1986, p. 1084.
  7. Treadgold 1997, p. 467.
  8. Makrypoulias 2000, p. 351.
  9. Treadgold 1997, p. 447.
  10. Treadgold 1997, p. 453.
  11. Makrypoulias 2000, p. 352–356.
  12. Treadgold 1997, p. 470, 489.
  13. Makrypoulias 2000, p. 359–361.
  14. Treadgold 1997, p. 493–495.
  15. a b Talbot 2005, p. 60.
  16. Kaldellis 2017, p. 35.
  17. Kaldellis 2017, p. 34.
  18. Kaldellis 2015, p. 302–303.
  19. Kazhdan 1991, p. 2053.
  20. Kaldellis 2015, p. 303.
  21. Krumbacher 1897, p. 267.
  22. Kaldellis 2015, p. 303–304.
  23. Kaldellis 2015, p. 304–308.
  24. Talbot 2005, p. 61.
  25. Christides 1981, p. 177.
  26. Talbot 2005, p. 61–62.
  27. Talbot 2005, p. 64.
  28. Talbot 2005, p. 62 (nota 47).
  29. Talbot 2005, p. 62.
  30. Talbot 2005, p. 62–63.
  31. Talbot 2005, p. 64–65.
  32. Romane 2015, p. 4.
  33. Talbot 2005, p. 66–67.
  34. Talbot 2005, p. 67–68.
  35. a b Romane 2015, p. 5.
  36. Kaldellis 2017, p. 36.
  37. Romane 2015, p. 6.
  38. a b Kaldellis 2017, p. 37.
  39. Treadgold 1997, p. 495.
  40. Romane 2015, p. 1.

Bibliografia

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  • Christides, Vassilios (1981). «The Raids of the Moslems of Crete in the Aegean Sea: Piracy and Conquest». Fondation Byzantine. Byzantion (em inglês): 76–111 
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  • Kazhdan, Alexander (1991). «Theodosios the Deacon». The Oxford Dictionary of Byzantium. Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press. ISBN 0-19-504652-8 
  • Krumbacher, Karl (1897). Geschichte der byzantinischen Literatur von Justinian bis zum Ende des oströmischen Reiches (527-1453). Munique: C.H. Beck'sche Verlagsbuchhandlung 
  • Makrypoulias, Christos G (2000). «Byzantine Expeditions against the Emirate of Crete c. 825–949». Nicósia: Archbishop Makarios III Cultural Centre. Graeco-Arabica (em inglês). 7–8: 347–362 
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