Ricardo Reis
Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos quatro heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Nasceu no Porto, estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente desde 1919, indo viver no Brasil. Era latinista por formação clássica e semi-helenista por autodidactismo. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto José Saramago faz uma intervenção sobre o assunto em seu livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, situando a morte de Reis em 1936.
Biografia
editarNascido no Porto, no dia 19 de setembro de 1887. Recebeu uma forte educação clássica num colégio de jesuítas e formou-se em Medicina, profissão que não exercia. Viveu no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico, na sequência da derrota da rebelião monárquica da Monarquia do Norte contra o regime republicano. É um latinista por educação, e um semi-helenista por educação própria.
Obra
editarAs primeiras obras foram publicadas em 1924, na revista Athena, fundada por Fernando Pessoa. Mais tarde foram publicados oito odes, entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. Os restantes poemas e prosas são de publicação póstuma.
Temas
editarReis, um dos dois discípulos de Alberto Caeiro, admira a serenidade e a calma com que este encara a vida[1], por isso, inspirado pela clareza, pelo equilíbrio e ordem do seu espírito clássico greco-latino, procura atingir a paz e o equilíbrio sem sofrer, através da autodisciplina e das seguintes doutrinas gregas:
Doutrina baseada num ideal de sabedoria que "busca a tranquilidade" da alma através das seguintes regras:
- Não temer a morte - Levando o poeta ao Fatalismo - tendo a morte como única certeza na vida.
- Procurar os simples prazeres da vida em todos os sentidos, sem preocupações com o futuro (carpe diem), mas sem excessos - Deste modo aprende a viver cada instante como se fosse o último; e faz da vida simples campestre um ideal (aurea mediocritas);
- Fugir à dor - Como defesa contra o sofrimento, sobrepõe a razão sobre a emoção;
Doutrina que tem como ideal ético a "apatia" - ausência de envolvimento emocional excessivo que permite a liberdade – , e que propõe as seguintes regras para alcançar a felicidade (relativa, pois não pretende um estado de alegria mas sim de um contentamento inconsciente):
- Dominar as paixões – Suscita uma atitude de indiferença; Recusa o amor para nado, uma vez que tudo na vida tem um fim;
- Aceitar a ordem universal das coisas, incluindo a morte - Revela a faceta conformista, considerando a vida como efémera, um fluir para a morte e essa consciência não lhe gera nem angústia nem revolta.
Porém, Reis "admite a limitação e a fatalidade desta condição humana", e pretende chegar à morte de mãos vazias de modo a não ter nada a perder; e inspirado na mitologia clássica, considera a vida como uma viagem cujo fluir e fim é inevitável e por este motivo Ricardo Reis é o poeta mais aristocrático de todos os tempos.
Estilo
editarPoesia com muitas alusões mitológicas, com uma linguagem culta e precisa, sem qualquer espontaneidade. Estilo neoclássico influenciado pelo poeta latino Horácio. Uso de um vocábulo culto e alatinado com principal recurso ao hipérbato. Emprego do gerúndio e do imperativo (ou conjuntivo com valor de imperativo) com carácter exortativo, ao serviço do tom sentencioso e do carácter moralista presentes nos seus poemas.
Quadro-Síntese
editarAspectos temáticos | Aspectos formais | |
---|---|---|
Harmonia entre o epicurismo e o estoicismo; | Uso de vocabulário erudito e preciso; | |
Autodisciplina, renunciando às fortes emoções; | Recurso a arcaísmos; | |
Procura da ataraxia; | Formas estróficas e métricas de influência clássica – Ode. | |
Renúncia da vida através da recusa do amor e da consciência da inutilidade do esforço de mudança; | Influência latina através da anástrofe e do hipérbato; | |
Elogio do carpe diem; | Predomínio da subordinação; | |
Elogio da vida campestre (aurea mediocritas); | Uso frequente de advérbios de modo; | |
Fatalismo – o destino é força superior ao homem; | Recurso ao gerúndio; | |
Aceitação calma do destino; | Uso do imperativo como manifestação de atitude filosófica; | |
Obsessão da efemeridade da vida; | Diálogo permanente com um "tu" – coloquialidade. | |
Consciência da fugacidade do tempo; | ||
Aparente tranquilidade, na qual se reconhece a angústia existencial do ortónimo; | ||
Neopaganismo – os deuses também estão sujeitos ao Fado e alusões mitológicas; | ||
Intenção didáctica dos seus versos; | ||
Elogio à carência das ideias dogmáticas e filosóficas como meio de manter-se puro e tranquilo; |
Excertos de algumas das suas obras
editar- "Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
- Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
- Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
- Ouvindo correr o rio e vendo-o." (1914)
- "Ah! sob as sombras que sem querer nos amam,
- Com um púcaro de vinho
- Ao lado, e atentos só à inútil faina
- Do jogo do xadrez" (1916)
Outros heterónimos
editarVer também
editar- Fernando Pessoa
- Paganismo
- Antiguidade clássica
- O Ano da Morte de Ricardo Reis, romance de José Saramago
Referências
Bibliografia
editar- Pessoa, Fernando (1996). Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. [S.l.]: Ática
- Lopes, Teresa Rita (1990). Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa. [S.l.]: Estampa
- Coelho, Jacinto do Prado (1998). Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. [S.l.]: Verbo. ISBN 9789722203296
Leituras Adicionais
editar- Saramago, José (1984). O Ano da Morte de Ricardo Reis. [S.l.]: Caminho
Ligações externas
editar- Casa Fernando Pessoa
- Multipessoa
- Biografia de Fernando Pessoa em "Vidas Lusófonas"
- Instituto Camões
- Pessoa revisitado
- Ricardo Reis revisitado pelos contemporâneos (intertextualidade)
- O Major Reformado
- TriploV: Fernando Pessoa, ensaios vários
- Fernando Pessoa - Obra poética
- «À Distância de Um Horizonte» - Análise das Odes de Ricardo Reis (PDF grátis)[ligação inativa]