Se Eu Fosse Ladrão, Roubava
Se Eu Fosse Ladrão... Roubava é um filme híbrido de docuficção português de 2013, realizado e produzido por Paulo Rocha a partir de um argumento de Rocha, Regina Guimarães e João Viana.[3] A longa-metragem retrata fragmentos da memória do realizador acerca das suas origens, servindo de referência às cenas dos seus vários filmes que se intercalam na narrativa.[4] O elenco conta com a presença de dois intérpretes regulares no cinema do cineasta: Isabel Ruth e Luís Miguel Cintra.[5]
Se Eu Fosse Ladrão... Roubava | |
---|---|
Título internacional | If I Were a Thief... I'd Steal |
![]() 2013 • cor • 87 min | |
Género | docuficção drama |
Direção | Paulo Rocha |
Produção | Paulo Rocha |
Roteiro | Paulo Rocha Regina Guimarães João Viana |
Elenco | Isabel Ruth Luís Miguel Cintra Chandra Malatitch |
Cinematografia | Acácio de Almeida |
Figurino | Acácio Carvalho |
Edição | Edgar Feldman |
Distribuição | Midas Filmes |
Lançamento | ![]() ![]() |
Idioma | português |
Orçamento | 600 000 €[1] |
Receita | 2 339,20 €[2] |
A longa-metragem foi selecionada para o Festival Internacional de Locarno, onde estreou a 14 de agosto de 2013, nove meses após o falecimento de Paulo Rocha.[6] Se Eu Fosse Ladrão... Roubava foi lançado comercialmente em Portugal a 14 de maio de 2015,[7] nos cinemas Ideal (Lisboa) e UCI Arrábida (Vila Nova de Gaia).[8]
Sinopse
editarPaulo Rocha revisita a infância e juventude do seu pai, personificado no personagem Vitalino. Em 1909, é ainda um pequeno agricultor na localidade do Douro de São Vicente, perturbado pelo momento em que vê o seu próprio pai ser vitimado pela peste.[9]
Quando, já nos anos 20, se torna o responsável máximo pela família, o jovem Vitalino não consegue deixar de sonhar obsessivamente com a possibilidade de emigrar para o Brasil.[10] Finalmente parte para o país, deixando a casa ao cuidado das irmãs. Na despedida da sua terra natal, o jovem não perde a determinação ou desejo de recomeçar a sua vida num local com mais oportunidades. O tema familiar cruza-se e une-se com a matéria dos filmes de Rocha, levando-o a refletir acerca das circunstâncias da sua própria partida (da doença e do medo).[11]
Elenco
editar- Isabel Ruth, como Mãe de Vitalino.[12]
- Luís Miguel Cintra, como Pai de Vitalino.
- Chandra Malatitch, como Vitalino;
- André Correia (Vitalino em criança);
- Manuel Manso (Voz de Vitalino em criança).
- Joana Bárcia, como Carmo.
- Carla Chambel, como Violante.
- Raquel Dias, como Aninhas.
- Márcia Breia, como Tia das Presas.
- João Cardoso, como Zé dos Ouros.
- João Pedro Vaz, como Oficial.
- Miguel Moreira, como Jacinto.
- Nuno Loureiro, como Irmão de Vitalino.[13]
- Norberto Barroca.
Equipa técnica
editar- Realização e produção: Paulo Rocha.[14]
- Argumento: Regina Guimarães, Paulo Rocha e João Carlos Viana.
- Direção de fotografia: Acácio de Almeida.[15]
- Figurinos: Manuela Bronze.
- Direção de produção: António Gonçalo.
- Som: Olivier Blanc.
- Montagem de som e mistura: Nuno Carvalho.
- Montagem: Edgar Feldman.[16]
Produção
editarInicialmente intitulado Olhos Vermelhos, o projeto nasce de uma ideia de Paulo Rocha, que convidou a cineasta Regina Guimarães para desenvolver o argumento original.[17] O título final é retirado da cantilena "Se fosse ladrão roubava / roubava aquela menina...", cantada em O Rio do Ouro.[18]
O filme foi gravado em 2011, em Ovar, local de residência do realizador, de modo a poder facilitar a produção, uma vez que as sequelas de acidente vascular cerebral de Rocha o condicionavam a deslocar-se em cadeira de rodas. Cintra, um dos colaboradores frequentes do cineasta filmou apenas durante um dia, uma experiência que descreveu de "comovente".[19]
Temas e estética
editarA longa-metragem não apresenta uma narrativa linear, algo que se começou a tornar frequente no cinema de Paulo Rocha a partir de Mudar de Vida. As sequências autobiográficas que acompanham a vida de Vitalino (o cineasta filma-se a partir desta versão do seu próprio pai) abrem caminho para inserirem-se sequências de todos os seus filmes (com exceção de O Desejado ou As Montanhas da Lua), bem como referências literárias (como o escritor Wenceslau de Moraes e o poeta Camilo Pessanha) e até para momentos de bastidores.[10] Nesta obra, Rocha parece querer definir-se, oferecendo um enquadramento de obra e artista, de modo a que: a sua infância corresponda A Pousada das Chagas; a adolescência a Mudar de Vida; o seu período no estrangeiro a A Ilha dos Amores e; o final de vida corresponda à morte de Ilda em Os Verdes Anos, personagem a quem é dado enterro na sequência final de Se Eu Fosse Ladrão… Roubava.[20]
Se Eu Fosse Ladrão... Roubava junta-se a outros filmes-testamento, como Le Testament d'Orphée (Jean Cocteau), Offret (Andrei Tarkovski), The Dead (John Huston), La Voce della Luna (Federico Fellini) e Madadayo (Akira Kurosawa). Ainda assim, Paulo Rocha aplica uma abordagem própria: não é de ensaio, resumo ou best of, mas uma remontagem e recontextualização inédita de cenas já celebradas.[21] Este método de colagem é reminiscente das técnicas de Amadeo de Souza Cardoso, artista acerca de quem Rocha criou a obra Máscara de Aço contra Abismo Azul, e com quem partilha o método de fusão de uma inspiração na cultura universal na cultura popular portuguesa.[10] Evidência da omnisciência do tradicional português está nas várias cenas de baile, uma constante ao longo de Se Eu Fosse Ladrão... Roubava, e que servem frequentemente de elo de ligação entre os fragmentos da obra do cineasta.[22]
Jorge Silva Melo, autor do texto que acompanha a divulgação oficial da longa-metragem a nível internacional, defende que Paulo Rocha não faz um retrato piedoso de si ou dos seus, pelo modo como convoca a participação de colaboradores frequentes e monta as suas cenas tornando evidente o envelhecimento dos corpos e a iminência da morte.[23] Esta reflexão transparece, por exemplo, no uso de cores mórbidas, focagem e no chiaroscuro na cena da morte do pai de Vitalino.[20] Ainda que tenha uma abordagem autobiográfica, Rocha não individualiza em demasia esta reflexão, ampliando-a a um olhar acerca da cultura e identidade de Portugal, e sobre como o medo corrói estas vertentes do país.[9]
Distribuição
editarAntes de falecer Paulo Rocha deixou Se Eu Fosse Ladrão... Roubava completo e estava em processo de digitalização e restauro das suas duas primeiras longa-metragens: Os Verdes Anos e Mudar de Vida.[24] O realizador deixou, em testamento, toda a sua obra e património cinematográfico à Cinemateca Portuguesa e manifestou o desejo que Se Eu Fosse Ladrão... Roubava fosse exibido no Festival Internacional de Cinema de Locarno, dada a importância do mesmo no início da sua carreira.[25] Tal veio a suceder-se e o filme estreou a 14 de agosto de 2013 no Festival, numa secção fora de competição.[26] Paralelamente, a Cinemateca Portuguesa realizou uma mesa redonda para debater o cinema de Rocha, com a participação da atriz Isabel Ruth, do realizador Pedro Costa, do subdiretor do Museu do Cinema José Manuel Costa, e do crítico Roberto Turigliatto.[27]
Se Eu Fosse Ladrão... Roubava teve a sua ante-estreia portuguesa a 31 de janeiro de 2014, numa sessão na Cinemateca Portuguesa com a presença de Isabel Ruth, Luís Miguel Cintra, Márcia Breia, Regina Guimarães, Acácio de Almeida e Edgar Feldman.[28] A longa-metragem foi lançada comercialmente em Portugal apenas no ano seguinte, a 14 de maio,[7] acompanhada pelo relançamento das cópias restauradas de Os Verdes Anos e Mudar de Vida.[29]
Ao longo de todo o mês de janeiro de 2018, a Cinémathèque Françaisea realizou uma retrospetiva do cinema de Paulo Rocha, organizada em parceria com a Cinemateca Portuguesa, e na qual foi integrado Se Eu Fosse Ladrão… Roubava.[30]
Receção
editarAudiência
editarAo longo das 68 sessões comerciais de 2015 que exibiram o filme em Portugal, Se Eu Fosse Ladrão... Roubava totalizou 583 espectadores e uma receita de €2.339,20.[2]
Crítica
editarSe Eu Fosse Ladrão... Roubava foi alvo de comentários geralmente positivos da crítica de cinema portuguesa, apesar do consenso de que o mesmo seria inacessível para quem desconheça a filmografia de Rocha.[31] Discutindo este aspeto, Augusto M. Seabra, no Público, escreve uma exaltação da obra, começando por referir que "nunca, em vez alguma, vi um filme assim" e concluindo que "amo perdidamente este filme porque também vou reconhecendo os extractos dos anteriores neles incluídos, e não posso portanto imaginar qual será a reação de espectadores que irão ver o filme sem conhecimento dos outros, embora me pareça difícil não ser tocado pela sua beleza e o seu lado fúnebre.[18]
João Lopes, revela-se impressionado, no Diário de Notícias, pela exploração, na obra, da ambivalência da identidade portuguesa, que assim coloca em evidência o modo como "a angústia do que somos se cruza sempre com o humor do que imaginamos ser".[32] Num texto incluído no Ciclo Paulo Rocha, António Preto escreve acerca da estrutura da longa-metragem e do facto de não se resignar a um fim: "o precedente e o consequente se invertem, onde a serpente devora a sua própria cauda e o final se antevê retrospectivamente como princípio".[33]
Também o desempenho dos vários colaboradores de Paulo Rocha foi elogiado pela crítica: Inês Lourenço (Diário de Notícias) destaca como a experimentada atuação de Isabel Ruth e Luís Miguel Cintra serve de agulha unindo os fragmentos da narrativa;[32] Duarte Mata (C7nema) enaltece "a vitalidade dos travellings espantosos, que continuam a comprovar Acácio de Almeida como o mais distinto diretor de fotografia português"[20] e; Rui Pedro Tendinha (Diário de Notícias) elogia a escrita de Regina Guimarães por atribuir uma coerência poética ao olhar interior do cineasta.[32]
Premiações
editarAno | Premiação | Categoria | Trabalho | Resultado | Ref. |
---|---|---|---|---|---|
2016 | Prémio Autores | Melhor argumento | Regina Guimarães | Indicado | |
Globos de Ouro, Portugal | Melhor filme | Se Eu Fosse Ladrão... Roubava, Paulo Rocha | Indicado | [34] | |
Prémios Sophia da Academia Portuguesa de Cinema | Melhor atriz | Isabel Ruth | Indicado | [35] | |
Melhor atriz secundária | Carla Chambel | Venceu | |||
Melhor fotografia | Acácio de Almeida | Venceu |
Referências
- ↑ «Apoio financeiro à produção cinematográfica — 2007» (PDF). Instituto do Cinema e Audiovisual. Consultado em 1 de dezembro de 2015
- ↑ a b «Ranking dos filmes nacionais estreados - 2015» (PDF). Instituto do Cinema e Audiovisual. Consultado em 1 de dezembro de 2015
- ↑ «Se Eu Fosse Ladrão… Roubava». Instituto do Cinema e Audiovisual. Consultado em 1 de dezembro de 2015
- ↑ «VOD - Se eu fosse ladrão, roubava». www.margenes.org. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ Seabra, Augusto M. «Ladrão que rouba a si mesmo». PÚBLICO. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «Festival de Cinema de Locarno encerra hoje com filmes portugueses a concurso». Luxemburger Wort - Edição em Português. 17 de agosto de 2013. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ a b Lourenço, Inês (14 de maio de 2015). «Se eu fosse ladrão... Roubava». Diário de Notícias
- ↑ «Cinema Ideal. Os últimos ajustamentos antes da perfeição». ionline. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ a b Joane, Cineclube de. «SE FOSSE LADRÃO… ROUBAVA de Paulo Rocha». Cineclube de Joane. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ a b c Portugal, Rádio e Televisão de. «Se Eu Fosse Ladrão Roubava - Filmes - RTP». www.rtp.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ Público. «Se Eu Fosse Ladrão... Roubava». Cinecartaz. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Bandes annonces de Se eu fosse ladrão... roubava (2015) - SensCritique». www.senscritique.com. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Nuno J Loureiro – Agente a Norte». Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «SE EU FOSSE LADRÃO... ROUBAVA». icateca.ica-ip.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «OFICINAS | COMPANHIA DE TEATRO DE BRAGA». CTB. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Se Eu Fosse Ladrão... Roubava». Locarno Film Festival (em inglês). Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «About Cinema». Vasco Barbedo (em inglês). 2 de maio de 2017. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ a b Seabra, Augusto M. «Ladrão que rouba a si mesmo». PÚBLICO. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «Rocha de fora tem filme a caminho». www.cmjornal.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ a b c ««Se Eu Fosse Ladrão… Roubava» por Duarte Mata». C7nema. 14 de maio de 2015. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ Seabra, Augusto M. «Paulo Rocha, visível». PÚBLICO. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «ESPECIAL ROCHA: YO VI LA LUZ». www.elumiere.net. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «Cinemateca - Se Eu Fosse Ladrão... Roubava». webcache.googleusercontent.com. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «Cineasta Paulo Rocha morreu hoje aos 77 anos». SIC Notícias. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Todo o cinema de Paulo Rocha em janeiro na Cinemateca Francesa». www.dn.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Se Eu Fosse Ladrão... Roubava». Locarno Film Festival (em inglês). Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Último filme de Paulo Rocha estreia na Suíça». www.cmjornal.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «"Se eu fosse ladrão... roubava": O último filme de Paulo Rocha, cofundador do Cineclube Católico | Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura». www.snpcultura.org. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «CINE ESTREIA: "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava", de Paulo Rocha (Paulo Rocha: 50 Anos de Cinema)». alma-lusa.blogs.sapo.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Vida em França - Paulo Rocha em retrospectiva na Cinemateca Francesa». RFI. 11 de janeiro de 2018. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ Rocha, Jorge (3 de janeiro de 2017). «TEMPOS INTERESSANTES: (DIM) O retrato testamentário de Paulo Rocha sobre o Portugal em que vivemos». TEMPOS INTERESSANTES. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ a b c «Se eu fosse ladrão... Roubava». www.dn.pt. Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ «Folha de Sala "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" #1». www.portopostdoc.com. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «Conheça os nomeados para os Globos de Ouro da SIC». www.dn.pt. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ Lusa. «"Amor Impossível" recebeu Prémio Sophia para Melhor Filme». PÚBLICO. Consultado em 1 de abril de 2021