Sobrevivendo no Inferno
Sobrevivendo no Inferno é o segundo álbum de estúdio do grupo brasileiro de rap Racionais MC's. Foi lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997.
Sobrevivendo no Inferno | |||||||
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Álbum de estúdio de Racionais MC's | |||||||
Lançamento | 7 de outubro de 1997 | ||||||
Gênero(s) | rap hip hop alternativo political hip hop | ||||||
Duração | 1h 13min | ||||||
Idioma(s) | português | ||||||
Formato(s) | Vinil, CD | ||||||
Gravadora(s) | Cosa Nostra | ||||||
Produção | Racionais MC's, Gertz Palma | ||||||
Cronologia de Racionais MC's | |||||||
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Singles de Sobrevivendo no Inferno | |||||||
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É amplamente considerado o álbum mais importante do rap brasileiro.[1] Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil.[2] Em 2015, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, presenteou o Papa Francisco com o álbum em uma visita ao Vaticano.[3]
Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020.[4] Meses depois, a obra foi publicada em formato de livro pela Companhia das Letras. Com 143 páginas, o volume apresenta um prefácio assinado por Acauam Silvério de Oliveira, além de fotos inéditas e informações exclusivas sobre o grupo. O lançamento ocorreu em 31 de outubro de 2018.[5]
Descrição
editarNo final de 1997, os Racionais MC's lançaram Sobrevivendo no Inferno, que atingiu a marca de 1,5 milhão de cópias vendidas, um feito notável considerando que foi lançado por uma gravadora independente.[6]
De acordo com Acauam S. de Oliveira, o disco incorpora diversos elementos do imaginário cristão. Essa influência é evidente desde a capa, que exibe uma cruz amarelada sobre um fundo preto, até a transcrição em fonte gótica de um cântico de proteção recitado pelo rei Davi ao se perceber cercado por inimigos: "Refrigere minha alma / e guia-me pelo caminho / da justiça" (Salmos 23:3).[7] Na contracapa, há a imagem de um homem negro de costas segurando uma arma. Acima da cena, lê-se a continuação do cântico de proteção: "E mesmo que eu ande no Vale / da sombra e da morte / não temerei mal algum / porque tu estás comigo" (Salmos 23:4).
Capa e contracapa como que materializam as palavras entoadas por Mano Brown em 'Genesis': 'Eu tenho uma Bíblia velha, uma pistola automática / Um sentimento de revolta / Eu tô tentando sobreviver no inferno'.[7]
A faixa de abertura do disco, "Jorge da Capadócia", composição de Jorge Ben Jor, é concebida como um canto a Ogum, destinado a "fechar o corpo" e garantir proteção. Em Sobrevivendo no inferno, ela é iniciada pela saudação a Ogum: "– Ogunhê!".[8] No Brasil, Ogum é reconhecido, sobretudo, como o deus dos guerreiros. No Rio de Janeiro, essa divindade foi incorporada à figura de São Jorge.[9]
Dentre as composições que alcançaram maior destaque, destaca-se "Diário de um Detento", que expõe as condições de encarceramento vigente na Casa de Detenção de São Paulo e, principalmente, relata o episódio que ficou conhecido como Massacre do Carandiru sob a perspectiva de quem o testemunhou.[10] A obra foi elaborada coletivamente a partir do diário de Josemir Prado, também conhecido como Jocenir, sobrevivente do massacre, em parceria com Mano Brown: "os cadernos de Jocenir circularam pelo presídio para serem aprovados pelo coletivo carcerário antes de sua versão final".[11]
Críticas e legado
editarA revista Rolling Stone Brasil posicionou Sobrevivendo no Inferno na 14ª colocação na lista dos cem melhores discos da música brasileira. O álbum projetou o gênero musical rap para o topo das paradas, com mais de meio milhão de cópias vendidas.[2] Conforme apontado por fontes extraoficiais, é preciso considerar um adicional de quatro milhões e meio de cópias piratas do álbum comercializadas por vendedores ambulantes (D'Andrea: 2013, p. 84).[10]
Como observa o professor de literatura brasileira da Universidade de Pernambuco, Acauam Oliveira, a estrutura do álbum assemelha-se a uma liturgia, sendo formalmente concebida e organizada como um culto evangélico. Nessa perspectiva de elevada "densidade estética",[7] [8] os elementos do repertório cristão e as contradições sociais são articulados de tal modo que:
Poucos discos nacionais têm o mesmo senso de organicidade, com início, meio e fim construindo juntos os sentidos da obra. A introdução, que se estende desde a faixa de abertura até a fala inicial de Primo Preto, é talvez um dos melhores começos de álbum da história da música popular. A riqueza do conjunto e o senso de organicidade podem tranquilamente ser comparados aos de obras-primas como Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, ou The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd.[7]
Faixas
editarNº | Título | Compositor(es) | Base(s) | Sample(s) | Duração |
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1 | Jorge da Capadócia | Jorge Ben Jor | Mano Brown | "Ike's Rap II" (Isaac Hayes)
"Glory Box" (Portishead) |
2:17 |
2 | Gênesis (Intro) | Mano Brown | KL Jay | - | 0:22 |
3 | Capítulo 4, Versículo 3 | Mano Brown | KL Jay, Mano Brown e Ice Blue | "Slippin' Into Darkness" (War) "Sneakin' In The Back" (Tom Scott & LA Express) "Eles não sabem nada" (MRN) "Pearls" (Sade) "Pride and Vanity" (Ohio Players) |
8:09 |
4 | Tô Ouvindo Alguém me Chamar | Mano Brown | KL Jay, Mano Brown e Ice Blue | "Do It To Me Now" (Fatback Band)
"Charisma" (Tom Browne) |
11:14 |
5 | Rapaz Comum | Edi Rock | KL Jay e Edi Rock | "Hyperbolicsyllabicsesquedalymistic" (Isaac Hayes) "Mano na Porta do Bar" (Racionais MC's) |
6:20 |
6 | ... | Edi Rock | Edi Rock | "What's The Use" (Jimmy Owens) | 2:35 |
7 | Diário de um Detento | Jocenir Prado e Mano Brown | KL Jay e Mano Brown | "Easin' In" (Edwin Starr) "Mother's Son" (Curtis Mayfield) |
7:32 |
8 | Periferia é Periferia (Em Qualquer Lugar) | Edi Rock | Mano Brown e Edi Rock | "Cannot Find a Way" (Curtis Mayfield) "SL (Um Dependente)" (MRN) "Brava Gente" (Thaide & DJ Hum) |
6:00 |
9 | Qual Mentira Vou Acreditar? | Mano Brown e Edi Rock | KL Jay, Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock | "Hip Dip Skippedabeat" (Mtume) "Esquinas" (Djavan) "Pode Vir Quente Que Eu Estou Fervendo" (Barão Vermelho) "Chegou a Hora" (Boi Garantido) |
7:42 |
10 | Mágico de Oz | Edi Rock | KL Jay | "It's Too Late" (The Isley Brothers) | 7:38 |
11 | Fórmula Mágica da Paz | Mano Brown | KL Jay e Mano Brown | "Attitudes" (The Bar-Kays) "Me dê Motivo" (Tim Maia) |
10:41 |
12 | Salve | Mano Brown e Ice Blue | Mano Brown | "Ike's Rap II" (Isaac Hayes) | 2:17 |
Formação
editarJorge da Capadócia: Jorge Ben
Gênesis (Intro): Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown)
Capítulo 4, versículo 3: Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown)
Tô ouvindo alguém me chamar: Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown)
Rapaz comum: Edivaldo Pereira Alves (Edi Rock)
...: Edivaldo Pereira Alves (Edi Rock)
Diário de um detento: Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown) e Josemir José Fernandes Prado (Jocenir)
Periferia é periferia (em qualquer lugar): Edivaldo Pereira Alves (Edi Rock)
Qual mentira vou acreditar: Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown) e Edivaldo Pereira Alves (Edi Rock)
Mágico de Oz: Edivaldo Pereira Alves (Edi Rock)
Fórmula mágica da paz: Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown)
Salve: Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown) e Paulo Eduardo Salvador (Ice Blue)
Produtor fonográfico: Com. de Grav. Ediç. e Confecções Racionais MC's Ltda. Gravado no estúdio The Hit (exceto a música "Jorge da Capadócia", gravada e mixada no Atelier Studio)
Mixagem: Mosh Studios e Atelier Studio. Engenheiros de mixagem: Luís Paulo Serafim e Sillas Godoi. Assistentes de mixagem: Rico e Keko. Masterização: Walter Lima. Produção: Racionais MC's. Coprodução: Gertz Palma
Criação e direção de arte: Marcos Marques. Fotos: Klaus Mitteldorf. Arte: Tyco. Execução: Jayme Ribeiro
Participações
editar"Mágico de Oz": Daniel Quirino, Priscila Maciel, Pulga e Guilherme
"Fórmula mágica da paz": Dagô Miranda
"Tô ouvindo alguém me chamar": Giovani, Quindim e Dinho
"Periferia é periferia": Rinaldo BV
"Capítulo 4, versículo 3": Primo Preto
Certificação
editarÓrgão Certificador | Certificação |
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ABPD | 2× Diamante |
Sobrevivendo no Inferno - O Livro
editarSobrevivendo no Inferno | |
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Autor(es) | Racionais MC's |
Idioma | Português |
País | Brasil |
Arte de capa | Marcos Marques |
Editora | Companhia das Letras |
Lançamento | 31 de outubro de 2018 |
Páginas | 143 |
Edição brasileira | |
ISBN | 9788535931730 |
Em 2018, a Companhia das Letras adaptou o álbum para o formato de livro, intitulado Racionais MC's – Sobrevivendo no inferno. Lançado em 31 de outubro daquele ano, o livro apresenta o prefácio O evangelho marginal dos Racionais MC's, escrito por Acauam Oliveira, que analisa o impacto cultural, social e político do grupo.[12] Além disso, o livro reúne todas as letras do álbum, intercaladas com fotografias raras. O livro foi lançado alguns meses após o álbum Sobrevivendo no inferno ser incluído pela Comissão Permanente para os Vestibulares na lista de leituras obrigatórias do Vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), válida a partir de 2020.[13]
Sinopse
editar“ | Na virada para os anos 1990, os Racionais MC's emergiram como um dos mais importantes acontecimentos da cultura brasileira. Incensado pela crítica, o disco Sobrevivendo no inferno vendeu mais de um milhão e meio de cópias. Agora publicados em livro, precedidos por um texto de apresentação e intermeados por fotos clássicas e inéditas, os raps dos Racionais são a imagem mais bem-acabada de uma sociedade que se tornou humanamente inviável, e uma tentativa radical, esteticamente brilhante, de sobreviver a ela. | ” |
— RACIONAIS MC'S, Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ISBN 978-85-359-3173-0 |
Referências
- ↑ Brunetti, Itaici (13 de dezembro de 2017). «20 anos de 'Sobrevivendo no Inferno'! Artistas lembram obra do Racionais MC's: 'A voz de todos'». Virgula. Consultado em 6 de janeiro de 2025
- ↑ a b RollingStone (2016). «Os 100 Maiores Discos da Música Brasileira». Web arquivo uol. Consultado em 6 de janeiro de 2025
- ↑ «Disco dos Racionais é presente da Prefeitura de São Paulo para o Papa». Consultado em 6 de janeiro de 2025
- ↑ «Racionais MC's vira leitura obrigatória para vestibular da Unicamp». Folha de S.Paulo. 23 de maio de 2018. Consultado em 6 de janeiro de 2025
- ↑ Gregorio, Rafael (16 de novembro de 2018). «Obra-prima dos Racionais MC's, 'Sobrevivendo no Inferno' vira livro após ser exigido em vestibular». Folha de S.Paulo. Consultado em 16 de janeiro de 2022. Cópia arquivada em 20 de novembro de 2018
- ↑ a b c RACIONAIS MC'S (2018). Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras. p. 21. ISBN 978-85-359-3173-0
- ↑ a b c d RACIONAIS MC'S (2018). Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras. p. 32-34. ISBN 978-85-359-3173-0
- ↑ a b Garcia, Walter (2013). «Elementos para a crítica da estética do Racionais MC'S (1990-2006).». Unicamp, Campinas. Ideias. v. 4 (n. 2): p. 95. Consultado em 7 de janeiro de 2025
- ↑ VERGER, Pierre Fatumbi (2002). Orixás 6ª ed. ed. Salvador: Corrupio. p. 94
- ↑ a b D'Andrea, Tiarajú Pablo (2013). «A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo»: 85. Consultado em 7 de janeiro de 2025
- ↑ RACIONAIS MC'S (2018). Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras. p. 29. ISBN 978-85-359-3173-0
- ↑ Oliveira, Acauam Silvério de. "O evangelho marginal dos Racionais MC’s." Sobrevivendo no Inferno (2018): 19-41.
- ↑ COMVEST. «Lista de Livros – Vestibular 2020». Comissão Permanente para os Vestibulares - Unicamp. Consultado em 9 de janeiro de 2025
Bibliografia
editar- ZENI, Bruno (Janeiro–Abril de 2004). «O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva». Estudos Avançados. 18 número 50. São Paulo. ISSN 0103-4014. doi:10.1590/S0103-40142004000100020. Consultado em 11 de Janeiro de 2025
- BERGAMO, Alexandre. «Elegância e atitude: diferenças sociais e de gênero no mundo da moda». Cadernos Pagu. número 22 (Junho de 2004). Campinas. doi:10.1590/S0104-83332004000100005. Consultado em 11 de Janeiro de 2025
- SANTOS, Sales Augusto dos (Julho–Dezembro de 2008). «Os rappers e o 'rap consciência': novos agentes e instrumentos na luta anti-racismo no Brasil na década de 1990». Sociedade e Cultura. Vol. 11, número 2 (2008). pp. 169 a 182. ISSN 1980-8194. Consultado em 11 de Janeiro de 2025
Ligações externas
editar- Racionais fazem 'Canudos da periferia - Crítica de Xico Sá no jornal Folha de S.Paulo, 13 de novembro de 1997.
- http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq231203.htm Racionais MC's - Matéria do jornal Folha de S.Paulo, 23 de dezembro de 1997.