Tao Te Ching, Dao de Jing ou Tao-te king[1] (em chinês: 道德經ⓘ, Dàodé jīng), comumente traduzido como O Livro do Caminho e da Virtude, é uma das mais conhecidas e importantes obras da literatura da China. Foi escrito entre 350 e 250 a.C.[2][3] A sua autoria é tradicionalmente atribuída a Lao Tzi (literalmente, "Velho Mestre"),[4][5] porém a maioria dos estudiosos atuais acredita que Lao Tzi nunca existiu e que a obra é, na verdade, uma reunião de provérbios pertencentes a uma tradição oral coletiva, versando sobre o tao (a "realidade última" do universo).[6][2][7] A obra inspirou o surgimento de diversas religiões e filosofias, em especial o taoismo e o budismo chan (e sua versão japonesa, o zen).
Existem várias traduções para seu título entre elas: O livro do Tao e sua virtude,[8] O livro do Tao e a virtude,[9] O cânone da razão e da virtude,[10][11] O livro clássico para o caminho da integridade[12] e Tratado sobre princípios e sua ação[13] além de Daodejing.[14]
Lao Tzu encontra Yin Xi, o guardião do portão do Tibete
Assim como a maior parte das figuras mitológicas dos fundadores de religiões, a vida do escritor de Tao Te Ching,Lao Tzi, é envolta em lendas. Segundo a tradição, Lao Tzi nasceu no sul da China por volta de 604 a.C, tendo sido superintendente judicial dos arquivos imperiais em Loyang, capital do estado de Ch'u. Desgostoso pelas intrigas da vida na corte, Lao Tzi decidiu afastar-se da sociedade, seguindo para as Terras do Oeste. Montado em uma carroça guiada por um boi, seguiu viagem, mas, ao atravessar a fronteira, um dos seus amigos, o policial Yin-hsi, reconheceu-o e pediu-lhe que escrevesse os seus ensinamentos antes de partir. Lao Tzi, então, escreveu o pequeno livro conhecido posteriormente como Tao Te Ching e partiu em seguida. Segundo a história, ele morreu em 517 a.C. Lao Tzi foi canonizado pelo imperador Han entre os anos 650 a.C. e 684 a.C. (?)
Trata‑se de um texto filosófico relativamente curto, com pouco mais de 5000 caracteres, que era originariamente conhecido como Lao Tzi (老子, que significa "Velho Mestre") ou como O Texto de 5000 palavras (五千字文, wǔqiān zìwén). O seu nome atual vem das palavras que iniciam cada uma das duas secções principais em que é hoje normalmente dividido, chamadas Livro do Tao (道經, dào jīng) e Livro do Te (德經, dé jīng). A palavra Ching (經, jīng) designa um livro considerado como um clássico. Tao (道, dào), que significa "via" ou "caminho", é o nome usado para designar o que há de mais profundo e misterioso na realidade, e Te (德, dé), que significa "virtude" ou "conduta", é o nome usado pelos taoistas para designar a sua manifestação no mundo. A escola de pensamento taoista 道家 (dào jiā) ficou explicitamente identificada com a palavra tao, por ter atribuído conotações novas a este termo, associando‑o a uma abordagem diferente do conceito de realidade última. Os mais recentes estudos apontam que Tao Te Ching tenha sido escrito entre 460 a.C. e 380 a.C.
A versão mais antiga que se conhece do Tao Te Ching foi encontrada em 1993, em Guodian, na China, num túmulo datado do período de meados do século IV ao início do século III a.C. Está escrita numa série de réguas de bambu, cada uma das quais contendo cerca de vinte caracteres. O texto passa de uma régua para outra, sem qualquer pontuação ou divisão em parágrafos ou capítulos. De todas as versões que chegaram até os nossos dias, a que é normalmente considerada como sendo a mais fiável é a que acompanha os comentários ao Tao Te Ching escritos por Wang Pi (王弼, wángbì; n. 226 – f. 249 d.C.).[15]
A primeira tradução do Tao Te Ching para uma língua ocidental ocorreu somente no século XVIII, por obra de missionários jesuítas na China. Essa tradução foi apresentada na Real Sociedade de Londres para o Melhoramento do Conhecimento Natural em 1788. Desde então, o Tao Te Ching tornou-se cada vez mais conhecido no Ocidente, sendo atualmente um dos livros mais traduzidos no mundo, ao lado da Bíblia e do Bagavadguitá.[16] apesar de apenas alguns manuscritos dele tenham sido preservados.[17]
As diversas correntes do pensamento religioso e filosófico através dos tempos atribuíram milhares de interpretações diferentes ao sentido do Tao Te Ching. Porém, o tema principal do livro é localizado no seu primeiro provérbio: "O tao que pode ser dito não é o tao verdadeiro". O Tao Te Ching situa a origem de todas as coisas no tao (caminho, senda), que, longe do conceito de Deus das religiões deístas, é um princípio inimaginável, inenarrável, eterno e absoluto, que não pode ser compreendido, já que qualquer tentativa de classificá-lo cria uma dicotomia que não pode existir em algo eterno e absoluto. Já que o tao não pode ser compreendido, o Tao Te Ching enfatiza que não existem meios de manipulá-lo. Logo, os seres devem viver uma vida simples, sem grandes questionamentos morais ou filosóficos, onde se enfatize o "não agir" (a "não ação", wu wei, 無為), isto é, deixar-se guiar pelo curso natural e lógico dos eventos do universo. O homem que segue este princípio acaba liberto das vicissitudes da vida e se torna o "Homem Santo" celebrado no taoismo. Uma filosofia deste tipo logicamente quebra todos os conceitos e tentativas do homem de controlar o seu destino e sugere que toda tentativa de se criar uma religião, uma sociedade política ou moral acaba sempre sendo infrutífera e além disso a escrita dele é Dialética[18]
As ideias cosmogónicas e metafísicas do Tao Te Ching, de acordo com algumas ramificações do taoismo, podem ser definidas da seguinte forma:
Tudo nasce do vazio indiferenciado, imensurável, insondável, que nunca pode ser exaurido: "o tao sem nome", que se move em torno de si mesmo, sem parar. Deste "tao sem nome" (que não existe), nasce o que existe (e tem nome): o caminho (tao). Não vemos o tao como um por causa dos nomes com que designamos o que vemos com os nossos sentidos - as "10 000 coisas" (o caractere chinês que significa "10 000", , é usado, como aliás também no grego, para significar uma miríade, ou seja, um número grande e indefinido.) É com o aparecimento dos nomes que aparecem todas as coisas e o um se transforma em muitos.
A virtude (Te) é a manifestação do tao através da sua misteriosa operação: o chamado "agir não agindo" - a ação intrínseca que caracteriza a natureza das coisas - "O modo de caminhar".
Lao Zi
A partir destas ideias cosmogónicas e metafísicas, Lao Tzi deduz um sistema de moral e regras de conduta que tem, por objetivo, conformar as ações humanas com a ordem natural do universo. O homem nasceu do tao mas, depois, começou a desviar-se dos seus atributos, ou seja, perdeu a virtude - o saber como caminhar. É uma queda que lembra a queda que se seguiu à expulsão de Adão e Eva do paraíso, segundo a Bíblia. O Caminho do Tao é o caminho de volta ao estado de graça em harmonia com o tao (o chamado "regresso precoce").
Tao é normalmente traduzido como caminho ou via, mas apenas por parecer ser "o melhor que se pôde arranjar". De facto, o caminho não se distingue do caminhante ou do caminhar. Não há criador. O universo (o Céu e a Terra) apareceu (e aparece continuamente) a partir do tao primordial. O que existe aparece do que não existia antes e é eterno. O universo é como um organismo vivo resultante da expansão vitalizada do tao (a ordem natural, a providência). O tao manifesta-se continuamente no fluxo e refluxo constante de todas coisas que existem e que foram criadas pela sua atividade.
O tao não tem personalidade. O que vitaliza o universo são dois princípios ou substâncias que combinados são o tao: o yang (luz, calor, criativo, masculino) - que existe especialmente concentrado no Céu - e o yin (sombra, frio, receptivo, feminino) - que existe especialmente concentrado na Terra.
Vários filósofos taoistas chineses entendem os versículos que expõem as ideias cosmogónicas sobre o início do universo como sendo, de facto ou também, a descrição do modo como a consciência da realidade externa emerge na nossa mente.
Quando vemos uma cor ou ouvimos um som, há um momento breve inicial em que o nosso cérebro ainda não fez um julgamento sobre a nossa percepção; não sabemos ainda que som ou cor é, nem sequer temos ainda uma consciência clara que estamos a ouvir ou ver alguma coisa. Estamos no domínio "do sem nome", do vazio indiferenciado que nunca pode ser exausto ou descrito. Depois, quando emerge a consciência e o pensamento, que tem por base a linguagem, passamos ao domínio "do que tem nome" e vemos, então, todas coisas diferenciadas, cada uma com o seu nome. É com o aparecimento dos nomes que aparecem todas as coisas e o um se transforma em muitos.
Em termos mentais, o Caminho do Tao é o caminho de volta a esse breve "estado de graça" inicial. Um estado em que qualquer trabalho mental interior é eliminado e em que regressamos à nossa espontaneidade natural. As práticas dos budismoschan e zen, que tiveram a sua origem nas ideias taoistas, têm, como objetivo, exatamente atingir esse estado mental primordial de fusão paradoxal com o um.
A língua chinesa (e sobretudo a mais antiga) é muito concisa. São frequentes frases sem verbos, como "eu grande tu pequeno" ou "eu grande tu" (= sou maior do que tu). Para a traduzir, é necessário compor a frase com pronomes, advérbios, preposições, conjunções, que não estão na língua original.
Enquanto nas línguas ocidentais a gramática é uma estrutura sólida com a qual se podem construir períodos e parágrafos complexos, a gramática chinesa é fluída e flexível. Hoje, usam-se sinais de pontuação, mas isso é muito recente. Por isso, como não existem maiúsculas, é, por vezes, complicado perceber onde começa cada frase. No estilo clássico, utilizavam-se as rimas de palavras para indicar o fim das frases.
Os caracteres são elementos que formam frases com grande versatilidade. Cada caractere (ou palavra) é um elemento móvel na estrutura e influencia o significado e a função dos outros e é influenciada por eles. Só quando se percorreu e analisou toda uma frase de um texto chinês antigo se "decifra" o seu significado. Dependendo do contexto, a palavra "mestre" pode significar também "para servir o mestre", "para seguir o mestre", etc. Uma palavra antes de um verbo pode constituir o tema de uma frase, mas pode também ser um determinante do verbo, como, por exemplo, em "dez andar", que significa "andar dez passos". A palavra "eu" pode significar eu, me, mim, o meu, a minha. O plural só é indicado em caso de necessidade, quando não se entende pelo sentido de uma frase.
"Bom chá" é um chá que é bom, mas a "chá bom" segue-se um termo de comparação (bom, nessa posição, significa maior do que). "Cão carne" pode significar duas coisas diferentes conforme o contexto: carne de cão ou carne para o cão. Mas "vaca carne" é carne de vaca, porque a vaca é um animal herbívoro.
Na língua escrita de estilo antigo, cada palavra, em geral, era escrita usando um único caractere (monossilábico); era um estilo muito mais conciso e literário do que é a língua falada. (Por isso, os europeus julgaram inicialmente que o chinês era uma língua monossilábica. Mas a língua falada é mais dissilábica e polissilábica.)
Como o Tao Te Ching foi escrito usando a escrita de estilo antigo, o texto é extremamente conciso e não é de interpretação fácil, mesmo para um chinês. O significado de cada monossílabo, no meio de uma série contínua de caracteres sem pontuação, não surge espontaneamente; as frases têm uma estrutura mais difícil de detectar. As palavras que rimam sugerem as frases que estão presentes; mas nem sempre elas estão lá e nem sempre a estrutura fica perfeitamente clara. Sabe-se também que na época de Lao Tzi não havia uma escrita unificada, porque a China não estava ainda politicamente unificada, e que o significado e pronúncia de muitos caracteres se foi alterando com o tempo.[15]
↑O termo virtude é considerado moralista e ocidentalizante, vide: "Im Grunde kommt es auf den Ausdruck wenig an, da er ja auch für Laotse selbst nur sozusagen ein algebraisches Zeichen für etwas Unaussprechliches ist. Es sind im Wesentlichen ästhetische Gründe, die es wünschenswert erscheinen lassen, in einer deutschen Übersetzung ein deutsches Wort zu haben." Des Weiteren erklärt er in einer Fußnote: "In den chinesischen Bibelübersetzungen ist λόγος fast durchweg mit Dau wiedergegeben." Laotse, Tao te king, Einleitung, Der Inhalt des Tao te king, aus dem Chinesischen übersetzt und mit einem Kommentar versehen von Richard Wilhelm, Bastei Lübbe Taschenbücher, Lizenzausgabe 1978 by Eugen Diederichs Verlag, München, ISBN 3-404-70141-0
↑Seidel, Anna. 1969. La divinisation de Lao tseu dans le taoïsme des Han. Paris: École française d'Extrême‑Orient. 24, 50
↑ abAntónio M. de Campos, Tao Te King - Livro do Caminho e do Bom Caminhar (tradução direta do Chinês para o Português, comentários, introdução à filosofia taoista, glossário completo de caracteres). Editora Relógio d'Água, 2010.
↑TSAI, C. Tao em quadrinhos. Tradução de Maria Clara de B. W. Fernandes. Rio de Janeiro. Ediouro. 1997. p. 13-14.
Jörn Jacobs: Textstudium des Laozi, Daodejing. Frankfurt Main 2001, ISBN 3-631-37254-X (Referenzausgabe mit Anmerkungen sowie Anhängen für die praktische Arbeit)
Laotse: Tao Te King, Nach den Seidentexten von Mawangdui. Übers. u. hrsg. von Hans-Georg Möller. Fischer, Frankfurt am Main 1995, ISBN 3-596-12135-3
Gellért Béky: Die Welt des Tao. Alber, Freiburg / München 1972, ISBN 3-495-47257-6
Ansgar Gerstner: Das Buch Laozi: Übersetzungen mehrerer chinesischer Ausgaben mit Kommentaren. VDM Verlag Dr. Müller, Saarbrücken 2008, ISBN 3-639-04917-9
Hilmar Klaus: Das Tao der Weisheit. Laozi – Daodejing. Wortgetreu-sinngemäß-poetisch. Hochschulverlag, Aachen 2008, ISBN 978-3-8107-0041-4
Rainald Simon: Daodejing. Das Buch vom Weg und seiner Wirkung. Neuübersetzung. Reclam, Stuttgart 2009, ISBN 978-3-15-010718-8Rijckenborgh, Jan van (2006). Gnosis Chinesa - Comentários sobre o Tao te King. [S.l.]: Rosacruz (atual Pentagrama Publicações). 978-85-62923-00-5 - Download completo gratuito
Lao Tse, Tao-te King, texto e comentário de Richard Wilhelm. Editora Pensamento.
Henricks, Robert G. (1989), Lao-tzu: Te-tao ching. A New Translation Based on the Recently Discovered Ma-wang-tui Texts, ISBN0-345-34790-0, New York: Ballantine Books
Lau, D. C. (1989), Tao Te Ching, ISBN9789622014671, Hong Kong: Chinese University Press