Torrão (Marco de Canaveses)

localidade e antiga freguesia de Marco de Canaveses, Portugal

Torrão, também chamado Santa Clara do Torrão, é uma povoação portuguesa do Município de Marco de Canaveses que foi sede da extinta Freguesia do Torrão, freguesia que tinha 1,350 km² de área[1] e 807 habitantes (2011),[2] e, por isso, uma densidade populacional de 538,0 hab/km².

Portugal Torrão 
  Freguesia portuguesa extinta  
Igreja de Santa Clara do Torrão e a sua torre
Igreja de Santa Clara do Torrão e a sua torre
Igreja de Santa Clara do Torrão e a sua torre
Símbolos
Bandeira de Torrão
Bandeira
Brasão de armas de Torrão
Brasão de armas
Gentílico torranense
Localização
Torrão está localizado em: Portugal Continental
Torrão
Localização de Torrão em Portugal Continental
Mapa
Mapa de Torrão
Coordenadas 41° 05′ 14″ N, 8° 17′ 09″ O
Município primitivo Benviver
Município (s) atual (is) Marco de Canaveses
Freguesia (s) atual (is) Alpendorada, Várzea e Torrão
História
Fundação 20 de outubro de 1519 (couto)
6 de novembro de 1836 (freguesia)
Extinção 28 de janeiro de 2013
Características geográficas
Área total 1,50 km²
População total (2011) 807 hab.
Densidade 538 hab./km²
Outras informações
Orago Santa Clara

Torrão localiza-se junto à foz do rio Tâmega, que desagua no rio Douro, sendo a localidade mais ocidental do município do Marco de Canaveses.

O topónimo "Torrão", ao que tudo indica, é uma variante de "terrão", sendo este último um aumentativo de "terra".[3]

Torrão era anteriormente denominado Entre Ambos-os-Rios, uma vez que geograficamente se situa no único ângulo do Tâmega com o Douro. Contudo, essa denominação passou a ser erradamente atribuída à margem norte do Tâmega, perto de Eja, que outrora pertencia ao couto do Torrão e era denominada de Rua de Entre Ambos-os-Rios. Devido à semelhança dos nomes de ambas as localidades, à existência de outra designação para a margem sul do Tâmega (Torrão), e ao aumento da relevância dessa "rua" do couto, a margem norte ficou com o nome que estava atribuído ao Torrão, nome esse que foi evoluindo até se tornar Entre-os-Rios.[3]

História

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Confluência dos rios Douro e Tâmega (1910). À direita, Santa Clara do Torrão, em frente de Entre-os-Rios (Eja, Penafiel)

A avaliar pelos vestígios encontrados, Torrão foi povoado no período anterior à Nacionalidade e seria uma área anexa à "civitas" de Anégia, já que o centro mais importante desse território seria junto à foz do rio Tâmega.[3]

Possivelmente no século X, terá sido fundado o Mosteiro de São Salvador de Entre Ambos-os-Rios na margem esquerda do Tâmega, isto é, no Torrão. São Salvador, além de dar o nome a esta localidade, foi também padroeiro do Torrão até à fundação do mosteiro em honra a Santa Clara séculos depois.[4]

Durante o século XIII, a foz do rio Tâmega era uma área em franco desenvolvimento e com uma elevada importância económica, em virtude do comércio fluvial e terrestre que por lá passava, levando a que fosse classificado como um burgo.[5] Além de burgo, Torrão, chamado na época de Entre Ambos-os-Rios, foi também um reguengo até ao ano de 1211, quando foi doado pelo rei D. Sancho I à condessa D. Toda Palazim, doação essa que foi confirmada mais tarde pelo rei D. Afonso II, em 1215.[6]

Como já naquele tempo o reguengo de Entre Ambos-os-Rios era despovoado e solitário e, por isso, propício à ação de malfeitores, D. Toda mandou instituir uma albergaria. A sua filha, D. Teresa Rodrigues de Barbosa, que recebeu essas terras, também procurou povoá-lo. Quando D. Chamoa Gomes de Tougues, filha de D. Teresa e neta de D. Toda, recebeu as mesmas terras, decidiu fundar nelas uma "outra povoação [...] de freiras de santa Clara”, não só para “as fazer mais seguras dos males que nellas se comettião", mas também para que os pecados cometidos por si e pela sua família fossem perdoados.[6][7] Para isso, D. Chamoa doou, a 14 de setembro de 1258, todos os bens que possuía em Entre Ambos-os-Rios, em Jugueiros, na Ribeira, em Paiva e no couto de São João de Pendurada.[6][8]

Contudo, o que seria uma simples fundação de um mosteiro tornou-se numa verdadeira batalha diplomática que envolveu D. Chamoa, o Papa Alexandre IV (e mais tarde o Papa Urbano IV), o bispo do Porto D. Julião Fernandes (e posteriormente D. Vicente Mendes), a abadessa do Convento de Santa Clara de Zamora e o provincial da Ordem dos Frades Menores da Província de Santiago. Em 1256, foram pedidas doze religiosas à abadessa do Convento de Santa Clara de Zamora para se mudarem para o novo mosteiro, a qual concordou em enviar apenas três. Em março de 1258, o Papa Alexandre IV pediu ao Arcebispo de Braga que desse licença para se utilizar os bens da arquidiocese a fim de auxiliar na construção do mosteiro. Em 1261, o Papa Urbano IV pediu ao bispo do Porto D. Vicente Mendes que desse licença para construir o mosteiro e pediu à abadessa de Zamora que enviasse as três religiosas, já que não mandaria doze. Em 1262, Urbano IV avisou D. Vicente que se não lançasse a primeira pedra da igreja, o faria o bispo de Ciudad Rodrigo. No entanto, foi apenas em 1264 que D. Vicente autorizou o levantamento dos altares. Estas dificuldades com a fundação do mosteiro explicam-se pela existência de uma contenda entre D. Chamoa e o bispo do Porto D. Julião Fernandes, antecessor de D. Vicente, pois D. Chamoa já era padroeira do mosteiro de S. Salvador de Tuyas. Por isso, em 1264, D. Chamoa nomeou a monja D. Maria Paes como abadessa desse mosteiro, acabando com a contenda. Foi enfim fundado, em 1264, no local do anterior cenóbio de São Salvador, em honra de Deus, Santa Clara, São Francisco e São Damião, o Mosteiro de Santa Clara de Entre Ambos-os-Rios, cujos patronos eram D. Chamoa e o seu marido D. Rodrigo Froilas, oriundo de Leão.[6][7][9][8]

Neste mosteiro ficaram estabelecidas as monjas clarissas de Zamora desde 1258 até 1427, quando se mudaram para o Mosteiro de Santa Clara do Porto após terem pedido à rainha D. Filipa de Lencastre a transferência para o Porto, alegando temerem pela sua segurança. Frei João de Xira, confessor de D. João I e visitador das monjas, alegou a existência de abusos cometidos por parte de vários nobres.[10][4][7][9]

A 20 de outubro de 1519, a mando do rei D. Manuel I, que doou o foral, Torrão tornou-se num couto, passando a denominar-se Couto de Santa Clara do Torrão de Entre Ambos-os-Rios, ou simplesmente "Couto Dantrambos os Rios". Este couto, além de se situar no Torrão, estendia-se ao norte do Tâmega no termo de Penafiel, abrangendo a Rua de Entre Ambos-os-Rios (atual Entre-os-Rios) e Jugueiros, que pertence atualmente à freguesia das Termas de São Vicente. Ao sul do Douro, pertencia a este couto o lugar de Boure, hoje pertencente à freguesia de Santa Maria de Sardoura. Atualmente, o que resta deste couto é a paróquia de Santa Clara do Torrão, que abrange a maioria dos seus territórios: Torrão, Entre-os-Rios e Jugueiros.[3][11]

Com a extinção dos coutos por lei, o couto de Santa Clara do Torrão de Entre Ambos-os-Rios foi extinto e transformado num concelho. Após as reformas administrativas do início do Liberalismo, no século XIX, o concelho do Torrão foi extinto, tendo sido dividido em várias partes: Boure foi integrado no concelho de Castelo de Paiva e, por conseguinte, no distrito de Aveiro; Jugueiros foi integrado no concelho de Penafiel, e a parte correspondente ao Torrão e à Rua de Entre-os-Rios foi integrada como freguesia no entretanto extinto concelho de Benviver, pelo decreto de 6 de novembro de 1836. Apesar da insistência da autarquia penafidelense em separar Entre-os-Rios da freguesia de Santa Clara do Torrão e do concelho de Benviver, só a 31 de março de 1852, com a formação do concelho do Marco de Canaveses (formado a partir da junção dos concelhos de Benviver e de Soalhães) se separou administrativamente Entre-os-Rios do Torrão, passando a integrar a freguesia de Eja, no município de Penafiel. Torrão, tal como as restantes freguesias de Benviver, foi integrado no concelho de Marco de Canaveses, onde ainda hoje pertence.[12][11][13][14]

A Barragem do Torrão iria ser construída inicialmente nesta localidade, mas foi recolocada para as vilas de Alpendorada e de Rio de Moinhos, mantendo o seu nome inicial.[3]

A Freguesia do Torrão foi extinta pela reorganização administrativa de 2013, tendo o seu território sido agregado ao das freguesias de Alpendurada e Matos e de Várzea do Douro para criar a Freguesia de Alpendorada, Várzea e Torrão.

População

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População da freguesia de Torrão [15]
1864 1878 1890 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001 2011
377 413 418 490 481 495 564 628 669 656 757 885 937 948 807

De acordo com as Memórias Paroquiais de 1758, Torrão tinha 215 vizinhos, 620 pessoas maiores de idade e 70 menores de idade.[11] Nos Censos de 1801, Torrão tinha 1 048 habitantes, e nos Censos de 1849, 1 031 habitantes.[16]

Distribuição da População por Grupos Etários
Ano 0-14 Anos 15-24 Anos 25-64 Anos > 65 Anos 0-14 Anos 15-24 Anos 25-64 Anos > 65 Anos
2001 185 149 515 99 19,5% 15,7% 54,3% 10,4%
2011 127 92 445 143 15,7% 11,4% 55,1% 17,7%

Património

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  • Igreja de Santa Clara do Torrão (matriz): esta igreja é o que resta do antigo Mosteiro de Santa Clara do Torrão, adaptada a paroquial, na qual se podem ainda hoje observar elementos arquitetónicos de anteriores fases construtivas. É de realçar o portal lateral sul da igreja e uma inscrição do século XIV embutida na face interior da parede norte da nave.
 
Igreja de Santa Clara do Torrão, onde se observa no lintel sobre a porta principal a data 1783
 
Ponte Duarte Pacheco
  • Túmulo do Torrão: túmulo móvel de granito situado junto à igreja de Santa Clara do Torrão. Na sua tampa estão gravados um crescente lunar e uma estrela de cinco pontas, uma cruz latina, e um quadrúpede, provavelmente um cavalo. É muito possível que este túmulo date dos séculos XIII ou XIV.
 
Túmulo do Torrão. O seu local original era junto à parede sul da capela-mor da igreja.
  • Cruzeiro do Torrão: implantado junto ao traçado viário da Estrada Nacional EN108. Terá sido elevado em 1940, como consta na data gravada na base que sustenta o cruzeiro.
 
Cruzeiro do Torrão
  • Marco do Couto de Santa Clara: marco associado à delimitação do Couto de Santa Clara do Torrão, situado no lugar de Vale da Marela. Este será o único marco deste couto presentemente conhecido.
  • Marco do Couto de São João de Alpendurada: também situado no lugar de Vale da Marela, próximo do Marco do Couto de Santa Clara, associado à delimitação do Couto de São João de Alpendurada.

Festividades e Tradições

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  • Endoenças: realizam-se nos dias de Quinta-Feira Santa e de Sexta-Feira Santa há mais de três séculos, juntamente com a localidade vizinha de Entre-os-Rios e com o lugar de Boure, pertencente à freguesia de Santa Maria de Sardoura. Na Quinta-Feira Santa são colocadas e acesas mais de 50 mil tigelinhas nas margens dos rios Tâmega e Douro que iluminam a procissão que sai da Igreja de Santa Clara do Torrão até à Capela de São Sebastião, em Entre-os-Rios. No dia de Sexta-Feira Santa a procissão dirige-se no percurso inverso da procissão do dia anterior. Antes da inauguração da Ponte Duarte Pacheco em 1941, a procissão atravessava o rio em barcos rabelos que transportavam os andores.[18]
 
Torrão iluminado pelas tigelinhas na Quinta-Feira Santa
 
O Sermão do Encontro. Depois de serem "roubados" pelos populares do Torrão na quarta-feira, os andores da Nossa Senhora das Dores e do Nosso Senhor dos Passos encontram-se no Largo Dr. Gaspar Baltar, em Entre-os-Rios, na procissão da Quinta-Feira Santa
  • Festas em Honra de Santa Clara: celebram-se no fim de semana seguinte ao dia 11 de Agosto, que é o dia de Santa Clara. No domingo realiza-se a sua procissão, que sai da Igreja de Santa Clara do Torrão e que, depois de fazer o seu habitual percurso, regressa à igreja.[19]
  • Serração da Velha: comummente conhecida como "Sarra-se a Velha", realiza-se na quarta-feira da terceira semana da Quaresma.

Referências

  1. IGP (2012). «Áreas das freguesias, municípios e distritos/ilhas da CAOP 2012.1» (XLS-ZIP). Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP), versão 2012.1. Instituto Geográfico Português. Consultado em 30 de julho de 2013. Cópia arquivada em 9 de novembro de 2013 
  2. INE (2012). «Quadros de apuramento por freguesia» (XLSX-ZIP). Censos 2011 (resultados definitivos). Tabelas anexas à publicação oficial; informação no separador "Q101_NORTE". Instituto Nacional de Estatística. Consultado em 27 de julho de 2013. Cópia arquivada em 8 de outubro de 2014 
  3. a b c d e «Torrão». Freguesia de Alpendorada, Várzea e Torrão 
  4. a b «Convento de Santa Clara do Porto». Arquivo Nacional Torre do Tombo 
  5. «EJA (ENTRE-OS-RIOS) A Civitas e a Igreja de S. Miguel» (PDF) 
  6. a b c d Maria Duarte, Teresinha. «As Primeiras Clarissas Portuguesas e Suas Vivências Cotidianas» (PDF) 
  7. a b c «Inventário de Extinção do Convento de Santa Clara do Porto». Arquivo Nacional Torre do Tombo 
  8. a b de Sotto Mayor Pizarro, José Augusto. «"PELA MORTE SE CONHECE UM POUCO DA VIDA". A propósito do testamento de Dona Châmoa Gomes de Tougues, fundadora do mosteiro de Santa Clara de Entre-os-Rios» (PDF) 
  9. a b «Convento de Santa Clara - Porto». Arquivo Distrital do Porto 
  10. «Santa Clara do Porto». Porto d'Honra. 23 de maio de 2021 
  11. a b c «As Freguesias do Distrito do Porto nas Memórias Paroquiais de 1758» (PDF) 
  12. «Matriz PCI- Inventário Nacional: Endoenças de Entre-os-Rios». Matriz PCI 
  13. «O decreto de 6 de novembro de 1836» (PDF) 
  14. «Paróquia de Torrão». Arquivo Distrital do Porto 
  15. Instituto Nacional de Estatística (Recenseamentos Gerais da População) - https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes
  16. Os Recenseamentos da População Portuguesa de 1801 e 1849. [S.l.: s.n.] 2001 
  17. «Ponte Duarte Pacheco». www.jf-alpendorada.pt (em inglês). Consultado em 24 de maio de 2021 
  18. «Endoenças». "Junta de Freguesia da Alpendorada, Várzea e Torrão". Consultado em 7 de dezembro de 2021 
  19. «Festas em Honra de Santa Clara do Torrão». "Biblioteca Nacional Digital". Consultado em 7 de dezembro de 2021 
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