Transparência ortográfica
A transparência ortográfica designa, para uma determinada língua, o grau de correspondência entre a grafia e a fonologia da língua, ou seja, a correspondência entre a forma como escrevemos a língua e a forma como a pronunciamos. Depende de quão fácil é prever a pronúncia de uma palavra com base em sua grafia: ortografias transparentes são fáceis de pronunciar com base na palavra escrita, e ortografias opacas são difíceis de pronunciar com base em como são escritas.
Nas ortografias transparentes, a correspondência grafia-som é direta: a partir das regras de pronúncia, consegue-se pronunciar a palavra corretamente. [1] Em outras palavras, ortografias transparentes têm uma relação um-para-um entre seus grafemas e fonemas, e a grafia das palavras é muito consistente. Exemplos incluem os kanas japoneses, o hindi, o laosiano (desde 1975), o espanhol, o finlandês, o turco, o georgiano, o latim, o italiano, o servo-croata, o ucraniano e o galês.
Em contraste, em ortografias opacas, a relação é menos direta, e o leitor deve aprender as pronúncias arbitrárias ou incomuns de palavras irregulares. Em outras palavras, ortografias opacas são sistemas de escrita que não apresentam uma correspondência um-para-um entre os sons (fonemas) e as letras ou dígrafos (grafemas) que os representam. Eles podem refletir etimologia (inglês, dinamarquês, sueco, feroês, chinês, tibetano, mongol, tailandês, khmer, birmanês, laosiano (até 1975; agora usado apenas no exterior), francês ou arpitano.
Ortografias como as do alemão, húngaro (principalmente fonêmica, com a exceção de ly e j representando o mesmo som, mas o comprimento das consoantes e vogais nem sempre é preciso e várias grafias refletem a etimologia, não a pronúncia), português, grego moderno, islandês, coreano, tâmil e russo são consideradas de transparência intermediária, pois incluem muitas características morfofonêmicas.
Em português
editarA ortografia portuguesa possui um algo grau de transparência, sendo quase sempre possível saber a pronúncia de uma palavra com base apenas na grafia dela. Porém, nem sempre é possível saber a grafia de uma palavra baseando-se somente em como ela é pronunciada.
O fonema /s/ pode ser representado por SS ou por C/Ç em posição intervocálica.[2]
Em posição intervocálica, as letras S e Z representam o exato mesmo fonema, que é a sibilante vozeada /z/. No prefixo trans-, a letra -s- tem a mesma pronúncia quando antecede uma vogal.[3]
A letra X pode representar de quatro a cinco fonemas, sendo eles: /ʃ/, /s/, /z/, /ks/ e /ʒ/.[4]
O dígrafo -qu-, quando antes das letras -e- ou -i-, pode ser pronunciado como /k/ ou /kw/, sem haver indicação visual de qual deve ser usada em cada palavra. O mesmo vale para o dígrafo -gu-, que pode ser pronunciado /g/ ou /gw/.[5]
Outro exemplo relevante de opacidade ortográfica em português é a grande quantidade de homógrafos.[6]
Estudos linguísticos
editarO linguista Antal van den Bosch considera que a transparência ortográfica é composta por pelo menos dois componentes. Por um lado, existe a complexidade de relacionar grafemas a fonemas, ou seja, o quão difícil é converter cadeias de grafemas (palavras escritas) em cadeias de fonemas (palavras faladas). Por outro lado, existe a diversidade de grafemas, e a complexidade de determinar os grafemas que compõem uma palavra (análise de grafemas), ou seja, como associar uma transcrição fonética à sua contraparte ortográfica.[7]
O linguista Xavier Marjou[8] usa uma rede neural artificial para classificar 15 grafias em relação ao seu nível de transparência. Entre as ortografias testadas, a ortografia francesa foi a mais opaca no que diz respeito à escrita (ou seja, na direção do fonema para o grafema) e a ortografia inglesa foi a mais opaca no que diz respeito à leitura (ou seja, na direção do grafema para os fonemas).
Alguns estudos relacionam a opacidade ortográfica de uma língua à disseminação de distúrbios de origem neurobiológica como a dislexia.[9] No entanto, estes são temas que são objeto de debate, que fazem parte da discussão científica mais ampla sobre a dislexia entre a "teoria fonológica" (que é, no entanto, predominante) e a teoria "magnocelular" ou sensório-motora.[10]
Referências
- ↑ Besner, Derek; Smith, Marilyn Chapnik (1992). «Chapter 3 Basic Processes in Reading: Is the Orthographic Depth Hypothesis Sinking?». Orthography, Phonology, Morphology, and Meaning. Col: Advances in Psychology. 94. [S.l.: s.n.] pp. 45–66. ISBN 9780444891402. doi:10.1016/S0166-4115(08)62788-0
- ↑ «Não erre mais! Como saber se é "ss" ou "ç"?». 23 de maio de 2024. Consultado em 15 de janeiro de 2025
- ↑ «Palavras com S com som de Z». Norma Culta. Consultado em 15 de janeiro de 2025
- ↑ Ciberdúvidas/ISCTE-IUL. «A pronúncia da letra x em português - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa». ciberduvidas.iscte-iul.pt. Consultado em 16 de janeiro de 2025
- ↑ «Palavras com GU». Norma Culta. Consultado em 16 de janeiro de 2025
- ↑ «Palavras homógrafas». Norma Culta. Consultado em 16 de janeiro de 2025
- ↑ «Wayback Machine». web.archive.org. 23 de outubro de 2013. Consultado em 20 de dezembro de 2024
- ↑ «OTEANN: Estimating the Transparency of Orthographies with an Artificial Neural Network»
- ↑ «Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação fonológico grafêmica: implicações para a construção de provas de reconhecimento de palavras»
- ↑ «Imparare: questo è il problema. Sistemi ortografici e dislessia: Cause e/o effetto?» (PDF)