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A criminologia queer é um ramo da criminologia crítica que se dedica a analisar como as normas da heteronormatividade e cisnormativas moldam as leis penais e influenciam comportamentos criminosos. Este campo de estudo examina ainda o tratamento das pessoas LGBTQIAPN+ dentro do sistema de justiça, questionando como preconceitos e estigmas afetam tanto a aplicação das leis quanto a experiência dessas comunidades com o sistema penal.[1]
A criminologia queer se propõe a desconstruir as narrativas tradicionais que frequentemente marginalizam identidades não heteronormativas e dissidentes de gênero, desafiando as premissas que fundamentam a criminologia convencional. Ao integrar as interseccionalidades de gênero, sexualidade, raça e classe , essa abordagem oferece uma compreensão mais abrangente e inclusiva da criminalidade e da justiça.[2]
Essa perspectiva dialoga diretamente com a teoria queer, funcionando como um ponto de confluência entre os campos teóricos da criminologia e as pautas LGBTQIAPN+. A teoria queer, por sua vez, também critica as normas rígidas de gênero e sexualidade, buscando desconstruir categorias tradicionais. Essa conexão possibilita uma análise das identidades e experiências que estão à margem das normas estabelecidas, facilitando a compreensão das dinâmicas sociais que influenciam a criminalização e a aplicação da justiça. A criminalização reflete padrões sociais que excluem grupos marginalizados, reforçando hierarquias e desigualdades estruturais.[3]
História
editarAté a década de 1970, a criminologia abordava a orientação sexual e a identidade de gênero através da noção de delinquência elementar, que se referia a comportamentos considerados desvios sociais básicos, frequentemente associados a infrações comuns. Nesse contexto, a homossexualidade era vista como um desvio tanto de orientação sexual quanto de identidade de gênero, sendo analisada sem a devida consideração dos fatores sociais que afetavam essas pessoas. Com a mudança das percepções sociais a partir da década de 1970, especialmente após a retirada da homossexualidade da lista de transtornos mentais pela Associação Americana de Psiquiatria em 1973, a criminologia começou a enfrentar críticas em relação à sua abordagem limitada.[4]
Um aspecto importante dessa transformação foi a mudança estrutural no entendimento da criminologia. A partir desse período, criminólogos começaram a desestabilizar a noção de identidade criminosa, passando a investigar os processos de criminalização e a problematizar o contexto social e econômico que define o crime. Howard Becker, em Outsiders , observa que a definição de crime não é fixa, mas sim uma construção social. O que é considerado crime e quem é rotulado como criminoso varia de acordo com as normas e reações da sociedade em um determinado contexto histórico e cultural.[5]
No entanto, mesmo com essas mudanças, a invisibilidade das experiências LGBTQIAPN+ se intensificou, à medida que a pesquisa criminológica se afastava da análise das interseccionalidades e dos fatores que impactam essas comunidades.Essa omissão contribuiu para a manutenção de estigmas sociais e para a ausência de políticas públicas eficazes voltadas à comunidade LGBTQIAPN+. Segundo Judith Butler, a falta de reconhecimento das realidades enfrentadas por esses indivíduos reflete uma exclusão sistemática que reforça vulnerabilidades e desigualdades estruturais.[6]
Neste cenário, é importante destacar o papel do sistema jurídico na intensificação das dinâmicas de exclusão. Segundo Michel Foucault, o direito, por meio de leis e discursos, naturalizou categorias como sexo, gênero e sexualidade, contribuindo para a manutenção da heteronormatividade e dos binarismos de gênero. Essa normatização reforçou a marginalização de identidades dissidentes e perpetuou a violência homotransfóbica, influenciando também a criminologia convencional.[7]
A partir das manifestações e lutas por direitos civis da década de 1970, como a Revolta de Stonewall e a oposição à patologização da homossexualidade, os movimentos sociais LGBTQIAPN+ ganharam força nas décadas seguintes.[8] Esse fortalecimento foi impulsionado pela epidemia de HIV/AIDS, que expôs de forma evidente a discriminação e a violência enfrentadas pela comunidade. Essas dinâmicas revelaram a necessidade urgente de políticas públicas inclusivas e eficazes no campo da saúde, e estimularam o desenvolvimento de uma nova abordagem criminológica. Influenciada por teorias feministas e queer. Essa abordagem passou a considerar as interseções entre gênero, sexualidade e poder.[9]
Dessa forma, a criminologia queer não se restringe a adicionar novas categorias de análise, mas desafia normas estabelecidas, promovendo uma compreensão mais profunda dos efeitos da cis-heteronormatividade nas teorias e métodos criminológicos. Assim como o direito precisa expandir suas fronteiras para contemplar a fluidez das identidades, a criminologia queer contribui para uma transformação significativa no campo ao propor uma análise mais abrangente das injustiças sociais e das experiências vividas pela comunidade LGBTQIAPN+.[10]
Campos da Criminologia Queer
editarO campo da criminologia queer se desdobra em três áreas para entender as dinâmicas de opressão que afetam as vidas de pessoas LGBTQIAPN+: a violência institucional, a violência simbólica e a violência interpessoal. Esses campos de análise permitem examinar como o sistema de justiça criminal, as normas culturais e as interações sociais influenciam a marginalização e a criminalização de identidades não hegemônicas. Além disso, destacam abordagens que buscam resistir a essas dinâmicas e promover transformações sociais.[11]
A violência institucional na criminologia queer investiga como as instituições estatais perpetuam a marginalização e o abuso de pessoas LGBTQIAPN+, reforçando normas cis-heteronormativas. Essa forma de violência se manifesta em diversas áreas, incluindo o sistema judiciário, prisional e de saúde , impactando de maneira negativa a vida da comunidade.[12]
A violência simbólica, um conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu e adaptado pela criminologia queer, refere-se à dominação e opressão que ocorrem por meio de normas culturais, simbólicas e discursivas. Essa forma de violência se evidencia em práticas que naturalizam ou invisibilizam as identidades LGBTQIAPN+, contribuindo para a manutenção de estigmas e preconceitos.[13]
A violência interpessoal abrange a violência física, verbal, emocional e sexual infligida por indivíduos a outros. Na criminologia queer, essa forma de violência é analisada no contexto das agressões direcionadas a pessoas LGBTQIAPN+, que frequentemente enfrentam discriminação e hostilidade em suas interações sociais.[14]
Normativas e Direitos de Pessoas LGBTQIAPN+ em Prisões
editarO tratamento de pessoas LGBTQIAPN+ no sistema penal deve contar com o suporte de uma equipe multidisciplinar em todas as fases do processo judicial. Isso garante a compreensão das questões sociais e subjetivas que envolvem essa população, sem patologizar suas demandas. Profissionais de áreas como psicologia, serviço social e direito devem atuar para assegurar o acesso a direitos, programas e políticas públicas adequadas. O objetivo é promover dignidade, justiça e inclusão dentro do sistema penal. Erro de citação: Elemento de fecho </ref>
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Nome Social
editarA partir de 2014, a Resolução nº 4 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado ao Ministério da Justiça, assegura o direito de pessoas trans e travestis privadas de liberdade de serem tratadas pelo nome social.[15] O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) também reforça, por meio de suas diretrizes, o respeito à identidade de gênero e ao uso do nome social, garantindo que essas pessoas não sejam constrangidas ou discriminadas no ambiente prisional. Essa medida visa promover o respeito aos direitos humanos e combater a violência e discriminação contra a população LGBTI+ no sistema prisional.<ref>Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Diretrizes para o tratamento de pessoas LGBTQIAPN+ no sistema prisional. Ministério da Justiça, 2023.
Definição do Local de Privação de Liberdade
editarA Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) determinou que a escolha do local de alojamento de uma pessoa LGBTI em instituições de privação de liberdade deve considerar sua identidade e expressão de gênero, levando em conta os riscos específicos. A pessoa deve participar do processo de escolha do local e estar protegida contra qualquer tipo de violência. Além disso, são proibidas ações que envolvam isolamento ou incomunicabilidade.<ref>Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). (2022). Parecer Consultivo OC-29/22: Tratamento de pessoas LGBTI em privação de liberdade.
Ver também
editarReferências
editar- ↑ «De que nos serve a criminologia queer no Brasil?». Agência Diadorim. Consultado em 21 de novembro de 2024
- ↑ Ball, M. S., Buist, C. L., & Woods, J. B. (Eds.). (2014). Queering Criminology. London: Palgrave Macmillan
- ↑ Mathiesen, T. (1990). Prison on Trial. London: Sage.
- ↑ Martins, Alexandre Nogueira (13 de maio de 2022). «A criminologia 'queer' e o abolicionismo penal transviado». Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social: 693–714. ISSN 1983-5922. doi:10.4322/dilemas.v15n2.44938. Consultado em 21 de novembro de 2024
- ↑ Becker, H. S. (1963). Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. New York: Free Press.
- ↑ Butler, J. (2004). Undoing Gender. New York: Routledge.
- ↑ Foucault, M. (1978). História da Sexualidade: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal.
- ↑ Adam, B. D. (1987). The Rise of a Gay and Lesbian Movement. Boston: Twayne Publishers.
- ↑ Gould, D. B. (2009). Moving Politics: Emotion and ACT UP’s Fight Against AIDS. Chicago: University of Chicago Press.
- ↑ Barbosa, Larissa; Weigert, Mariana; Carvalho, Salo de (9 de setembro de 2022). «Quem enxerga a população LGBT encarcerada? (a lgbtfobia institucional sob a perspectiva da criminologia crítica queer)». Revista Direito e Práxis: 1982–2008. ISSN 2179-8966. doi:10.1590/2179-8966/2022/68111. Consultado em 21 de novembro de 2024
- ↑ Bravo, Rafael (6 de agosto de 2021). «Criminologia queer». Blog - Curso Saber Jurídico. Consultado em 21 de novembro de 2024
- ↑ Richie, B. E. (2012). Arrested Justice: Black Women, Violence, and America's Prison Nation. New York: NYU Press.
- ↑ Bourdieu, P. (1977). Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University Press.
- ↑ Bourdieu, P. (1991). Language and Symbolic Power. Cambridge: Harvard University Press.
- ↑ Resolução nº 4, CNPCP, 2014.