Reino de Ualo
Ualo (em uolofe: Waalo) era um reino no baixo rio Senegal, na África Ocidental, no que hoje é Senegal e Mauritânia. Incluía partes do vale propriamente dito e áreas ao norte e ao sul, estendendo-se até o oceano Atlântico. Ao norte ficavam os emirados mouros; ao sul ficava o Reino de Caior; ao leste ficava o Reino Jalofo.
Reino de Ualo | |||||||||
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Região | Sudão | ||||||||
Capital | |||||||||
Países atuais | Senegal | ||||||||
Religião | Animismo Islã | ||||||||
Braque | |||||||||
Período histórico | Idade Média Idade Moderna | ||||||||
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História
editarOrigens
editarHistórias orais afirmam que, antes de se tornar um reino, a área de Ualo era governada por uma colcha de retalhos de lamanes, um título sererê que significa o proprietário original da terra.[1] Evidências etimológicas sugerem que a área era governada pela dinastia Diaogo de Tacrur.[2] Isso se alinha com as primeiras fontes escritas em árabe que descrevem uma cidade insular conhecida como Aulil (Ualo) perto da foz do Senegal, numa região chamada Sengana.[3][4]
Fundação
editarA data exata da fundação de Ualo é debatida por historiadores, mas está associada ao governo do primeiro rei, o semilendário Andiadiane Andiaie, no século XIII ou XIV.[5][6][7] Diaie, originalmente um fula de Tacrur, uniu os lamanes e governou Ualo por 16 anos como árbitro ou juiz em vez de rei antes, de acordo com alguns relatos orais, de ser expulso por seu meio-irmão Barca Bo, ou Barca Boje. Depois disso, Diaie assumiu o controle dos jalofos e fundou o Império Jalofo.[1][8] Barca Boje foi o primeiro governante a usar o título real braque (brak).[9] Diaie eventualmente fez de Ualo um vassalo.[10]
Os europeus apareceram pela primeira vez na costa de Ualo no século XV e logo começaram a negociar. Isso causou uma mudança significativa no poder econômico do coração jalofo em direção a vassalos costeiros como Ualo e Caior. João Bemoí, um membro da família real, pode ter estabelecido seu próprio controle sobre Ualo durante este período, e é creditado com a criação de um sistema de alcaldes que serviram como coletores de alfândega para o Burba Jalofo. Mais tarde, tentou se aliar aos portugueses para tomar o poder, mas foi morto por seus antigos aliados numa disputa.[11] O Império Jalofo se desfez após a batalha de Danqui em 1549, embora os braques continuassem a pagar tributo simbólico ao burba jalofo até 1715.[12]
Franceses e o deserto
editarEm 1638, os franceses estabeleceram o primeiro assentamento comercial europeu permanente na foz do Senegal, mudando-se ao sítio de São Luís em 1659, enquanto enfrentavam pressão militar e política consistente do braque.[13] Em resposta à mudança no comércio das tribos berberes para os franceses, Naceradim, um marabuto berbere, lançou a Guerra Xar Buba ou a Guerra Marabuto, derrubando a aristocracia governante de Ualo (entre outros reinos do Senegal) numa tentativa de estabelecer uma teocracia islâmica. Após sua morte em 1674, no entanto, seu movimento entrou em colapso e as antigas hierarquias, alinhadas com as tribos árabes haçanitas ao norte do rio e vigorosamente apoiadas pelos franceses, se reafirmaram.[14][15] Durante o mesmo período, as forças marroquinas avançaram para o sul, ao rio Senegal, forçando os braques a moverem a capital de Gurbel à margem sul e quebrando permanentemente o controlo do reino no lado norte.[16]
Poder regional
editarEm outra tentativa de fortalecer ainda mais sua posição econômica no vale do Senegal, em 1724 os franceses se aliaram a Maalixuri, o senhor de Betio, para pressionar o braque Ierim Banique e o Emirado de Trarza a fazerem concessões. Sua tentativa de secessão de Ualo falhou quando os franceses interromperam seu apoio. Em 1734, Ierim Banique tinha o exército mais poderoso da região.[17] Ao longo das décadas intermediárias do século XVIII, Ualo exerceu hegemonia sobre todo o estuário do Senegal e também dominou Caior. Quando os ingleses tomaram São Luís em 1758, descobriram que o braque tinha controle total sobre o comércio fluvial. Natago Arã exigiu repetidamente aumentos nos pagamentos alfandegários e nos preços dos escravos, e bloqueou a ilha quando necessário.[18] Em 1762, se apropriou de pagamentos de Caior destinados a São Luís e dois anos depois invadiu.[19]
Declínio
editarEm 1765, o damel de Caior contra-atacou, armado com armas inglesas, e derrotou com firmeza Ualo.[19] Após a morte de Natago em 1766, uma longa guerra civil eclodiu, com os mouros constantemente intervindo e atacando. Em 1775, os ingleses levaram mais de oito mil escravos de Ualo em menos de seis meses.[18] Com a guerra civil recorrente e a frequente intromissão estrangeira em disputas de sucessão, o poder de Ualo declinou progressivamente em favor do Emirado de Trarza.[20]
Na década de 1820, o marabuto de Coqui Andiaga Issa, que havia acumulado poder político significativo em Caior, foi expulso pelo damel. Suas forças, lideradas pelo general Dile Tiã, assumiram o controle de Ualo. Os franceses intervieram, no entanto, e mataram Tiã.[21] Para deter os ataques mouros paralisantes e apresentar uma frente unificada contra os franceses, a linguer Amjembote Amboje casou-se com o emir de Trarza em 1833. Diante de uma aliança que poderia ameaçar a sobrevivência da colônia, São Luís atacou Ualo, aprofundando sua longa crise. Jembote Boje foi sucedida por sua irmã Andate Iala Amboje em 1847, mas os franceses finalmente conquistaram o reino em 1855.[22][23]
Sociedade
editarGoverno
editarA capital real de Ualo foi primeiro Diurbel na margem norte do rio Senegal (na moderna Mauritânia), depois Diangué na margem sul do rio. A capital foi transferida para Der na costa oeste do Lago de Guiers.
Ualo tinha um sistema político e social complicado, que tem uma influência contínua na cultura jalofa no Senegal hoje, especialmente seu sistema de castas altamente formalizado e rígido. O reino era indiretamente hereditário, governado por três famílias matrilineares: os Logares, os Tedieques e os Jos, todos de diferentes origens étnicas. Os Jus eram de origem sererê. Este matriclã sererê foi estabelecido em Ualo por Andoie Demba de Sine. Sua avó Fatim Beie é a matriarca e ancestral inicial desta dinastia. Essas famílias matrilineares se envolveram em constantes lutas dinásticas para se tornarem "braque" ou rei de Ualo, bem como guerrearam com os vizinhos de Ualo. O título real "linguer" significa rainha ou princesa real, usado pelos sererês e uolofes. Várias lingueres, notavelmente Anjembote Amboje e Andate Iala Amboje governaram Ualo por direito próprio ou como regentes.[24]
Os braques governaram com uma espécie de legislatura, o Seb Ak Baor, que consistia em três grandes eleitores que selecionavam o próximo rei. Seus títulos vêm de termos fulas que inicialmente significavam "mestres da iniciação" e se originam do período anterior a Andiadiane Andiaie, quando Tacrur dominava a área.[2] As províncias eram governadas por cangãs (kangam) semiautônomos, como os Betio. Mudanças de lealdade entre esses nobres poderosos, os braques, outros reinos e os franceses de São Luís levaram a uma série de guerras civis.[25]
Religião
editarUalo tinha sua própria religião tradicional. O islamismo era inicialmente uma religião da elite, mas após a Guerra Marabuto, a classe dominante o rejeitou cada vez mais, enquanto ele se tornou cada vez mais difundido entre os governados. O próprio braque se converteu apenas no século XIX.[26]
Economia
editarUalo desempenhou um papel fundamental no comércio de escravos no vale do Senegal, com a maioria dos cativos vindos de regiões rio acima, frequentemente capturados em guerras ou ataques de escravos. Outros bens comerciais incluíam goma-arábica, couro e marfim, bem como alimentos, principalmente milhete, dos quais São Luís dependia.[27] Ualo recebia taxas por cada carregamento de goma arábica ou escravos que era enviado no rio, em troca de sua "proteção" do comércio.[28]
Referências
- ↑ a b Dieng & Kesteloot 2009, p. 255.
- ↑ a b Boulegue 2013, p. 39.
- ↑ Seck 2012.
- ↑ Boulegue 2013, p. 20.
- ↑ Sarr 1986–1987, p. 19.
- ↑ Ndiaye 2021, p. 187.
- ↑ Boulegue 2013, p. 57.
- ↑ Boulegue 2013, p. 45.
- ↑ Boulegue 1987, p. 19.
- ↑ Davis 2005, p. 198.
- ↑ Boulegue 2013, p. 150.
- ↑ Barry 1972, p. 134.
- ↑ Barry 1972, p. 116.
- ↑ Davis 2005, p. 169.
- ↑ Barry 1972, p. 148–50.
- ↑ Webb 1995, p. 40.
- ↑ Barry 1992, p. 280.
- ↑ a b Barry 1992, p. 281.
- ↑ a b Webb 1995, p. 42.
- ↑ Barry 1972, p. 195–99.
- ↑ Colvin 1974, p. 604.
- ↑ Sheldon 2016, p. 179.
- ↑ Barry 1972, p. 284–9.
- ↑ Weikert 2013, p. 15–29.
- ↑ Barry 1972, p. 189.
- ↑ Barry 1972, p. 157.
- ↑ Barry 1972, p. 120–5.
- ↑ Barry 1972, p. 127.
Bibliografia
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- Barry, Boubacar (1992). «Senegambia from the sixteenth to the eighteenth century: evolution of the Wolof, Sereer and 'Tukuloor'». In: Ogot, B. A. General History of Africa vol. V: Africa from the Sixteenth to the Eighteenth Century. Paris: UNESCO
- Boulegue, Jean (2013). Les royaumes wolof dans l'espace sénégambien (XIIIe-XVIIIe siècle). Paris: Karthala Editions
- Colvin, Lucie Gallistel (1974). «Islam and the State of Kajoor: a case of successful resistance to Jihad». Journal of African History. xv (4)
- Davis, R. Hunt (2005). Encyclopedia Of African History And Culture, Vol. 2. Nova Iorque: The Learning Source, Ltd., Facts On File, Inc.
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- Sarr, Alioune (1986–1987). «Histoire du Sine-Saloum (Sénégal)». Bulletin de l'IFAN. 46 (3-4)
- Seck, Ibrahima (2012). «The French Discovery of Senegal: Premises for a Policy of Selective Assimilation». In: Green, Toby. Brokers of Change: Atlantic Commerce and Cultures in Pre-Colonial Western Africa, Proceedings of the British Academy. Oxônia: Oxford University Press. ISBN 9780197265208
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- Weikert, Imche (2013). «Les souveraines dans les systèmes politiques duaux en Afrique: L'exemple de la lingeer au Sénégal». In: Fauvelle-Aymar, François-Xavier; Hirsch, Bertrand. Les ruses de l'historien. Essais d'Afrique et d'ailleurs en hommage à Jean Boulègue. Paris: Karthala Editions. ISBN 978-2-8111-0939-4. doi:10.3917/kart.fauve.2013.01.0015