Antes o Mundo Não Existia
Antes o Mundo Não Existia é uma coletânea de narrativas míticas que descrevem a história da criação do mundo sob a gênesis do povo Desana — habitante da região do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas — pelos autores Umúsin Panlõn Kumu e Tolamãn Kenhíri (pai e filho — nas edições posteriores os nomes aparecem como Umusi Pãrõkumu e Tõrãmʉ̃ Kẽhíri). A obra, que faz a transição da narrativa oral para a escrita, é considerada o primeiro livro de autoria indígena — e ilustrado — publicado oficialmente no Brasil. O prefácio e introdução da sua primeira edição em 1980, ficou a cargo da antropóloga Berta Ribeiro.[1][2]
Antes o Mundo Não Existia | |
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Capa da primeira edição de Antes o Mundo Não Existia de 1980 | |
Autor(es) | Umúsin Panlõn Kumu e Tolamãn Kenhíri |
Idioma | português e desana |
País | ![]() |
Assunto | mitologia desana |
Gênero | literatura indígena |
Linha temporal | 1968 - 1980 |
Ilustrador | Luiz Gomes Lana (Tolamãn Kenhíri) |
Arte de capa | Luiz Gomes Lana (Tolamãn Kenhíri) |
Editora | Livraria Cultura Editora (1ª edição) UNIRT/FOIRN (2ª edição) Dantes Editora (3ª edição) Editora Valer (4ª edição) |
Formato | livro de bolso |
Lançamento | 1980 (1ª edição) |
Páginas | 239 |
ISBN | 9786555852240 |
A obra foi referência para o surgimento dos autores indígenas Eliane Potiguara, Olívio Jekupé, Ailton Krenak e Daniel Munduruku.[3]
Em 1978, quando Berta Ribeiro se encontrava na região do Alto Rio Negro para estudar o trançado indígena, soube que dois indígenas haviam escrito a mitologia dos Desana, motivados anteriormente por um padre da Missão Salesiana de São Gabriel da Cachoeira a transcrever essas narrativas.[4] No mesmo período em que estava na localidade e os originais foram devolvidos por uma editora, a antropóloga se interessou pelo projeto e ajudou pai e filho — Umúsin Panlõn Kumu (Firmiano Arantes Lana) e Tolamãn Kenhirí (Luiz Gomes Lana), a reformularem o texto de forma a conseguir sua publicação em 1980.[4]
Recepção
editarO Diário Popular atestou num artigo que, pela "[...] primeira vez no Brasil se publica um livro escrito por dois índios [...]", em que "[...] Tolamãn e Umúsin contam a criação dos homens e de todas as coisas, segundo eles mesmos." Reconheceu que, através de Berta Ribeiro, o livro conseguiu ser publicado e que a antropóloga "[...] nos leva, com sua introdução clara e objetiva, a um passeio pelas margens do Rio Negro e a uma maravilhosa sessão do "contador de histórias" que é Firmiano Lana." Apresentando trechos do livro, a crítica o descreveu como comovente, ingênuo e bonito, mas também emocionante e alegre. Afirmou, inclusive que é um livro que todos deveriam ler, pois "[...] através dele poderemos, com certeza, entender e amar melhor os índios [...]", população "[...] que vem sendo, há quase meio século, tão violentamente dizimada, em nosso País."[5]
Traduções
editarO livro foi publicado na Itália em 1986, sob o título de Il Ventre del Universo.[4] A versão em espanhol foi publicada pela Editoral Prensa Universitaria de Palma de Mallorca em 1999, com o título de Antes el Mundo no Existía, traduzido por Helder Ferreira, prefácio de Berta Ribeiro e estudo literário de José Ignacio Úzquiza.[6]
Adaptação
editarConto
editarCarlos Drummond de Andrade escreveu em sua coluna no Jornal do Brasil em 1980, um conto sobre o livro:[7]
"Berta [Ribeiro] me contou:
Antes o mundo não existia, eram só águas pretas onde passou uma canoa, que também podia ser uma cobra, sei lá. Dentro dela ia a humanidade futura. Em pé, com seu bastão de comando, o fundador dos Tukano, chamado Emekho Panlamim. Aportaram no lugar devido, e o mundo existiu, com danças, 28 pratos de mandioca e uma vasta maloca de 20 metros de frente por 20 de fundo, onde todos eram felizes, e cada homem só amava sua mulher. Mas vieram os missionários, acharam aquilo imoral e destruíram a maloca.
Hoje o mundo continua existindo, ou parece que, mas os Tukano vivem em pequeninas casas isoladas, e vendem como objetos industriais os antigos instrumentos de culto. Umusin Panlon Kumu e seu filho Tolaman resolveram entretanto contar a história verdadeira da origem da vida, tal como foi de verdade, e não como se pretende obrigá-los a crer. No Alto Rio Negro, dois Tukano mostram a morada do Grande Morcego, que fica no alto da esfera de quatro camadas, desenhada por Tolaman, e só não vê essas coisas quem é cego de olhos ou de coração."
Carlos Drummond de Andrade
Teatro
editarO Grupo Aimberê, que se dedicava ao estudo da mitologia brasileira, realizou na sua primeira apresentação teatral em 1981, uma improvisação sobre uma das lendas descritas na publicação antes da peça A Maravilhosa História do Sapo Tarô Bequê, de Márcio Souza, fazendo parte da programação do Teatro Cacilda Becker.[8]
Animação
editarEm 1994, Berta Ribeiro organizou um projeto de desenhos animados que seriam integrantes de uma série chamada Mito e Morte no Amazonas, baseada em lendas descritas no livro e composta pelos curta-metragens: Gaín Pañan e a Origem da Pupunheira, Bali Bó e O Começo Antes do Começo. Dos três filmes, apenas o primeiro foi concretizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde a antropóloga era docente.[4]
Ver também
editarReferências
- ↑ Di Giacomo, Fred (15 de dezembro de 2020). «Pequena biblioteca da literatura indígena brasileira § Arte fora dos centros». UOL/ECOA. Consultado em 7 de abril de 2023
- ↑ Barra, Cynthia de Cássia Santos (janeiro–abril de 2020). «Antes o mundo não existia: Imaginário das línguas e livros de autoria indígena» (PDF). Dourados: UFGD. Raído. 14 (34): 122-137. ISSN 1984-4018. doi:10.30612/raido.v14i34.11084. Consultado em 30 de outubro de 2021
- ↑ Di Giacomo, Fred (23 de julho de 2020). «Breve história da literatura indígena contemporânea: pioneiros § Arte fora dos centros». UOL/ECOA. Consultado em 20 de outubro de 2021
- ↑ a b c d Vogas, Ellen Cristine Monteiro (janeiro–junho de 2014). «Berta Gleizer Ribeiro: da militância ao afeto, o percurso de uma antropóloga» (PDF). Campos dos Goytacazes: UENF. Terceiro Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política. 2 (1): 122-137. ISSN 2318-373X. Consultado em 24 de novembro de 2022
- ↑ «Antes o mundo não existia» (PDF). Diário Popular. São Paulo: ISA. 17 de outubro de 1980. Consultado em 30 de abril de 2024
- ↑ Úzquiza, José Ignacio (2000). «Antes el mundo no existía. Literatura amazónica iberoamericana» (PDF). Arrabal: Universitat de Lleida. Revistes Catalanes amb Accés Obert (RACO) (em espanhol) (2): 7-12. Consultado em 24 de maio de 2024
- ↑ Drummond de Andrade, Carlos (28 de junho de 1980). «Dois contos e um poeminha - História Geral dos Tukano» (DocReader). Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: Memória BD. Consultado em 26 de maio de 2024
- ↑ Michalsky, Yan (25 de maio de 1981). «Mitologia e revista» (DocReader). Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: Memória BD. Consultado em 27 de maio de 2024
Ligações externas
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