Reino de Baguirmi

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O Reino de Baguirmi,[1] também grafado nas formas Bagirmi (em árabe: مملكة باقرمي; Mamlakat Bāqirmī; em francês: Royaume du Baguirmi) foi um entidade política pré-colonial africana que existiu durante a idade moderna até o final do século XIX.[2][3] Localizado na região central da África, no que corresponde ao atual Chade, mais especificamente nas regiões próximas ao rio Chari, tinha como sua capital Massenya, ao norte desse rio e perto da fronteira do atual Camarões.[2]

Reino de Baguirmi
1480/522 — 1897 
Região Sudão
Capital
  • Massenya (1522–1893)
  • Chekna (1893–1897)
Países atuais Chade

Língua oficial Baguirmi
Religião
Ambangue, sultão

Período histórico
• 1480/522  Fundação
• 1897  Dissolução

Baguirmi estendia-se por mais de 112 000 quilômetros (70 000 mi) quadrados, incluindo Massenya, seus arredores e vários estados tributários.[4] A população era majoritariamente composta por barmas, mas também incluía fulas, canúris], árabes xuas e grupos vizinhos.[4] Seus soberanos ostentavam o título de mbang, um costume tradicional pré-islâmico que foi mantido mesmo após a islamização da elite e do sistema político do reino.[4]

A primeira menção registrada a Baguirmi aparece em uma crônica de Bornu de 1578, com o nome grafado como Bacarmi.[4] A história do reino foi marcada por processos de centralização estatal, islamização e relações dinâmicas com outros poderes regionais, como os impérios de Bornu e Uadai, além de potências globais, como a França, que acabou incorporando Baguirmi ao Chade francês. No Chade contemporâneo, o legado de Baguirmi persiste de forma informal e tradicional no departamento de Baguirmi.[5]

História

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"Cavaleiro de Baguirmi", por Dixon Denham, 1823
 
O Mbang Abderramão Guaranga (à esquerda), c. 1918

Fundação, consolidação e islamização

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As tradições orais são a principal fonte de conhecimento sobre as origens de Baguirmi.[nota 1] Não se sabe ao certo quando ou por quem o estado foi fundado, com algumas fontes indicando 1480, quando se acredita que o líder Abde Almamude Begli teria estabelecido o reino,[4] enquanto outras datam a fundação para 1522, atribuindo-a a Dala Birni Besse.[4][5][7]

De acordo com a tradição associada a Abde Almamude Begli, ele e seus sucessores construíram um palácio e um tribunal na cidade de Massenya, ao norte do rio Chari.[4] A tradição em torno de Dala Birni, por sua vez, sugere que ele teria liderado seu povo desde o território de Quenga, onde, ao parar diante de uma tamarineira (chamada mas na língua barma), fundou o assentamento que viria a se tornar a capital Massenya.[5]

A adoção do islamismo foi um marco importante na história de Baguirmi, embora a data exata de sua conversão inicial seja imprecisa.[5][8][9][10] A islamização facilitou alianças com outros estados islâmicos e permitiu que Baguirmi se integrasse às redes comerciais transaarianas.[5] A cidade de Bidiri, por exemplo, tornou-se um importante centro de aprendizado islâmico, enquanto seus mercadores estavam presentes em diversas partes da região.[5]

Rivalidade com Bornu

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Desde seus primeiros anos, Baguirmi enfrentou a rivalidade de estados vizinhos, especialmente o Império de Bornu, uma potência dominante na região, e mais tarde com o Império de Uadai.[4][11] Entre 1650 e 1675, durante o reinado do rei Idris Alauoma, Baguirmi se submeteu à vassalagem do Império de Bornu.[4][6][11][12] Durante esse período, a cultura e os sistemas administrativos de Bornu influenciaram fortemente Baguirmi, que estava inserido na periferia de uma rede comercial transaariana e de peregrinação para a Arábia, sendo Bornu um intermediário nesse vasto sistema de trocas.[4]

O comércio entre Baguirmi e Bornu envolvia peles de animais, marfim, algodão e escravos — incluindo eunucos —, enquanto Baguirmi recebia cobre e conchas de cauri como moeda.[4] Apesar dessa relação de dependência, diversos governantes de Baguirmi se rebelaram contra o domínio de Bornu, como no caso de Abdullah, que foi assassinado após uma expedição militar de Bornu.[4]

Em meados do século XVIII, durante o reinado do mbang Maomé Alamim, Baguirmi reconquistou sua independência, embora tenha permanecido um estado tributário de Bornu por um período adicional.[4][13] Após recuperar a autonomia, o reino expandiu-se consideravelmente para regiões fronteiriças vulneráveis, incorporando territórios como Muzgu, Gummai e Kung.[6][12] Essas regiões tributárias sob o governo direto de Baguirmi eram governadas pelos angares, os governadores de distrito.[6] Os governantes de Baguirmi frequentemente tinham coesposas de regiões fronteiriças, o que levou à integração de uma elite estatal entrelaçada aos pequenos estados tributários.[nota 2]

A estrutura militar de Baguirmi frequentemente cooperava com povos nômades para subjugar estados menores, os quais pagavam tributo, incluindo cerca de mil escravos anuais para o palácio.[5] Escravos adquiridos no sul eram uma mercadoria crucial, sendo utilizados no comércio transaariano, na agricultura local, como servos do mbang e até como eunucos para o Império Otomano.[nota 3][12]

Declínio e colonização

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No final do século XVIII e início do XIX, Baguirmi sofreu um declínio significativo.[6] Aproveitando-se da fragilidade do reino, o colaque Sabum de Uadai lançou uma ofensiva em 1805, capturando Massenya, massacrando o mbang e sua família, e dizimando a população, que foi posteriormente escravizada.[5][12][14] Essa invasão de Uadai marcou o início de um longo período de declínio, durante o qual Baguirmi se tornou um estado tributário de Uadai e nunca mais conseguiu recuperar sua autonomia política.[8][12]

Embora Baguirmi tentasse recuperar sua autonomia por meio de contraofensivas, como as realizadas contra Uadai e Bornu, essas tentativas foram em grande parte infrutíferas.[5] Em 1870, a capital Massenya foi sitiada e parcialmente destruída por Uadai, e em 1893, Rabi Azubair, um senhor da guerra influente, destruiu Massenya e conquistou o restante do território de Baguirmi.[12][15]

Diante dessa situação, o soberano Abderramão Guaranga aceitou a intervenção colonial francesa, que resultou na constituição do protetorado francês em 1897.[5][15] O exército francês, com a ajuda de soldados de Baguirmi, matou Rabi em 1900, o que levou à desintegração do território comandado por ele.[12][15] Em 1902, o protetorado de Baguirmi foi oficialmente estabelecido e incorporado ao Território Militar do Chade.[15]

Com o regime colonial francês, que perdurou até 1960, e após a independência do Chade, Baguirmi deixou de ser um reino independente, embora sua memória e legado cultural continuem vivos na região.[5]

Ver também

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Notas

  1. Durante o século XIX, com a chegada de exploradores e missionários europeus, começaram a ser registrados relatos mais detalhados sobre o reino, com destaque para as viagens de Hugh Clapperton, Heinrich Barth e Gustav Nachtigal, cujas observações enriqueceram o entendimento sobre Baguirmi nesse período.[6]
  2. Como resultado das relações diplomáticas, muitas sociedades vizinhas adotaram o título de mbang para seus próprios líderes e integraram elementos culturais de Baguirmi, como práticas islâmicas, escarificação facial, tecelagem e a língua barma. Esses estados tributários menores também frequentemente enviavam suas elites jovens para educação na corte de Massenya.[6]
  3. O cativeiro de escravizados estrangeiros, em particular, continua sendo uma questão controversa entre os historiadores, sendo que alguns sugerem que as expedições imperiais de Baguirmi estavam diretamente relacionadas à captura de escravos, enquanto outros afirmam que a escravidão era apenas uma fase transitória da vida desses indivíduos. Além disso, Baguirmi era um dos maiores produtores e exportadores de eunucos da África pré-colonial.[6]

Referências

  1. EBM 1967, p. 630.
  2. a b Reyna 1996, p. 32.
  3. Zehnle 2017, p. 29.
  4. a b c d e f g h i j k l m Zehnle 2017, p. 30.
  5. a b c d e f g h i j k Reyna 1996, p. 33.
  6. a b c d e f g Zehnle 2017, p. 31.
  7. Stokes 2009, p. 89.
  8. a b Olson 1996, p. 75.
  9. Gearon 2005, p. 227.
  10. Stokes 2009, pp. 89-90.
  11. a b Yakan 1999, p. 358.
  12. a b c d e f g Collins 2005, p. 119.
  13. Zehnle 2017, pp. 30-31.
  14. Yakan 1999, pp. 358-359.
  15. a b c d Zehnle 2017, p. 32.

Bibliografia

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  • Enciclopédia Brasileira Mérito Vol. IX. Rio de Janeiro: Editôra Mérito S. A. 1967 
  • Britannica, The Editors of Encyclopaedia (2014). «Bagirmi». Encyclopædia Britannica. Consultado em 26 de janeiro de 2025 
  • Reyna, Stephen (1996). «Bagirmi». In: Levinson, David. The Encyclopedia of World Cultures - 10 Volume set, 1st Edition. New York, NY: Macmillan. ISBN 978-0816118403 
  • Yakan, Bagirmi, ed. (1999). «Mohamad». Almanac of African Peoples and Nations (ePub ed.). New York, NY: Routledge. ISBN 978-1560004332 
  • Olson, James Stuart, ed. (1996). «Barma». The Peoples of Africa: An Ethnohistorical Dictionary. Westport, Connecticut: Greenwood. ISBN 978-0-313-27918-8 
  • Gearon, Eamonn (2005). «Central Africa, Northern: Chadic People». In: Shillington, Kevin. Encyclopedia of African History 3-Volume Set. New York, NY: Routledge. ISBN 9781579582456 
  • Collins, Robert O. (2005). «Bagirmi, Wadai, and Darfur». In: Shillington, Kevin. Encyclopedia of African History 3-Volume Set. New York, NY: Routledge. ISBN 9781579582456 
  • Stokes, Jamie, ed. (2009). «Bagirmi & Barma». Encyclopedia of the Peoples of Africa and the Middle East. New York, NY: Facts on File. ISBN 9780816071586 
  • Zehnle, Stephanie (2017). «Baguirmi». In: Aderinto, Saheed. African Kingdoms - An Encyclopedia of Empires and Civilizations. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO. ISBN 9781610695794